O primeiro
acto do drama “Anexação da Crimeia” terminou. A Rússia ocupou
a península ucraniana, anexou-a e, agora, tenta limpar o território
das tropas de Kiev sem encontrar qualquer resistência. O governo de
Kiev não foi capaz de contrapor fosse o que fosse à
ofensiva-relâmpago de Vladimir Putin, evitando dar argumentos às
tropas russas para empregarem a força das armas.
O mesmo se
pode dizer dos EUA e da União Europeia, cujas sanções (proibição
de entrada) apenas provocaram risos sarcásticos dos “atingidos”
em Moscovo. Serguei Ivanov, dirigente da Administração do
Presidente da Rússia e forte candidato a este último cargo no
futuro, fez saber através do porta-voz de Putin: “Em 20 anos de
serviço na Direcção Política do KGB da URSSE e, depois, do SVR
(espionagem externa) da Rússia, foi-lhe fechada a entrada numa série
de países, por isso já está habituado”.
Vladislav
Surkov, considerado o mentor da operação de ocupação da Crimeia,
considerou: “Isso não me preocupa, pelo contrário, orgulho-me
porque se trata de uma espécie de “Óscar” político da América
pelo “melhor papel masculino secundário””.
Segundo a
imprensa russa, os amigos e “banqueiros” do Presidente Putin
também tiveram uma reacção esperada à proibição: “a sua
reacção limitou-se a ver nas acções dos EUA o reconhecimento
indirecto dos seus serviços perante o Estado russo”.
Claro que
Moscovo reagiu também fazendo uma “lista negra” de políticos
norte-americanos e deverá fazer também de europeus, mas apenas para
assinalar que pode igualmente sancionar.
Neste
situação, a perda da Crimeia para a Ucrânia parece se
irreversível. Os EUA e a UE não se demarcaram da extrema-direita
ucraniana, empurraram a oposição para o derrube do Presidente
Ianukovitch e, agora, deixa o governo de Kiev entregue ao seu
destino, ou melhor, com promessas de ajuda económica e apoio
político. Em 2004, depois da “REVOLUÇÃO LARANJA”, as promessas
também não faltaram.
Vladimir
Putin afirmou que não tencionava avançar para novas regiões da
Ucrânia, nem pretende desintegrar o país vizinho. Mas, tendo em
conta a política e o carácter do dirigente russo, é difícil
acreditar que ele permita a realização das eleições presidenciais
ucranianas marcadas para Maio. O Kremlin irá tentar por todas as
formas continuar a desestabilizar a situação na Ucrânia: começa a
fechar o seu mercado aos produtos ucranianos a pretexto da Ucrânia
ter abandonado a Comunidade dos Estados Indepentes, continuará a
apoiar os separatistas russófonos no Leste e no Sul do país. O mais
provável é que as autoridades de Kiev não consigam realizar o
escrutínio nessas regiões.
A favor da
política russa na Ucrânia irá jogar a divisão no seio da oposição
ucraniana, bem como cenas tristes como as que aconteceram na
quarta-feira, em que deputados do partido de extrema-direita Svoboda
espancaram em directo o dirigente de um canal televisivo ucraniano.
Não
obstante a “procissão ainda ir no adro” na Ucrânia, já se
podem tirar algumas conclusões:
- Os EUA e a UE revelaram-se incompetentes na condução da sua política externa em relação à Ucrânia, tendo criado graves precedentes para justificar a política do Kremlin, que há muito vinha acumulando forças para oportunidades dessas. O precedente do Kosovo, a não garantia do documento assinado entre Victor Ianukovitch e a oposição pela UE, bem como a tolerância para com forças extremistas foram erros de palmatória que ainda irão causar graves prejuízos.
- Mesmo que o Kremlin se acalme, será uma calma temporária, pois como após 2008 (guerra contra a Geórgia) se seguiu 2014 na Ucrânia, a 2014 algo se poderá seguir no antigo espaço post-soviético. A Moldávia poderá ser a próxima vítima, ou o Azerbaijão, cujo Presidente já veio dizer que pretende recuperar o enclave de Nagorno-Karabakh, hoje ocupado pela Arménia.
- Nesta primeira etapa, Putin venceu em toda a linha, mas o futuro a Rússia não parece ser de todo radiante. Os EUA e a UE não têm, a curto prazo, alavancas para pressionar Moscovo, mas isso não significa que não as venham a ter no futuro. Principalmente se tirarem as devidas lições da actual crise.
"Os EUA e a UE não têm, a curto prazo, alavancas para pressionar Moscovo, mas isso não significa que não as venham a ter no futuro. Principalmente se tirarem as devidas lições da actual crise."
ResponderEliminarPois, mas não se esqueça, JM, que a Rússia teve quase 20 anos para tirar ilações das actuações do Ocidente. E quanto a alavancas de pressão, para começar seria interessante se a Rússia começasse por fechar o acesso ao Afeganistão através do seu espaço aéreo ou então, para não ser muito mazinha, começar a cobrar, e bem, o "preço de portagem".
Quanto à Ucrânia e aos nazis que actualmente a governam (e que por aqui têm alguns ardentes apoiantes), para já a Ucrânia pode contentar-se em ter perdido a Crimeia e não ter perdido vidas no processo. Bem bom!
Também poderá dar-se por muito contente se não lhe for imposto um boicote a todos os produtos que não venha do Leste do país. Relativamente às famosas ajudas externas, é melhor que ela espere sentada.
E agora, os nazis que se preparem para fazer do país uma Federação, caso contrário poderão vir a perder mais do que apenas a Crimeia.
Uma reportagem sobre os ucranianos do Leste:
Where Ukrainians Love Russia
https://medium.com/war-is-boring/2d7ca852fb00
Bom texto Dr. Milhazes, desta vez foi imparcial na sua análise, gostei do texto.
ResponderEliminarSó umas notas para reflexão futura com o necessário enquadramento histórico tendo em conta o que se passou na Crimeia
Se a Crimeia é historicamente Russa, os territórios do Leste e Sul da Ucrânia são tão Russos como a Crimeia, quem conhece um pouco de história europeia sabe o porque.
Esses territórios foram conquistados pela Rússia aos Tártaros/Otomanos do Canato da Crimeia, que usavam a Crimeia como uma base para o assaltos as terras eslavas em busca de escravos, centenas de milhares de Eslavos foram raptados e enviados como escravos para o Império Otomano via Crimeia, mais concretamente por Feodosia, que foi até à tomada da Crimeia pelos Russos o maior mercado de escravos da Europa.
Os territórios do Leste e Sul da actual Ucrânia (na altura não existia essa entidade) foram conquistados pelos Russos aos Otomanos/Tártaros no séc. XVIII por Catarina a Grande, numa campanha iniciada ainda no Séc. XVII, mais precisamente em 1698 com a conquista de Azov e Tangarog por Pedro, o Grande que tinha na Marinha de guerra a sua paixão.
As grandes cidades da Crimeia como Sebastopol e Simferopol, bem como as cidades do Leste e Sul da actual Ucrânia (na altura não existia Ucrânia, só existiam Otomanos/Tartaros, Galicios, Volinios e Russos) como Odessa, Donetsk, Kharkov, Luhansk, Kherson, Mikolayv, ou Dnepropetrovsk, também denominada de Yekaterinoslav foram fundados pelos Russos no reinado de Catarina, a Grande, depois da vitória nas Guerras Russo-Turcas e da Tomada Crimeia.
O actual Sul e Leste da Ucrânia era uma espécie de terra de ninguém dominada pelo canato da Crimeia, e foram os Russo que urbanizaram as populações com a construção de todas estas cidades, antes era só aldeolas com as típicas casas eslavas da idade média de madeira e telhados de colmo, nada mais.
Aos territórios do Sul e Leste da actual Ucrânia os Russos deram a denominação de Novorossia, ou seja Nova Rússia, e todos estes territórios fizeram parte do Império Russo até à queda dos Czares na II Guerra Mundial.
Sinceramente, mas que drama?
ResponderEliminarEu nao assisti a drama nenhum!
Alias foi a anexacao mais passifica que ja assisti!
(Nao usei acentuacao porque vivo na Austria e o meu teclado nao possui quase nenhum acento ortografico)
Isaac
(cont)
ResponderEliminarFoi nessa altura que a Comunada, essa tropa fandanga destruidora de impérios ( vide Rússia e Sérvia) que tomou conta do Império Russo se lembrou de criar “um pais” na zona Oeste do Império, e não tiveram mais nada que lhe chamar, denominaram-no de Ucrânia, já que ficava na fronteira, (Ucrânia significa fronteira em Russo) antes disso apenas havia o Governorate de Kiev e o Volhynian Governorate criado em 1796, entidades administrativas do Império Russo. Antes disso no séc. XIII tivemos o Reino da Galicia e da Volinia, desfeito pelos Polacos e Lituanos (daí a animosidade dos Galicio/Volinios Pravy sector e do Svoboda também aos Polacos), senod depois anexados à Comunidade Polaco-Lituana, e depois repartidos entre o Império Habsburgo e o Império Russo.
Com a tomado do poder pelos comunistas foi criada a República Socialista Soviética da Ucrânia, constituída pelos territórios dos antigos reinos da Galicia e da Volinia, povos que não são Russo étnicos (são os bisnetos destes tipos que incendiaram Kiev) à qual em 1922 Lenine adicionou os territórios do Leste do Sul, anteriormente designados de Novorossia e habitados por Russos étnicos, foi aqui que começou a confusão, visto que a Ucrânia nunca conseguiu esbater esta dicotomia cultural, religiosa e étnica entre Galicios/Volinios e Russos, no fundo não há Ucranianos na Ucrânia, há Russos no Leste da denominada Ucrânia, e Galicios/Volinios no Oeste da denominada Ucrânia.
Em 1939 Estaline depois da partilha da Polónia aquando dos acordos Ribbentrop-Molotov adicionou-lhe os territórios no Oeste, basicamente a Transcarpatia e o Oblast de Lviv subtraído à Polónia.
Em 1954, o Krushev que era Ucraniano étnico e pelo que se diz bêbado que nem um cacho tomou a decisão de “doar” a Crimeia á Ucrânia, ainda mais trapalhada.
Passados 60 anos Putin e bem desfez parta da trapalhada. Os Americanos e o estado vassalo e fantoche designado de UE limitaram-se a ver a banda passar e a acenar com sansões, depois de antes de forma completamente irresponsável terem apoiado extremistas de ideologia abertamente nazi. Para os americanos vale tudo na sua ansia imperialista de poder e de cerco militar à Rússia, até promover golpes de estado e incendiar países na Europa, a culpa é dos europeus, caso contrário não permitiriam estas ingerências.
Se não houver bom senso em Kiev e na UE/EUA pressionado os seus pupilos em Kiev, e o bom senso passa por restituir o estatuto da língua Russa e das demais, convêm não esquecer os falantes de Ruteno, Moldavo e Húngaro, se os extremistas do Pravy Sector e do Svoboda não forem desarmados e posto no lugar deles, e não se avançar com um sistema federal na Ucrânia que consagre as liberdades do Leste e Sul da Ucrânia, ai não duvido que vamos ver cenário semelhante ao da Crimeia no Leste e Sul da Ucrânia, o pais vai-se dividir e a Rússia possivelmente vai ganhar mais meia dúzia de Oblasts.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarJosé Milhazes
ResponderEliminarÉ um artigo que se lê bem do princípio ao fim sem grandes delongas e aguardemos pelo próximo capítulo que será talvez em 25 de Maio, data em que em Portugal, pelo menos, vai haver também eleições para o Parlamento Europeu mas na Ucrânia quem são os candidatos? A Júlia Tymochenko concorre sozinha ou pelo Partido dela (será o Pátria?) e qual o papel dela no meio do auto proclamado Governo da Ucrânia? Estão unidos ou luta cada um por seu lado? e se o Partido das Regiões voltar a ganhar? A união Europeia não se vai intrometer de novo?
Li que Capitalistas Russos estão a cessar a actividade em alguns países com medo das sanções económicass. Mas na Rússia os empresários capitalistas não estão sujeitos a uma forte disciplina económica a exemplo dos chineses ou é tudo à balda como nos países ocidentais?
Putin parece ter reunido grande consenso em torno da questão da Crimeia. No discurso que fez em Moscovo, acho que na Duma, não sei o que era aquilo, eu vi gente de lágrimas nos olhos revelando um forte espírito de corpo coisa que em Portugal só existe em torno da selecção, do Mourinho e do Ronaldo.
O que se pede ao José Milhazes é vá informando porque para nós é tudo estranho e distante e peço-lhe que seja um jornalista o mais independente possível de tal forma que não deixe transparecer as suas opções por A ou B porque isso por vezes induz as pessoas em erro.
Cumprimentos
José Milhazes
ResponderEliminarÉ um artigo que se lê bem do princípio ao fim sem grandes delongas e aguardemos pelo próximo capítulo que será talvez em 25 de Maio, data em que em Portugal, pelo menos, vai haver também eleições para o Parlamento Europeu mas na Ucrânia quem são os candidatos? A Júlia Tymochenko concorre sozinha ou pelo Partido dela (será o Pátria?) e qual o papel dela no meio do auto proclamado Governo da Ucrânia? Estão unidos ou luta cada um por seu lado? e se o Partido das Regiões voltar a ganhar? A união Europeia não se vai intrometer de novo?
Li que Capitalistas Russos estão a cessar a actividade em alguns países com medo das sanções económicass. Mas na Rússia os empresários capitalistas não estão sujeitos a uma forte disciplina económica a exemplo dos chineses ou é tudo à balda como nos países ocidentais?
Putin parece ter reunido grande consenso em torno da questão da Crimeia. No discurso que fez em Moscovo, acho que na Duma, não sei o que era aquilo, eu vi gente de lágrimas nos olhos revelando um forte espírito de corpo coisa que em Portugal só existe em torno da selecção, do Mourinho e do Ronaldo.
O que se pede ao José Milhazes é vá informando porque para nós é tudo estranho e distante e peço-lhe que seja um jornalista o mais independente possível de tal forma que não deixe transparecer as suas opções por A ou B porque isso por vezes induz as pessoas em erro.
Cumprimentos