quarta-feira, dezembro 26, 2007

Vinho da Madeira não envenenou Rasputin


Ao falar com numerosos russos que visitaram a Ilha da Madeira, constatei que muitos deles ouviram a estória de que Gregori Rasputin, personagem polémica da História da Rússia do início do séc. XX, teria sido envenenado por vinho produzido nessa maravilhosa ilha.

Normalmente, dizem eles, isso é-lhes contado em restaurantes ou caves talvez para levar os russos a comprarem e consumirem mais umas garrafas desse néctar divino. Afinal, os russos não só têm fama de que gostam de beber, mas são realmente fortes consumidores.

Mas o facto é que isso não passa de um mal-entendido, de que a história dos homens é fértil, daí não ser correcto "denegrir" a fama do vinho da Madeira para aumentar as suas vendas.

Na realidade, Gregori Rasputin foi envenenado por "Madera", vinho produzido na Península da Crimeia (actualmente, território ucraniano) a partir de castas semelhantes àquelas com que se produz o néctar mundialmente conhecido da nossa Ilha da Madeira.

Rasputin, diabo para uns e santo para outros, apreciava realmente vinho da Madeira e isso ficou assinalado por várias pessoas que o conheceram de perto. Porém, o cianeto foi dissolvido em "Madera".

O príncipe Félix Iussupov, um dos três homens que organizaram e concretizaram o assassinato de Rasputin, escreve nas suas memórias que, depois de ele ter ingerido bolos envenenados, lhe ofereceu vinho.

"Então - escreve o príncipe - eu ofereci-lhe nossos vinhos caseiros da Crimeia... Ele bebeu-o com prazer, limpou os lábios e perguntou se eu tinha em casa muito vinho daquele. Ficou admirado ao saber que a cave estava cheia de garrafas.

- Entorna mais um madeirinha - disse ele. Eu queria dar-lhe outro cálice, com veneno, mas ele travou-me:

- Enche este".

Depois de ter ingerido vários copos de "Madera" com veneno e nada ter acontecido, Rasputin acrescentou: "Bom madera, enche mais um copo".

O resto da história do assassinato já os leitores conhecem. Por isso, apenas mais umas palavras para explicar o aparecimento dos vinhos "Madera" e "Portwine" na Rússia. Nos meados do século XVIII, alguns nobres russos começaram a encomendar da Europa videiras para plantar na Crimeia, onde as condições climatéricas são semelhantes. E assim apareceram as"versões russas" dos vinhos portugueses.

Durante o regime comunista (1917-1991), na União Soviética produziam-se, além de "Madera" e "Porwine" de razoável qualidade, "vinhos a martelo" com o mesmo nome, também conhecidos por "bombas", favoritos dos alcoólicos porque embriagam rapidamente. Quem passou pela União Soviética e não conhece marcas como "777", "Agdam"?

Após a Revolução de Abril de 1974 em Portugal, os dirigentes soviéticos começaram a importar quantidades significativas de Vinho do Porto português, sendo esta uma das formas de financiar as actividades do Partido Comunista Português. Embora sendo bastante caro em comparação com as bebidas alcoólicas soviéticas (se uma garrafa de vodka custava dois rublos, uma de vinho português custava cinco), tornou-se popular devido à sua qualidade.

Entre os intelectuais e boémia soviéticos, a garrafa de vinho do Porto também passou a ser conhecida por "kunhalovka" (cunhalzinha), em honra de Álvaro Cunhal, que nessa altura dirigia o PCP.

9 comentários:

PauerBoy disse...

Carissimo Jose, e leitores, acho este artigo fabuloso.
Como pertenco ao mercado de vinhos, quero apenas acrescentar um cheirinho de Vinho da Madeira, actualmente este vinho, é o mais conceituado a nivel internacional, ( e sim, não me esqueci do vinho do Porto), Portugal é também o unico país produtor de vinho, que não produz suficiente quantidade, para consumo interno.
"Da Russia", o nosso vinho é pouco conhecido, algumas "replicas" são até de alguma qualidade, Ex : Sovietska Champanska ( este é liver de mercado, um bom companheiro, o famoso "ARARAT" Cognaq da Armenia, e o Porto da Georgia, completam o ramalhete.
Em vespera de Viagem, levo comigo, um Porto Vintage, um Whisky Velho, e uma Aguardente Velha de Vinho Verde, assim pretendo, a familiares e amigos dar a conhecer um pouco do que por cá se faz.
Umas Excelentes entradas em 2008 para todos.
Se o 56k modem em Minsk me permitir, e a Censura da Belnet ( Belarus ) o deixar, aqui voltarei brevemente.
Forte Abraço.

Gil Batista

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Gil, boa estadia em terras de Lucky. Vá dando notícias. Um abraço

Pedro Gil disse...

É um prazer ler textos tão bem escritos. Perdoe-me a ignorância, mas eu não conheço o "resto da história". Pode dizer-me onde a ver?
Bom ano novo
Pedro Gil

Capitão-Mor disse...

Desejo-te um óptimo ANO NOVO!!! E que continuemos com toda a força aqui nos teclados...
Abraço ultramarino!

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Gil, pode procurar na internet com o nome de Rasputin ou Rasputine em português, francês ou inglês ou espanhol, onde encontrará a biogreafia e história de Grigori Rasputin. Bom Ano. José Milhazes

i.cristiano disse...

Caro Zé Milhazes, acabo de lêr no PUBLICO de hoje (08.01.03)a mesma noticia, com a menção de origem na Agência Lusa.
Como já tinha lido no seu blog o mesmo assunto (Rasputin/Madera etc.)achei alguma graça, mas provavelmente está tudo correto, não?
melhores cumprimentos
I.Cristiano

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Inácio, isso acontece porque eu sou correspondente da Lusa em Moscovo. Por isso, está tudo bem. UUm abraço.

PL disse...

Caro José Milhazes,

Gostaria de lhe dar os meus parabéns pelo blog, especialmente pelas notícias que nos vai dando sobre a situação política na Rússia. Sinceramente, não tinha muito bem noção do estado de degradação a que a democracia desse país chegou nesta última década. Para isso, muito contribuiu o seu blog e o livro da jornalista Anna Politkovskaya lançado recentemente no nosso país com bastante sucesso.
Espero que continue o bom trabalho e terá aqui um seguidor atento do seu blog (ainda que não muito comentador). Cumprimentos,

Pedro Lourenço

Miguel disse...

Este artigo vem possivelmente explicar uma dúvida com que fiquei ao ler o "Crime e Castigo" do Dostoievski. A determinada altura, no velório de uma das personagens, alguém comenta a má qualidade do vinho madeira que estava a ser servido. À luz dos novos conhecimentos provavelmente esse vinho também não era Madeira.