domingo, dezembro 11, 2011

Blog do leitor (Análise das eleições na Rússia)

Texto enviado pelo leitor João Gil Freitas:
"As recentes eleições parlamentares russas revelaram-se um verdadeiro e inesperado pesadelo para Putin e Medvedev. O partido-empresa que sustenta a dupla no poder, o Rússia Unida, perde uma percentagem de votos de aproximadamente 20 %, não chega aos 50 % do voto popular, com vários partidos a abarcaram votos de protesto, inclusivamente o Partido Comunista.  
A explicação para estes resultados eleitorais não parece residir, todavia, no Partido Comunista. 
A trajectória ascendente de Putin sobre Medvedev para a próxima eleição presidencial não foi bem aceite pelos russos. A cúpula do Kremlin mostrou-se incapaz de perceber o desafio que tinha à sua frente, ao apostar na rotatividade dos candidatos, em detrimento da auscultação do descontentamento popular, encimada por uma oposição enérgica de jovens estudantes urbanos e profissionais esclarecidos. Protestos significativos não tiveram lugar só na grande capital, mas em importantes centros urbanos do centro do país e do extremo-oriente. 
O consenso em volta de Putin e do seu séquito parece ter terminado abruptamente, faltando agora apurar com exactidão que feridas ficaram abertas. O acto eleitoral russo fecha, note-se, um ano de dissabores para muitos regimes dirigistas e ditatoriais do norte de África e do Médio Oriente. É por isso difícil não relacionar as revoluções árabes, também elas tão inesperadas quanto violentas, com o resultado destas eleições.  
Em que medida terá a oposição russa ganho novo alento para enfrentar, num estado teoricamente democrático, o partido do poder, no rescaldo da onda revolucionária que perpassou o mundo árabe? E quais as consequências destes protestos contra o dirigismo de Putin para o regime bielorrusso, ou para a incompleta democracia ucraniana ou moldava? Estará no limiar uma nova onda de protestos em larga escala na Europa oriental?  
O que parece certo, desde já, é o fim do “consenso Putin” na sociedade russa, um claríssimo abalo às pretensões da classe política dominante em perpetuar no poder uma personalidade que tem funcionado como elo de ligação entre os principais agentes políticos e económicos russos, e consolidando um poder assente numa difusa rede clientelar de amizades e pactos políticos mutuamente benéficos. O crescimento económico da era Putin ajudou a incrementar o poder do Kremlin, mas é notório a partir deste momento a incerteza e a desconfiança de largas camadas da sociedade russa com a cedência de uma parte grande do seu espaço de liberdade e participação cívica em prol da capacidade mobilizadora do Estado. As perspectivas económicas futuras e o incipiente estádio de modernização da indústria russa acrescem a estes (justificados) receios populares. 
São várias as questões suscitadas pelo resultado eleitoral russo do passado dia 4 de Dezembro. O Kremlin já reagiu, no tom típico destes momentos, ressuscitando o medo e a desconfiança ancestrais pelo seu inimigo natural, os EUA. Uma táctica sobejamente familiar, tão do agrado da antiga nomenklatura. 
A heterogeneidade da oposição a Putin, que não só caracteriza a cena partidária russa mas também os massivos protestos de rua destes dias, evidencia um descontentamento profundo e generalizado com a actual governação, e põe em cheque uma liderança que dominou por inteiro o rumo do país na última década. Trata-se, no entanto, de uma oposição em que a corrente liberal é apenas parte integrante, o que por si só também levanta interrogações sobre o seu futuro como movimento e sobre as reais repercussões que poderá ter sobre a liderança de Putin". 

9 comentários:

Cristina disse...

Boa análise! Não podia estar mais de acordo.

Cristina disse...

Alguém quer participar na discussão?http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=2175994

Wandard disse...

"As principais demandas ouvidas nos comícios incluía cancelamento das eleições 04 de organização de uma nova eleição, uma recontagem de votos em todos os lugares onde houveram queixas de fraude, e a demissão de Vladimir Churov, chefe comissão da central de eleições."

Sr. Milhazes,


O senhor poderia aonde podemos encontrar os vídeos com as gravações dos manifestantes soicitando a demissão de Putin?


Abraço,

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Wandard, procure na Internet. Viu uma fotografia feita por mim onde se lê no cartaz Putin,kaput?

HAVOC disse...

Essas eleições parlamentares russas foram um exemplo de transparencia e democracia para todo o mundo!

Wandard disse...

"Wandard, procure na Internet. Viu uma fotografia feita por mim onde se lê no cartaz Putin,kaput?"


Não, não vi nenhuma fotografia feita pelo senhor, mas o único local aonde encontrei tal menção foi no seu blog, as fotos em que pude ler os cartazes e faixas não continham a informação que o senhor colocou no título da postagem sobre as manifestações.

Fiz uma pergunta com educação, pois não havia encontrado nenhuma imagem e estava curioso, mas se esta foi a reposta que podia me fornecer, agradecido pela gentileza.

Europeísta disse...

Derrota? Que derrota o partido do Putin teve? A eleição dele foi espetacular! Há provícias onde o seu partido recebeu mais de 150% dos votos dos eleitores. Não é fantástico?!

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Wandard, é pena que não tenha visto a minha fotografia, pois ela encontra-se no meu blog publicada. O que querem dizer os manifestantes quando gritam "Rússia sem Putin"? Disse-lhe para procurar na Internet não para o ofender, mas simplesmente porque tenho pouco tempo.

Anónimo disse...

"Há provícias onde o seu partido recebeu mais de 150% dos votos dos eleitores."

Em quais províncias? Onde é que esses resultados podem ser consultados?