A peça de teatro "A Bela de Moscovo", levada atualmente ao
palco pelo Centro Teatral Gogol, de Moscovo, inclui temas como a
“Paixão” de Rui Veloso e Carlos Tê, traduzidos para russo, num trabalho
feito por Rinat Valiulin, a pedido da realizadora da peça, Jenia
Berkovitch.
O tradutor frisou que tinha trabalhado ‘às cegas’,
sem saber a intenção da realizadora: "Não sei porque é que ela escolheu a
língua portuguesa para as canções".
Mas a realizadora tem uma explicação.
"As
canções têm letra portuguesa, porque se trata de uma língua
desconhecida, de um país longínquo e inacessível, como qualquer outro e
como era tudo para quem morava, então, neste país dos sovietes, por trás
da cortina de ferro", explicou Jenia Berkovitch.
A peça baseia-se
na obra homónima do conhecido escritor soviético e russo Victor
Ierofeev, escrita no início dos anos 80 do século XX, mas só publicada
10 anos depois, devido à resistência da censura comunista.
O romance foi depois traduzido para várias línguas, tendo sido publicado em Portugal pela editora Gradiva.
A
personagem principal, Irina Tarakanova, é uma jovem provinciana que vai
para Moscovo para conquistar um lugar, mas vê-se mergulhada no mundo
cruel e implacável da prostituição.
Durante o decorrer da
história, a personagem lança sobre os espetadores uma enxurrada de
revelações, numa linguagem dura e inaceitável num país onde se dizia que
"o sexo não existe".
Irina, papel interpretado pela jovem atriz
russa Ekaterina Steblina, divide-se entre o sonho de uma vida de luxo, o
desejo de amar e a vontade de salvar a Rússia.
O clássico
escritor russo Fiodor Dostoevski defendia que "a beleza salvará o
mundo", mas a heroína de Ierofeev mostra que não é assim, mesmo
considerando-se uma nova Joana d'Arc.
Desesperada, Irina
refugia-se num mundo irreal, onde interpreta conhecidas canções
soviéticas, mas com letra em português: "Três dias felizes", "Lavanda",
"Corre o Rio Volga".
A única forma de superar o desespero e a
loucura é a morte: "Eu, Irina Vladimirovna Tarakanova, também Joana
d'Arc, Virgem de Orleães, em parte Maria do Egito, russa, grávida, sem
partido... aceito casar-me com o meu noivo querido, Leonardo da Vinci,
antigo pintor italiano, atualmente um corpo anónimo e inquieto. O
casamento realiza-se no meu apartamento".
O espetáculo termina com
Irina Tarakanova a interpretar o hino nacional soviético, no qual o
texto é substituído pela letra da conhecida canção do músico português
Rui Veloso "Paixão (segundo Nicolau Viola)".
Por estranho que
pareça, a letra transmite, na cena final, todo o horror da protagonista,
forçada pelo regime e pelas circunstâncias a perder o seu bebé (uma
filha?) e a sua própria vida, incapaz de mudar nada nela: "Tu eras
aquela que eu mais queria (…), mas esse teu mundo era mais forte do que
eu...".
2 comentários:
Já há algum vídeo desta cena?
Qundo houver (no youtube ou noutro sítio) agradeço informe.
ABR,
Adelo
Bom dia,
algum link com imagens e som? Obrigado
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