Os
historiadores russos, que por incumbência do Kremlin, escrevem a
história oficial do país, decidiram juntar as revoluções de
Fevereiro e de Outubro na “Grande Revolução Russa”, mas
considero que a Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917
merece continuar a ser escrita com letras maiúsculas porque se
trata, sem dúvida, de um dos maiores acontecimentos não só da
História do séc. XX, mas de toda a Humanidade.
O
dirigente chinês Den Ziao Ping considerava que ainda é cedo para
analisar as consequências da Revolução Francesa de 1789, pois elas
continuam a manifestar-se actualmente. O mesmo se pode dizer em
relação à Revolução Russa.
No
entanto, isso não nos impede de abordar o tema, tanto mais na altura
em que se celebra o seu 96º aniversário.
Não
se pode concordar com aqueles que afirmam que a revolução realizada
pelos bolcheviques a 25 de Outubro (7 de Novembro) de 1917 se tratou
de um “fenómeno estranho” à Rússia, uma conspiração da
“maçonaria e do judaísmo internacional” para enfraquecer o
país, etc.
Os
acontecimentos em Petrogrado foram provocados pela grave situação
em que se encontrava a Rússia. As graves chagas sociais:
desigualdade extrema, miséria em que viviam milhões de operários e
camponeses, tinham sido profundamente agravadas pela entrada do país
na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Pode-se
não se simpatizar com Gregori Rasputin, mas é impossível ignorar
algumas das suas opiniões sábias. Segundo ele, a entrada da Rússia
conduziria a grandes desgraças, o que veio a acontecer. Verdade seja
dito, ele não era o único que tinha essa opinião, mas o certo é
que a Corte de São Petersburgo não lhes deu ouvidos.
A
grave crise económica, social e política, agravada pela
participação da Rússia na grande guerra e pela incompetência das
autoridades russas, levou o czar Nicolau II a renunciar ao trono em
Março de 1917.
O
Governo Provisório que o sucedeu não
teve tempo para tomar medidas que pudessem pelo menos travar o avanço
da crise, nem para reorganizar o poder no país. As forças armadas
estavam desmoralizadas e desintegradas, o que levou ao fracasso a
tentativa do general Koltchak impor uma ditadura no país.
Além
disso, os novos dirigentes da Rússia não souberam avaliar o perigo
real da força política e mobilizadora dos bolcheviques, vendo em
Vladimir Lénine e Leão Trotski políticos marginais, incapazes de
tomar o poder no país e mantê-lo.
Enganaram-se.
Em Outubro (Novembro) de 1917, o poder estava caído nas ruas de
Petrogrado e Lénine compreendeu bem a situação: “ontem era cedo,
amanhã é tarde, tem de ser hoje!”.
Para
os bolcheviques, foi muito
mais fácil tomar o poder que conservá-lo depois. Foi muito mais
fácil tomar o poder porque, além da anarquia reinante no país, os
bolcheviques avançaram palavras de ordem que gozavam do apoio da
esmagadora maioria da população: fábricas aos operários, terra
aos camponeses, paz aos povos.
Porém,
nenhuma destas promessas foi cumpridas. As fábricas passaram das
mãos dos capitalistas para as mãos do
Estado (burocracia soviética), a terra passou dos latifundiários
também para as mãos do Estado (kolkhozes e sovkhozes) e paz foi
afogada na guerra civil que se seguiu à revolução e que provocou
milhões de mortos. Mas isso veio depois.
Ao
tomar o poder na Rússia, Vladimir Lénine estava convencido de que a
“revolução socialista” se iria alastrar a outros países,
principalmente aos
países desenvolvidos da Europa (era isso que estava escritos também
nas obras de Marx e Engels). As revoltas na Alemanha, Hungria
pareciam dar razão ao dirigente bolchevique.
Porém,
tal não aconteceu e Lénine viu-se obrigado a criar a teoria da
“construção
do socialismo num país”.
A
propósito, deve-se reconhecer que o primeiro dirigente soviético
era um génio no campo da táctica. Quando, durante a guerra civil de
1917-1922, Lénine viu o seu poder ameaçado pela política
desastrosa do “comunismo de guerra”, que pôs o novo regime à
porta da falência e da ruína económica, ele conseguiu encontrar a
saída genial da “nova política económica”, mesmo que para isso
tenha sido necessário ceder aos capitalistas. “Enriquecei-vos!”
– proclamava o bolchevique Nikolai Bukharine.
Esta
nova formúla no campo da economia não foi acompanhada de fórmula
semelhante no campo político. Pelo contrário, os bolcheviques, ao
falsificarem os resultados das eleições para a Assembleia
Constituinte em 1918, puseram fim a qualquer possibilidade de
desenvolvimento democrático no país. Mais, à medida que iam
reforçando o seu poder, iam liquidando os seus “companheiros de
caminhada”. O esmagamento da revolta de Kronstadt é um dos
exemplos mais evidentes.
A
recém-criada TCHEKA (Comissão Extraordinária de Combate ao
Banditismo) já não prendia só monárquicos ou burgueses, mas
também anarquistas, socialistas de direita, socialistas de esquerda,
etc.
A
“ditadura do proletariado”, que Lénine prometera,
transformava-se cada vez mais no poder da burocracia dos comissários.
Às
portas da morte, o primeiro dirigente comunista dá conta desse e de
outros males do poder soviético, mas a burocracia comunista
reservou-lhe o destino que mais tarde em Portugal iria ser reservado
a Salazar. Foi isolado numa antiga casa senhorial dos arredores de
Moscovo e lia jornais especialmente impressos para ele ler. Tudo isto
a pretexto de “cuidar da saúde do camarada Vladimir Ilitch”.
Não
vale a pena discutir o que teria acontecido se Lénine não tivesse
falecido em Janeiro de 1924, se lhe tivesse sucedido no Kremlin não
Estaline, mas Trotski, etc. Trata-se claramente de uma tarefa
estéril.
Venceu
Estaline, mas, a julgar pela
herança teórica deixada por Leão Trotski, as coisas não teriam
decorrido de maneira muito diferente se ele passasse a dirigir os
destinos da União Soviética. Trotski já tinha dado provas, durante
a guerra civil, que não era menos cruel do que Estaline ou outros
dirigentes comunistas.
Mas
a verdade é que José Estaline vence a luta pelo poder, dando origem
a uma nova dança macabra. Não me recordo quem disse que “as
revoluções devoram os seus próprios filhos”, mas esta frase
define bem a luta política no Partido Comunista depois da morte de
Lénine.
Estaline
alia-se a Kamniev e Zinoviev para isolar e neutralizar o seu camarada
Trotski. Depois, alia-se a Bukharine para fazer o mesmo com Kamniev e
Zinoviev e, por fim, liquida Bukharine para impor o seu poder
absoluto no partido. Claro que tudo isto é acompanhado de
“julgamentos abertos” e fuzilamentos em massa.
Como
é sabido, as purgas não ficaram por aí e o ano de 1937, auge das
repressões estalinistas, ainda estava para vir.
Entretanto,
José Estaline, que se considerava um grande teórico, não só no
campo da política, mas também da filosofia, biologia, agricultura,
culinária, etc., constata que “a luta de classes se intensifica à
medida que se constrói o socialismo”.
Como
a nobreza e a burguesia já tinham sido exterminadas, chegou a vez do
campesinato, que queria trabalhar as suas terras e não ingressar
voluntariamente nas unidades colectivas agrícolas (sovkhozes e
kolkhozes). O resultado são milhões de pessoas que morreram de fome
nas regiões agrícolas.
Por
exemplo, as actuais autoridades ucranianas pedem à comunidade
mundial que reconheça o Holodomor (fome conscientemente provocada
pelas autoridades comunistas para obrigar os camponeses a aderir à
colectivização, que provocou milhões de mortos) como um
“genocídio”.
Como
historiador, é difícil aceitar como exacto o termo “genocídio”,
pois ele significa que se trata do extermínio consciente de um povo,
e o objectivo não era acabar com o povo ucraniano, mas enquadra-se
perfeitamente na definição de “crime contra a Humanidade”.
As
repressões alargaram-se a outras
camadas sociais e profissionais, tendo sido pesadas, nomeadamente,
entre os altos comandos do Exército Vermelho.
Esta
é uma das razões que explicam a chegada das tropas nazis aos
arredores de Moscovo.
Outra é o facto de Estaline não ter dado ouvidos aos seus agentes
secretos, que o preveniram na preparação da invasão nazi.
Aqui,
não se pode passar ao lado do Pacto Molotov-Ribbentrop, assinado
secretamente entre a União Soviética e a Alemanha nazi em Agosto de
1939. Os historiados soviéticos e alguns historiadores russos
actuais explicaram a sua assinatura por Estaline para ganhar tempo a
fim de se preparar para o confronto com Hitler.
Mas
coloca-se a questão: e Hitler não ganhou esse mesmo tempo para
preparar a operação contra Estaline?
Por
isso, o Pacto Molotov-Ribbentrop é uma das provas da natureza
expansionista do regime comunista na Europa e no mundo, que se veio a
revelar várias vezes depois da Segunda Guerra Mundial.
Como
é sabido, os ideólogos soviéticos afirmavam que a
vitória na Grande Guerra Pátria, como é conhecida a Segunda Guerra
Mundial na Rússia, foi possível graças ao “génio militar de
Estaline”, “à direcção sábia do Partido Comunista” e, por
fim “aos esforços jamais vistos dos povos da União Soviética”.
É
de assinalar que, durante a Primeira Guerra Pátria (1812-1815), o
povo russo venceu as tropas napoleónicas sem Estaline e sem o
Partido Comunista. Quanto à Segunda Guerra Patriótica, pode-se
afirmar que a política de Estaline e do Partido Comunista fizeram
com que tenha sido sacrificado o número muito maior de vítimas no
altar da vitória sobre o nazismo alemão. Os soldados e oficiais, os
povos soviéticos foram os verdadeiros vencedores.
Seria
falsificar a História se não se reconhecesse os grandes êxitos da
ciência e da tecnologia soviéticas,
principalmente no período do pós-guerra. O fabrico das bombas
atómica e de hidrogéneo, a construção do primeiro satélite
artificial da Terra, a primeira viagem do homem ao Espaço, etc.,
etc.
Tudo
isso é verdade, mas convém analisar os custos económicos e humanos
dessas inovações.
Muitos
cientistas soviéticos faziam as suas investigações encerrados em
campos de concentração estalinistas, bem como milhões de escravos
que constituíam mão de obra quase gratuíta. Por eles passaram
Andrei Tupolev, o engenheiro criador dos aviões militares e civis
TU, Serguei Koroliov, criador dos foguetões e satelites espaciais,
etc.
Além
disso, essas descobertas científicas, bem como o fabrico de armas
sofisticadas, não contribuíam para melhorar a qualidade de vida dos
comuns cidadãos soviéticos, mas para manter uma competição com
Estados Unidos. E, neste campo, o comunismo não aguentou a
corrida.
De
que vale um país ter foguetões, mísseis nucleares, centrais
atómicas, se os cidadãos comuns estão privados dos produtos mais
elementares? Quem viveu na União Soviética sabe que, em numerosas
regiões do país, as senhas de racionamento existiram desde 1917 até
1991, ou seja, do início ao fim do regime comunista.
Para
manter concorrentes indústrias como a militar, espacial e outras, o
regime soviético tinha de preparar quadros competentes, o que
conseguiu com grande êxito.
Mas
foi desta forma também que o regime comunista preparou os seus
“coveiros”. Quando, depois da morte de Estaline, em 1953, a
“cortina de ferro” se abriu um pouco, os soviéticos começaram a
compreender que, afinal, o capitalismo ocidental não era tão mau
como pintava a propaganda soviética e a população da Europa, dos
Estados Unidos e de outros países desenvolvidos vivia bem melhor do
que eles. É muito mais difícil enganar pessoas cultas do que
analfabetos e ignorantes.
A
União Soviética não aguentou a competição económica e social
com o Ocidente também porque não conseguiu dar o salto qualitativo
para a sociedade da informação, perdeu aquilo a que a ideologia
comunista chamava a “revolução técnico-científica”.
Por
isso, é ridículo explicar o fim da União Soviética com
conspirações do imperialismo e dos seus “agentes” no país. É
difícil acreditar que Mikhail Gorbatchov fosse capaz de destruir uma
super-potência se ela estivesse baseada em sólidos fundamentos. A
URSS ruiu devido às contradições que se foram criando no seu
interior e que os dirigentes do país não souberam resolver.
Mas
será que alguém ganhou com a Grande Revolução Socialista de
Outubro, além, claro está, da nomenclatura soviética?
Ganhou,
mas não foram os povos soviéticos, nem os países da chamada
“comunidade socialista”. Ganharam as classes menos desfavorecidas
dos países mais desenvolvidos. Receosos de perder tudo, os
capitalistas foram obrigados a ceder parte dos lucros para a esfera
social. Os melhores exemplos desta política são os países que
realizaram na prática políticas sociais-democráticas: Suécia,
Dinamarca, Noruega, Finlândia, etc.
Desaparecida
a União Soviética, começaram a ser postas em causa muitas das
conquistas sociais nos países ocidentais. O outro grande “país
socialista”: a República Popular da China, nunca desempenhou, nem
desempenhará o papel desempenhado pela URSS no plano social. Pelo
contrário, é o exemplo mais gritante do capitalismo selvagem.
Alguns
pensadores e forças políticas comunistas não desistem de querer
convencer-nos a aceitar uma “segunda tentativa”. Respondo
com palavras da “sabedoria popular soviética”: “Só quem
odeia o seu país é que tem coragem para realizar uma experiência
como a comunista”.
Por
isso deixo aqui um conselho: encontrem um país de que não tenham
pena para repetir a experiência, mas como não deverão encontrar
nenhum, recomendo que se limitem aos vossos próprios lares, se não
tiverem dó das esposas e filhos.
Muito bom. Excelente análie. De algumas pessoas com quem tenho falado (russos e ucranianos) é opinião unânime que foi Gorbachev quem destruiu a URSS. Quanto a mim abriu um pouco a porta e não contolou a avalanche.
ResponderEliminarO caro Milhazes publica coisas que complicam a vida à esquerda lusa e depois surpreende-se que a Lusa resolva dedicar-se mais a notícias de Urano.
ResponderEliminarNem na URSS se brincava a feijões nem em Portugal se brinca embora, por enquanto, na medida do possível.
Excelente!
ResponderEliminarPubliquei:
http://historiamaximus.blogspot.pt/2013/11/quais-os-resultados-da-revolucao.html
Mas não esquecer o apoio ofereceido aos bolcheviques pela alta finança de Wall Street, como muito bem demonstrou o historiador Antony C. Sutton:
http://historiamaximus.blogspot.pt/2013/08/wall-street-revolucao-bolchevique-e.html
Contacto: historiamaximus@hotmail.com
Cumpts,
João Nobre
Belo!
ResponderEliminarMuito boa essa narrativa histórica, caro Milhazes. E melhor ainda é sua análise dos fatos passados e atuais. Há deslumbrados contemporâneos que vivem na Rússia atual e têm nostalgia de um passado que não conheceram. Dizem idiotices com a pretensão de quem conhecessem os desejos da população soviética humilhada pela desorganização da economia da URSS. Tenho repulsa de ler ou ouvir as idiotices nostálgicas que se publicam por aí.
ResponderEliminarBenedito Venturoso,
ResponderEliminara situação atual é melhor? A Rússia continua tão ruim quanto. Nunca melhorou, continua na mesma precariedade.
Quais os resultados da Revolução Comunista de 1917? - a sua bolas de estudos !
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