O Presidente Vladimir Putin ordenou, na semana passada, a
realização de uma sondagem na Crimeia, território ucraniano ocupado pelas
tropas russas em 2014, para saber se a população pretende receber energia
eléctrica ucraniana nas suas casas, se no acordo de fornecimento estiver
escrito que a Crimeia é parte da Ucrânia, ou se está disposta a aguentar
“dificuldades temporárias ligadas a falhas pouco significativas de energia nos
próximos 3-4 meses” e essa península continue a ser “território da Federação da
Rússia”.
A península da Crimeia recebia grande parte da energia
eléctrica que consumia através de linhas de alta tensão da Ucrânia. Nos últimos
tempos, os fornecimentos foram várias vezes interrompidos devido ao derrube à
bomba de vários postes por grupos ucranianos que protestam contra a ocupação
desse território.
Além disso, e este é o cerne da questão, o contrato de
fornecimento terminou a 31 de Dezembro e não foi prolongado porque o governo de
Kiev exige que no documento a Crimeia continue a figurar como território
ucraniano, enquanto que Moscovo quer vê-la como parte da Federação da Rússia.
A resposta dos habitantes do território ocupado não deixa
qualquer dúvida: 91,3% dos inquiridos estão dispostos a sofrer com as “falhas
não significativas”.
Porém, chamo a atenção para o facto de esta sondagem ter
sido feita por telefone, o que levanta várias questões sobre a sua precisão e objectividade.
Primeiro, os habitantes da Crimeia sabem que, ao
responderem sim na sondagem telefónica, estão a violar as leis russas que
proíbem qualquer apoio ao separatismo e que se arriscam a uma pena de cinco
anos de prisão.
Segundo, como se tratou de uma sondagem telefónica num
regime autoritário, as pessoas contactadas sabiam que os seus números e respectivas
respostas podiam ficar fixados e da sua posição podia depender a paz e o
bem-estar da sua família.
Admito que a maioria dos habitantes da Crimeia estão
dispostos a viver temporariamente sem electricidade em nome da pertença dessa
república à Rússia, mas as formas que são utilizadas para se apurar isso é que
são bastante estranhas. Depois do famoso referendo realizado após a invasão
militar russa, o Kremlin recorre a um método mais barato de “democracia” e que
pode ser utilizado para resolver outras questões. Afinal, para quê gastar
dinheiro em eleições e referendos se as sondagens por telefone podem resolver
os problemas?
Também desse modo, Putin atira todas as responsabilidades
para cima dos habitantes da Crimeia. Os apagões irão ser significativos, mas
eles nada mais terão de fazer do que resignar-se porque foi essa a sua vontade.
Foi-lhes oferecida mais uma forma de demonstrarem “heroísmo” e “amor pela
Rússia”.
Depois desta experiência bem-sucedida com as sondagens
telefónicas, não surpreenderá ninguém se o mesmo método for empregue pelo
Kremlin para responderem sim ou não à pergunta: “Está contra a proclamação de
Vladimir Putin czar da Rússia com direito a entregar o trono à sua filha mais
velha?” ou “Está disposto a ver o seu salário descer para que as nossas forças
armadas defendam os interesses da paz em qualquer canto do mundo?”.
Uma boa ideia e excelente negócio para empresas de
sondagens.
P.S. A propósito da
Crimeia, gostaria de chamar a atenção para uma nova aliança que se está a formar
entre Kiev e Ancara, aliança com carácter claramente anti-Putin. A Ucrânia e a
Turquia tentam encontram formas de colmatar, pelo menos parcialmente, os
prejuízos económicos provocados pelas sanções russas contra esses dois países.
Além disso, Kiev passou a exigir que Moscovo pague um preço mais elevado pela
passagem do gás russo para a Europa. A falta de alternativas aos gasodutos
ucranianos é o mais forte trunfo nesta disputa.
2 comentários:
Anda tudo doido!
Nem russos, nem ucranianos parece que andam a bater bem da cabeça...
Desde que vi uma notícia que dizia que havia "nacionalistas" ucranianos dispostos a ir combater ao lado do Estado Islâmico, apenas porque a Rússia está em guerra contra o Estado Islâmico, desde que vi isso, quase que perdi e esperança na humanidade...
Agora Kiev quer fazer uma aliança com o tradicional inimigo dos eslavos, ou seja, o Império Otomano, que hoje dá pelo nome moderno de Turquia. Está tudo definitivamente louco e isto não augura nada de bom. Nada mesmo.
desde 1991 que todos os referendos na Crimeia têm a mesma resposta ... bobo.
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