sábado, janeiro 23, 2016

Crise económica obriga Rússia a mudar estratégia de segurança



Afinal as principais ameaças à segurança nacional da Rússia não são nem a NATO, nem os Estados Unidos, nem a União Europeia, mas a falta de poder de concorrência dos produtos russos e a dependência das exportações de combustíveis.
Este segredo de polichinelo foi reconhecido numa recente reunião do Conselho de Segurança da Rússia, dirigida pelo Presidente Vladimir Putin.
Segundo Serguei Vakhukov, assessor do secretário desse Conselho, além das já citadas ameaças à segurança nacional russa, é preciso acrescentar outras: “a falta de fabrico e emprego de tecnologias com perspectivas, o desequilíbrio do orçamento nacional, a falta de recursos para créditos, a falta de defesa do sistema financeiro russo”.
No tempo das “vacas gordas”, quando o barril do petróleo estava acima dos 100 dólares por barril, alguns economistas russos aconselhavam o governo russo a empregar parte da “chuva de dólares” para realizar as reformas estruturais necessárias no país. Nas palavras, tanto Vladimir Putin como Dmitri Medvedev defendiam essa necessidade, mas a realidade era bem diferente.
No lugar da modernização das obsoletas infraestruturas soviéticas, da aposta na inovação tecnológica, o Kremlin preferiu gastar dinheiro em obras faraónicas para “inglês ver” como são os casos da realização dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi e a organização do Campeonato do Mundo de Futebol de 2018. Milhares de milhões de dólares saíram do país através de esquemas corruptos, muitos deles organizados por altos funcionários do Estado.
Verdade seja dita, Putin realizou uma reforma e modernização profundas das Forças Armadas da Rússia, mas o complexo militar-industrial, tal como acontecia na era soviética, é um devorador insaciável de meios económicos e financeiros. Este sector poderia ser um dos motores do avanço científico e tecnológico do país, mas não o é devido ao elevado grau de secretismo que impede que as descobertas feitas não sejam aplicadas no campo civil.
Pode-se fazer mísseis de alta precisão, aviões militares de última geração, submarinos silenciosos, etc., mas é fundamental que a Rússia não concorra no campo internacional apenas com armas, mas com tecnologias de ponta.
Além disso, Moscovo envolveu-se em conflitos armados fora das suas fronteiras que têm custos económicos enormes para o orçamento do país. A invasão da Crimeia e do Leste da Ucrânia pelas tropas russas, a intervenção militar na Síria desviam meios indispensáveis à modernização.
A propaganda russa apresenta esta política externa como uma forma de o país defender os seus interesses internacionais, se proteger de ameaças imaginárias da parte da NATO, mas os factos mostram que os principais perigos à segurança nacional estão no interior do país. Não me refiro à oposição política, ou como a propaganda gosta de apresentar: a “quinta coluna do imperialismo norte-americano”, mas há incompetência que os dirigentes russos têm revelado em modernizar a Rússia.
O citado Conselho de Segurança da Rússia apresenta proposta para solucionar o problema, mas a questão é que todas elas não passam de uma repetição de promessas feitas por Putin há 16 anos atrás: o desenvolvimento da base tecnológico-industrial e do sistema nacional de inovação, a modernização e desenvolvimento dos sectores prioritários da economia nacional, o aumento do poder de atracção do investimento, o aperfeiçoamento dos sistemas financeiro e bancário, o melhoramento do clima para negócios no país. 
A queda brusca do preço do petróleo veio apenas evidenciar dolorosamente as chagas da economia e da sociedade russa,s o que leva os próprios dirigentes russos a mudarem de retórica. O primeiro-ministro Dmitri Medvedev apela aos russos para “se prepararem para o pior”. Além disso, o Kremlin está a envidar esforços para que o Ocidente reduza ou ponha fim às sanções contra a Rússia, pois sem isso será muito mais difícil realizar os objectivos acima apresentados. Não é por acaso que Moscovo se sentou à mesa das conversações com Washington para resolverem o problema da Ucrânia. Até agora, os norte-americanos encontravam-se de fora desse processo, que estava a ser realizado no quadro do Processo de Minsk, onde participam Rússia, UE e Ucrânia.
Porém alguns economistas russos afirmam que a Rússia perdeu irremediavelmente o “comboio da modernização”. A discursar na conferência “O futuro do impossível”, German Gref, director do Sverbank (o banco equivalente à Caixa Geral de Depósitos), depois de chamar a atenção para a séria “fuga de cérebros” do país, afirmou: “Nós perdemos a concorrência, é preciso reconhecer com sinceridade. E isto significa a escravidão tecnológica, eu diria que simplesmente nos vimos entre os países que perdem e os países de downshifters".
A reacção dos mais “fiéis súbditos” de Putin não se fez esperar. Nikolai Levitchev, vice-presidente da Duma Estatal (câmara baixa) do Parlamento Russo, já veio exigir a demissão de Gref do cargo que ocupa, justificando a sua posição do banqueiro ter humilhado a Rússia ao colocá-la entre países de downshifters.

Depois da Guerra da Crimeia de 1854-1856, onde a Rússia sofreu uma pesada derrota, o imperador Alexandre I decidiu concentrar-se nas reformas internas, nomeadamente pondo fim à servidão dos camponeses. A sua política abriu caminho a um forte desenvolvimento industrial e agrícola no país, mas Putin parece querer imitar Nicolau I, que é mais conhecido pela perseguição dos liberais, pelo esmagamento da revolta na Polónia de 1830-1831, da revolta da Hungria em 1849 e pelo início da citada Guerra da Crimeia.

3 comentários:

Pedro Ribeiro disse...

E o bem que faria ao Mundo, uma Rússia moderna, livre e democrática!

Anónimo disse...

É verdade Pedro Ribeiro.Não há partidos políticos na Rússia de hoje e portanto não há liberdade.Em relação à modernidade também não existe,vive-se em tempos de czarismo com forças armadas obsoletas e com automóveis do tempo da ditadura comunista.

Unknown disse...

Senhor Milhazes,
acreditava eu que a expressão "para inglês ver" fosse usada apenas no Brasil.

Sincera e infelizmente, boa parte da análise (retirando a parte de grandes investimentos no setor de Defesa) pode ser mantida se trocar o país em análise pelo Brasil.