Afinal as principais ameaças à segurança nacional da Rússia
não são nem a NATO, nem os Estados Unidos, nem a União Europeia, mas a falta de
poder de concorrência dos produtos russos e a dependência das exportações de
combustíveis.
Este segredo de polichinelo foi reconhecido numa recente reunião do
Conselho de Segurança da Rússia, dirigida pelo Presidente Vladimir Putin.
Segundo Serguei Vakhukov, assessor do secretário desse
Conselho, além das já citadas ameaças à segurança nacional russa, é preciso
acrescentar outras: “a falta de fabrico e emprego de tecnologias com
perspectivas, o desequilíbrio do orçamento nacional, a falta de recursos para
créditos, a falta de defesa do sistema financeiro russo”.
No tempo das “vacas gordas”, quando o barril do petróleo
estava acima dos 100 dólares por barril, alguns economistas russos aconselhavam
o governo russo a empregar parte da “chuva de dólares” para realizar as
reformas estruturais necessárias no país. Nas palavras, tanto Vladimir Putin
como Dmitri Medvedev defendiam essa necessidade, mas a realidade era bem
diferente.
No lugar da modernização das obsoletas infraestruturas
soviéticas, da aposta na inovação tecnológica, o Kremlin preferiu gastar
dinheiro em obras faraónicas para “inglês ver” como são os casos da realização
dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi e a organização do Campeonato do Mundo
de Futebol de 2018. Milhares de milhões de dólares saíram do país através de
esquemas corruptos, muitos deles organizados por altos funcionários do Estado.
Verdade seja dita, Putin realizou uma reforma e modernização
profundas das Forças Armadas da Rússia, mas o complexo militar-industrial, tal
como acontecia na era soviética, é um devorador insaciável de meios económicos
e financeiros. Este sector poderia ser um dos motores do avanço científico e
tecnológico do país, mas não o é devido ao elevado grau de secretismo que
impede que as descobertas feitas não sejam aplicadas no campo civil.
Pode-se fazer mísseis de alta precisão, aviões militares de
última geração, submarinos silenciosos, etc., mas é fundamental que a Rússia
não concorra no campo internacional apenas com armas, mas com tecnologias de
ponta.
Além disso, Moscovo envolveu-se em conflitos armados fora das
suas fronteiras que têm custos económicos enormes para o orçamento do país. A
invasão da Crimeia e do Leste da Ucrânia pelas tropas russas, a intervenção
militar na Síria desviam meios indispensáveis à modernização.
A propaganda russa apresenta esta política externa como uma
forma de o país defender os seus interesses internacionais, se proteger de
ameaças imaginárias da parte da NATO, mas os factos mostram que os principais
perigos à segurança nacional estão no interior do país. Não me refiro à
oposição política, ou como a propaganda gosta de apresentar: a “quinta coluna
do imperialismo norte-americano”, mas há incompetência que os dirigentes russos
têm revelado em modernizar a Rússia.
O citado Conselho de Segurança da Rússia apresenta proposta
para solucionar o problema, mas a questão é que todas elas não passam de uma
repetição de promessas feitas por Putin há 16 anos atrás: o desenvolvimento da
base tecnológico-industrial e do sistema nacional de inovação, a modernização e
desenvolvimento dos sectores prioritários da economia nacional, o aumento do
poder de atracção do investimento, o aperfeiçoamento dos sistemas financeiro e
bancário, o melhoramento do clima para negócios no país.
A queda brusca do preço do petróleo veio apenas evidenciar
dolorosamente as chagas da economia e da sociedade russa,s o que leva os
próprios dirigentes russos a mudarem de retórica. O primeiro-ministro Dmitri
Medvedev apela aos russos para “se prepararem para o pior”. Além disso, o
Kremlin está a envidar esforços para que o Ocidente reduza ou ponha fim às
sanções contra a Rússia, pois sem isso será muito mais difícil realizar os
objectivos acima apresentados. Não é por acaso que Moscovo se sentou à mesa das
conversações com Washington para resolverem o problema da Ucrânia. Até agora,
os norte-americanos encontravam-se de fora desse processo, que estava a ser
realizado no quadro do Processo de Minsk, onde participam Rússia, UE e Ucrânia.
Porém alguns economistas russos afirmam que a Rússia perdeu
irremediavelmente o “comboio da modernização”. A discursar na conferência “O
futuro do impossível”, German Gref, director do Sverbank (o banco equivalente à
Caixa Geral de Depósitos), depois de chamar a atenção para a séria “fuga de
cérebros” do país, afirmou: “Nós perdemos a concorrência, é preciso reconhecer
com sinceridade. E isto significa a escravidão tecnológica, eu diria que
simplesmente nos vimos entre os países que perdem e os países de downshifters".
A reacção dos mais “fiéis súbditos” de Putin não se fez
esperar. Nikolai Levitchev, vice-presidente da Duma Estatal (câmara baixa) do
Parlamento Russo, já veio exigir a demissão de Gref do cargo que ocupa,
justificando a sua posição do banqueiro ter humilhado a Rússia ao colocá-la
entre países de downshifters.
Depois da Guerra da Crimeia de 1854-1856, onde a Rússia
sofreu uma pesada derrota, o imperador Alexandre I decidiu concentrar-se nas
reformas internas, nomeadamente pondo fim à servidão dos camponeses. A sua
política abriu caminho a um forte desenvolvimento industrial e agrícola no
país, mas Putin parece querer imitar Nicolau I, que é mais conhecido pela
perseguição dos liberais, pelo esmagamento da revolta na Polónia de 1830-1831,
da revolta da Hungria em 1849 e pelo início da citada Guerra da Crimeia.
3 comentários:
E o bem que faria ao Mundo, uma Rússia moderna, livre e democrática!
É verdade Pedro Ribeiro.Não há partidos políticos na Rússia de hoje e portanto não há liberdade.Em relação à modernidade também não existe,vive-se em tempos de czarismo com forças armadas obsoletas e com automóveis do tempo da ditadura comunista.
Senhor Milhazes,
acreditava eu que a expressão "para inglês ver" fosse usada apenas no Brasil.
Sincera e infelizmente, boa parte da análise (retirando a parte de grandes investimentos no setor de Defesa) pode ser mantida se trocar o país em análise pelo Brasil.
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