Sentindo falta de ideias para mobilizar a sociedade
soviética, os dirigentes da URSS decidiram, mos anos de 1960, criar um código
moral do comunismo que mais parecia os Dez Mandamentos bíblicos. Fruto de uma
ressaca, esse código falhou redondamente, mas, pelos vistos, deixou sementes
que ainda hoje dão fruto.
Num encontro com apoiantes seus, o Presidente da Rússia,
Vladimir Putin, reconheceu: Se olharmos para o código do construtor do
comunismo que foi amplamente divulgado na União Soviética, ele faz muito
lembrar a Bíblia. Isto não é uma anedota, é um trecho da Bíblia”.
Guennadi Ziuganov, actual dirigente do Partido Comunista da
Federação da Rússia, comparou o código moral do construtor do comunismo ao
“Sermão da Montanha”.
E, salvo o facto de os mandamentos serem dez e os princípios
do construtor do comunismo serem doze e terem sido sujeitos a algumas
manipulações para disfarçar, nota-se semelhanças evidentes.
Por exemplo, se o primeiro mandamento diz: “Adorar a Deus e
amá-lo sobre todas as coisas”, o primeiro princípio do código comunista reza:
“Fidelidade à causa do comunismo, amor à Pátria socialista, aos países socialistas”.
O mandamento “não matar” corresponde ao princípio “Relações humanas e respeito
mútuo entre as pessoas: o homem é amigo, camarada e irmão”. O “não furtar” tem
o equivalente em: “Cada um deve preocupar-se com a conservação e o aumento da
riqueza social”.
Quanto aos mandamentos: “Guardar castidade nas palavras e nas
obras” e “Não desejar a mulher do próximo”, eles estão representados no código
num só princípio: “Honestidade e verdade, pureza moral, simplicidade e
humildade na vida social e privada”.
Claro que, na altura da transmissão da tábua a Moisés, Deus
ainda não podia acrescentar mandamentos semelhantes a alguns princípios do
código comunista: “Amizade e irmandade de todos os povos da URSS, a
intolerância face ao nacionalismo e racismo” ou “Intolerância para com os
inimigos do comunismo da causa da paz e da liberdade dos povos”, ou ainda:
“Solidariedade fraternal com os trabalhadores de todos os países, com todos os
povos”.
Isto poderia levar a acreditar que os dirigentes comunistas
soviéticos lessem frequentemente a Sagrada Escritura ou tivessem concluído que
o Judaísmo e o Cristianismo também faziam parte dos alicerces do
marxismo-leninismo.
Porém, as semelhanças devem-se, no fundamental, a uma
borracheira e consequente ressaca dos autores do código. O conhecido jornalista
soviético Fiodor Burlatsky, um dos seus autores, recorda:
“As coisas aconteceram nos arredores de Moscovo, na antiga
casa de campo de Gorky, no ano de 1961. Eu trabalhava num grupo de consultores
do PCUS que preparavam o programa do partido, desde o início e até ao fim. O
nosso grupo era dirigido por Boris Nikolaevitch Ponomariov, secretário do CC,
mas os trabalhos eram dirigidos pelo seu vice: Elizar Ilitch Kuskov, uma pessoa
com um espírito extraordinário, um jornalista que escrevia de forma aguda e com
um sentido refinado da palavra.
Numa certa manhã, depois de uma forte borracheira na noite
anterior, estávamos sentados num caramanchão e bebíamos chá. Elizar disse-me:
- Sabes, Fiodor, telefonou-me o “nosso” (assim ele tratava
Ponomariov) e disse: “Nikita Sergueevitch Khruschov viu tudo o que vocês
escreveram e aconselhou a que se inventasse rapidamente um código moral dos
comunistas. De preferência, ele deve ser enviado para Moscovo durante três
horas”.
E nós começámos a fantasiar. Um dizia “paz”, outro:
“liberdade”, um terceiro: “solidariedade” … Eu disse que é preciso partir não
só dos postulados comunistas, mas também dos mandamentos de Moisés, Cristo,
então tudo “encaixaria” realmente na consciência social. Tratou-se de um acto
consciente de inclusão de elementos religiosos na ideologia comunista.
Escrevemos em hora e meia o texto que foi unanimemente
aprovado no Presidium do Comité Central”.
Duvido muito que Khruschov e outros dirigentes soviéticos
tenham compreendido essa ligação tão eclética, isto porque, nessa altura,
Khruschov prometeu mostrar “o último padre ortodoxo pela televisão”.
1 comentário:
Vladimir Putin, o grande defensor do cristianismo... e do comunismo!
https://youtu.be/EFNvs0t8yvA
Ou o Czar Putin, como alguns defendem.
https://www.wsj.com/articles/czar-vladimir-putin-acolytes-want-to-bring-back-the-monarchy-11544732680
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