Num momento tão crítico das relações entre a Rússia e a
Turquia, qualquer incidente pode ter consequências muito funestas. O desporto,
e nomeadamente o futebol, deve ter um papel especial no desanuviamento da
situação e não contribuir com “achas para a fogueira”.
Dmitri Tarassov, médio do Lokomotiv de Moscovo, equipa da
primeira liga russa, decidiu, no fim do jogo contra o Fenerbahce de Istambul,
despir a sua camisola e mostrar que por debaixo dela trazia uma t-shirt com a
imagem do Presidente Putin vestindo uma farda de marinheiro militar. Por baixo
estava escrito “O Presidente mais delicado”.
Aqui é preciso recordar que o adjectivo “delicado” foi
utilizado pela propaganda russa para caracterizar os militares de Moscovo que
anexaram a Crimeia, território da Ucrânia onde vive uma grande comunidade de
tártaros, povo próximo dos turcos.
O futebolista não encontrou nada de condenável no seu gesto.
“Ele é o meu Presidente. Eu respeito-o e decidi mostrar que estou sempre com
ele e o apoio. Nesta t-shirt está tudo escrito o que eu quero dizer”, afirmou,
acrescentando que não ofendeu ninguém e que, no próximo jogo, me verão com uma
t-shirt do Presidente e outra inscrição”.
Já não estamos no tempo em que se olhava para os futebolistas
como para pessoas que mal sabiam ler e escrever e apenas sabiam jogar à bola.
Dmitri Tarassov devia ter conhecimento do estado em que se encontram as
relações do seu país com a Turquia e que o seu gesto não passou de uma
provocação baixa. Terá sido inocente a sua decisão de exibir essa t-shirt num
encontro com uma equipa turca? Claro que não.
Mas o mais surpreendente é que o Kremlin se recusou a
comentar ou a condenar o gesto do jogador. “Não comento assuntos de futebol”,
declarou Dmitri Peskov, porta-voz do Presidente Vladimir Putin.
O Lokomotiv decidiu multar o jogador em 300 mil euros e
privá-los de todos os prémios durante o mês de Fevereiro.
Os dirigentes russos parecem estar a esquecer-se que, em
2018, o seu país irá receber o Campeonato do Mundo de Futebol e que são cada
vez mais as vozes que levantam a possibilidade de a FIFA se vir obrigada a
transferir a maior festa de futebol para outro ou outros países. Ora o gesto de
Dmitri Tarassov apenas vem dar razão a essas vozes.
Se a UEFA considerar o gesto de Dmitri Tarassov uma “violação
do regulamento disciplinar” ou “provocação clara”, ele poderá ficar fora dos
relvados pelo menos durante dez jogos e o Lokomotiv também terá de pagar
multas. O parágrafo 7 do artigo 14 do Regulamento da UEFA é claro ao proibir
“todas as formas de propaganda ideológica, política ou religiosa”.
O jogo terminou com uma vitória do Fenerbahce, onde alinham
os portugueses Nani e Bruno Alves, por 2-0 e talvez o resultado tenha desviado
a atenção dos adeptos turcos dessa provocação, mas, num momento em que as
relações entre a Rússia e a Turquia constituem um barril de pólvora pronto a
explodir, a mínima provocação ou acção poderá fazer explodi-lo.
É uma banalidade, mas é preciso repeti-la. O desporto, e
nomeadamente o futebol, deve ser uma ponte de paz entre países e povos. Daí que
dirigentes políticos, desportistas e adeptos em geral devem evitar provocações
deste e de outro género. Por isso, a UEFA deveria castigar Tarassov de forma
exemplar ainda antes da segunda mão do jogo entre o Lokomotiv e o Fenerbahce em
Moscovo.
Caso contrário, no estádio da equipa russa poderão ser
exibidas não só t-shirts de carácter provocatório, mas também faixas. E, a
acontecer, não será a primeira vez.
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