O jornalista da Fox News Bill O'Reilly chamou ao Presidente da Rússia “assassino” e, numa das suas derrapagens verbais, Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, não desmentiu tal acusação, pelo contrário. No entanto, o Kremlin exige um pedido de desculpas ao entrevistador e recusa-se a comentar as palavras do entrevistado.
É de salientar que o mais surpreendente constitui a “cortesia” e a “singeleza” com que o Kremlin está a gerir esta questão.
Se fosse Barack Obama ou outro dirigente mundial a chamar “assassino” a Putin, a propaganda russa já estaria, a esta hora, a disparar todas as “baterias ideológicas” contra os “inimigos da Rússia”, “russófobos”, etc., mas, com Trump, a reacção do Kremlin faz lembrar o provérbio português “é pior a ementa que o soneto”. Dmitri Peskov, porta-voz de Putin, decidiu exigir da Fox News e do jornalista um pedido de desculpas, ao mesmo tempo, que afirmou que não iria comentar as declarações do novo Presidente norte-americano.
O jornal Washington Post recorda que não é a primeira vez que Trump admite que irá negociar com um “assassino”. Em 2015, à afirmação do jornalista JOE SCARBOROUGH: “He [Putin] kills journalists that don't agree with him,””, o então candidato a Presidente respondeu: ““Well, I think that our country does plenty of killing, too, Joe”, mas também não houve reacção. Verdade seja dita, também ao jornalista não foi exigido um pedido de desculpas.
No primeiro caso, Bill O'Reilly respondeu: “Apparently the Putin administration in Moscow is demanding that I, your humble correspondent, apologize for saying old Vlad is a killer. So I’m working on that apology but it may take a little time. You might
want to check in with me around… 2023”.
Peskov reagiu com uma “amabilidade” muito rara: “Temos uma compreensão do bom tom e das regressas de boa-educação diferente das desse gentleman. Somos muito bondosos e pacientes. Colocamos um sinal no calendário de 2023 e voltaremos a esta questão”.
A propaganda russa entrou em acção total e lembra à Fox News todos os “erros” e “lapsos” cometidos em relação ao regime de Putin, defendendo Trump como este fosse Vladimir Putin. Um dos comentadores da rádio Sputnik, herdeira da soviética Rádio Moscovo, escreve: “Trata-se de um sintoma que dá esperança. Trump tenta cumprir as suas promessas eleitorais… Durante a campanha, ele afirmou que iria tentar estabelecer relações com o
Presidente russo, que olha para ele com simpatia. E a sua resposta (ao entrevistador da Fox News) deixou claro que isso não é apenas retórica eleitoral. Trump respondeu de uma forma bastante dura e inesperada. Poucos são aqueles que pode responder dessa forma”.
Estou plenamente de acordo com o comentador de um dos órgãos de propaganda russa no que respeita à última frase, mas, nesta polémica, estou do lado do jornalista norte-americano e apenas por uma razão: num país onde Vladimir Putin concentrou todo o poder nas suas mãos, ele é responsável pelas dezenas e dezenas de milhares de civis inocentes que morreram na Chechénia, durante a invasão da Geórgia e da Ucrânia, pelas mortes de jornalistas como Pavel Khlebnikov, da revista Forbes, de Anna Politkovskaia ou de políticos como Boris Nemtsov.
Quanto ao silêncio do Kremlin em relação a Donald Trump, trata-se de um sinal de que Putin está a fazer tudo para evitar irritá-lo, preferindo aproveitar a indefinição e a confusão reinantes na política externa norte-americana para conquistar terreno na Ucrânia e na Síria, bem como para enfraquecer a União Europeia.
(Para aqueles que recorrem ao argumento utilizando por Trump para defender Putin, respondo: os crimes de uns não justificam os crimes de outros).
E Putin está a conseguir os seus objectivos, não só com intervenções militares e com uma forte ajuda de forças da extrema-direita e extrema-esquerda na Europa, mas também com o contributo de alguns governos europeus e da burocracia europeia em geral.
A Roménia é o último exemplo do que foi dito. Como será possível que Bruxelas não reaja com firmeza à tentativa de legalizar a corrupção e o enriquecimento ilícito nesse país? A corrupção é uma das pragas mais perigosas para o projecto europeu e a tolerância para com ela deve ser nenhuma, zero. Caso contrário,
depois não fiquem surpreendidos com o voto dos franceses, holandeses ou alemães.
P.S. Infelizmente, não podemos dizer que Portugal está livre dessa praga, bem pelo contrário. Mas são diferentes as reacções de portugueses e romenos. Se os últimos vêm para a rua protestar, os primeiros assistem calmamente à morte “por velhice” de processos judiciais contra os corruptos.
5 comentários:
A imprensa só se preocupa com "assassinos" quando lhe convém:
http://historiamaximus.blogspot.pt/2017/02/a-imprensa-so-se-preocupa-com.html
Bem, na verdade, em Portugal nunca nenhum governo tentou fazer aprovar uma lei que despenalizasse a corrupção até aos 44000 euros ou outra no sentido de libertar todos os condenados até 5 anos de prisão.
Quanto à reação da Rússia a essa entrevista da Fox News, penso que terá considerado suficiente a resposta assertiva de Trump. Não tenho a certeza de que um processo por difamação movido pela Rússia ao jornalista teria qualquer efeito nos EUA.
Reflitamos: queremos a perpetuação da rivalidade bélica entre os EUA e a Rússia ou uma relação pacífica entre estas duas nações? Se optarmos pela segunda, não teremos que aceitar alguns sacrifícios?
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1)“É pior a emenda que o soneto” - assim é que é. Fica a minha... emenda!
2)"Se fosse Barack Obama ou outro dirigente mundial a chamar “assassino” a Putin..." Mas não é isso que vem acontecendo todos os dias e de que faz eco o jornalismo ocidental em geral. De resto, que outra coisa tem feito o José Milhazes desde que é acarinhado pelos orgãos de informação em Portugal e agora mesmo neste artigo?!
"(Para aqueles que recorrem ao argumento utilizando por Trump para defender Putin, respondo: os crimes de uns não justificam os crimes de outros)." É verdade. Mas retiram qualquer autoridade moral aos acusadores. Deveriam calar-se, então.
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