domingo, junho 18, 2006

Mistério com 70 anos


O escritor russo Máximo Gorki, autor do clássico Mãe, morreu há 70 anos, mas o mistério mantém-se. Morreu naturalmente ou foi assassinado por ordem do ditador comunista José Estaline? Há poucos anos, em Cascais, a sua neta ficou espantada com a quantidade de Gorkis que encontrou em português.

Há cinco ou seis anos, Dária Pechkova, neta do grande escritor russo e soviético Maximo Gorki (Pechkov), veio passar férias a Portugal e ficou no Hotel Estoril-Sol, hoje desactivado. A primeira coisa que fez - como sempre que chegava a um novo país - foi ir a uma livraria verificar se as obras do seu avô estavam publicadas na língua local e comprar pelo menos um livro.
O resultado da "pesquisa" feita em Cascais foi surpreendente."Incrível, nunca imaginaria encontrar tanta variedade de obras do meu avô editadas em português", disse na altura ao PÚBLICO. "Até uma edição de Obras Completas de Maximo Gorki! Mas será que os portugueses lêem assim tanto os seus livros?", perguntou com uma expressão de espanto feliz no rosto, depois de visitar uma livraria em Cascais.
Dária Pechkova, que na União Soviética e na Rússia fez uma invejável carreira de actriz no teatro, contou que o dono da livraria não queria acreditar que perante ele eetivesse mesmo a neta de Gorki mas que, depois de uma longa conversa, lhe pediu um autógrafo e lhe ofereceu um exemplar de Mãe, uma das mais conhecidas e publicadas obras do autor.
Maximo Gorki morreu faz hoje 70 anos, em Moscovo, e o seu corpo foi sepultado na Praça Vermelha junto do mausoléu de Lénine. Mas continua aberta a dúvida sobre se foi ou não assassinado. Houve acusações, julgamentos e fusilamentos e a suspeita continua a pairar sobre Estaline (ver texto acima)).
Gorki nas escolas
Como em Portugal, também nas prateleiras das livrarias de Moscovo continua a ser muito fácil encontrar obras de Gorki. As suas peças de teatro têm lugar cativo nas salas de espectáculos russos, porque, apesar dos cataclismos políticos dos últimos anos, este clássico da literatura mundial continua a ser considerado actual, sendo actuais também muitas das personagens das suas peças de teatro como Pequeno-burgueses, Albergue Nocturno, Filhos do Sol e Bárbaros, ou dos romances A Vida de Klim Sanguin e Tomas Gordeiev.
Gorki foi reduzido a "escritor proletário" pelo dirigente comunista Vladimir Lénine, mas as suas obras não são efémeras como os panfletos revolucionários Assim Foi Temperado o Aço, de Nikolai Ostrovski, ou até mesmo O Dom Tranquilo, de Mikhail Cholokhov.Continuando hoje a fazer parte dos programas escolares de literatura russa, a obra de Gorki sofre, porém, as consequências da sua colaboração com o regime comunista.
Relações com o comunismo
O escritor manteve com os comunistas relações extremamente contraditórias. Nas vésperas da revolução bolchevique de Outubro de 1917, Gorki publicou o artigo Não se pode ficar calado!, onde defendeu a permaturidade do golpe de Estado comunista, considerando que, antes disso, "o povo deve trabalhar muito para ganhar consciência da sua personalidade, da sua dignidade humana" e que "o povo deve ser limpo da escravidão através do fogo lento da cultura".O dirigente bolchevique Vladimir Lénine respondeu: "Você até chega à "conclusão" de que a revolução não pode ser feita sem a intelectualidade. Isso é tudo fruto de uma mente doente." E aconselhou-o a "mudar de ares".
Alguns anos depois, quando o ditador Estaline precisou de um advogado capaz de justificar os seus actos criminosos perante o "tribunal da história", Gorki regressou de Itália à União Soviética e escreveu sobre ele: "A vontade brilhantemente organizada, a mente perspicaz de grande teórico, a coragem de um administrador talentoso, a intuição de um verdadeiro revolucionário... colocaram-no lugar de Lénine."
Talvez o escritor pensasse em vir a ser um "dirigente espiritual" das grandes transformações revolucionárias, mas no "paraíso socialista" havia apenas lugar para um timoneiro e Gorki foi encarcerado numa "gaiola de ouro", na vivenda que pertencera a um dos mais ricos industriais russos, rodeado de agentes da polícia secreta.
Aí, Gorki recebeu escritores europeus conhecidos como H.G.Wells, Rolland e Shaw, falou-lhes dos "êxitos do socialismo", justificou a colectivização da agricultura soviética (que provocou milhões de mortos) e as repressões estalinistas. "Compreendo tudo como os cães, mas fico calado", disse o escritor pouco antes de morrer.
Talvez por isso, ao contrário do que acontecia nos tempos soviéticos, as suas obras não sejam, hoje, levadas aos ecrãs do cinema e televisão. As apostas são feitas em obras marginalizadas na era comunista como, por exemplo, O Idiota, de Fiodor Dostoievski, Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgakov, ou Doutor Jivago, de Boris Pasternak.

Sem comentários: