terça-feira, setembro 22, 2009

Blog dos leitores (o novo Exército russo)

O leitor Manuel Santos enviou o seguinte texto para publicação:

"Por ocasião da última cimeira “VALDAI CLUB 2009”, o reconhecido especialista russo em assuntos militares e antigo coronel do GRU Vitaly Shlikov expôs a imensa reforma que o Exército russo que irá começar a sofrer a partir do próximo mês de Dezembro.
Shlikov que é um dos autores da dita reforma, afirma tratar-se de uma autêntica revolução na estrutura e na própria maneira de pensar da máquina militar russa, em particular o Exército, resultando numa abordagem completamente nova e revolucionária, rompendo em absoluto com os ditames militares soviético-russos que moldam a doutrina militar deste país desde há 200 anos para cá.

Em termos gerais, o pensamento militar russo referente ao seu exército consiste em manter uma força massiva assente em grandes números para combater guerras em larga escala à semelhança da 2ª guerra mundial e o eventual teatro de operações na Europa central durante a guerra fria.
Além do exército regular, existe a possibilidade de em caso de conflito mobilizar grandes números de reservistas para preencher as chamadas “divisões vazias” que consistem unicamente em material armazenado na caserna. A partir do momento da incorporação dos reservistas, a divisão é declarada operacional de um momento para o outro, obviamente sem nenhum treino nem expriência dos seus constituintes.

Com a nova estrutura, praticamente deixará de haver mobilização e o Exército regular passará a ser constituido por cerca de 1 milhão de homens. O número de carros de combate (Main Battle Tank) passará dos actuais 20.000 para cerca de 2.000 apenas.
Mais vocacionado para intervenções em pequenos conflitos (ex: campanha georgiana, Cáucaso) ou escaramuças este novo exército enfrentará conflitos de larga escala como uma eventual invasão chinesa com auxílio das armas nucleares tácticas. Nos tempos da guerra fria, as armas nucleares fossem táticas ou estratégicas eram consideradas armamento “tabu” que implicaria uma escalada imprevisível num confronto.

Porém na actual doutrina, as armas nucleares tácticas vão constituir o bastião da defesa territorial russa face a um eventual invasor numeroso, tal e qual durante a guerra fria a estratégia da NATO assentava em pequenos exércitos com armas nucleares capazes de dissuadir ou aniquilar a vantagem das forças numerosas do Pacto de Varsóvia.

A se concretizar esta imensa reforma, a Rússia assume uma doutrina militar defensiva a nível do seu território e porventura daquilo que considera a sua zona local de influência contrariando a tese de algumas vozes no Ocidente que antevêem um novo período de expansionismo militar russo do qual a campanha na Georgia foi apenas o começo. Outro indicador importante além da redução de gastos, é que é óbvio o caminho rumo ao exército profissionalizado e melhor especializado e treinado.

Se será possível implementar toda esta revolução face às mentalidades presentes, cultura criada em décadas, entropia e resistência de uma imensa organização secular com imensos problemas e em tempo útil isso será outra conversa.

A entrevista de Vitaly Shlikov ao jornalista Andrei Zolotov da RIA NOVOSTI poderá ser consultada aqui:

http://en.rian.ru/valdai_op/20090914/156124823.html "

23 comentários:

PortugueseMan disse...

...Se será possível implementar toda esta revolução face às mentalidades presentes, cultura criada em décadas, entropia e resistência de uma imensa organização secular com imensos problemas e em tempo útil isso será outra conversa.

Este artigo e em especial este parágrafo, fez-me lembrar um outro que focava o mesmo tema e dava voz a uma analista militar Liudmila Averina, tendo eu na altura discordado da opinião dela.

...A analista militar Liudmila Averina considerou que a reforma das forças armadas não tem uma base firme.
“Isto não se pode chamar reforma. Tem lugar a destruição planeada das Forças Armadas como tais. Qualquer reforma pressupõe a existência de uma concepção do que queremos. Hoje, não sabem o que fazer delas”, sublinhou.
“Por exemplo, a Rússia não tem condições financeiras para tornar as Forças Armadas profissionais. Hoje nem sequer há dinheiro para pagar aos militares que já prestam serviço militar por contrato”, concluiu.

http://darussia.blogspot.com/2009/03/medvedev-anuncia-rearmamento-da-russia.html



De facto pelo que tenho "visto" e "ouvido", está a haver uma grande mudança nas forças armadas.

E saliento que para tal, é preciso muito dinheiro e determinação política, para vencer a resistência.

Anónimo disse...

Parece-me inteligente esta reforma.
Hoje em dia já não são grandes massas de soldados que ganham guerras. A tecnologia militar e a recolha de informação são mais importantes.

Anónimo disse...

Se os russos reduzirem o exército vão dar o flanco.

Vronsky disse...

Avante Rússia! Rumo ao modernismo e à proteção de suas riquezas!

Pippo disse...

Um dos aspectos interessantes, já evidenciado por Lester Grau nos seus comentários às "lições aprendidas" da Guerra do Afeganistão, era a falta de sargentos profissionais nas forças armadas soviéticas, o que obrigava os oficiais, às vezes com patentes intermédia, a dar instrução aos soldados, nomeadamente para certas operações mais específicas (algo que costuma ser feito, de facto, pelos sargentos).

A prometida formação de sargentos do quadro permanente permitirá colmatar essa grave deficiência, o que é positivo para as FA russas.

Apesar de não ser grande conhecedor da orgânica das FA russas, achei interessante o autor referir-se a brigadas de 4000 homens, o que é muito similar às brigadas NATO.

Com adequado apoio de fogo, estas formações poderão derrotar inimigos convencionais (chineses e afins), ao mesmo tempo que, treinadas numa base permanente, poderão desempenhar de forma mais flexível missões de combate ou peace enforcement, vocação para a qual as forças armadas, nos tempos que correm, parecem estar especialmente vocacionadas.

Por fim, note-se o cariz especialmente defensivo do novo conceito estratégico. FA mais reduzidas e profissionalizadas; confiança em meios dissuasores tácticos; um esperado reequipamento; e acima de tudo, o investimento crucial no factor humano.

Anónimo disse...

É o resultado da quebra demográfica da Rússia. Com um território tão vasto logicamente que não terá capacidade ataque e mesmo de defesa será difícil. Também dirigirem mais esforços para o lado chinês parece sensato, pois não será certamente a UE a ameaçar a integridade Russa. Pelo menos enquanto não tiver o exército único.

MSantos disse...

PotugueseMan

O entrave a qualquer reforma seja na Rússia, EUA, Portugal etc são os interesses instalados.
De relembrar que no nosso caso até há bem pouco tempo ainda mantínhamos a mesma estrutura do exército colonial e só se consegue fazer desaparecer há medida que os oficiais se vão reformando.
Nem ouso imaginar o que isso representará no imenso exército russo.

Para mim há 3 pontos muito importantes nesta entrevista:

- A mensagem implícita muito clara a qualquer enventual invasor em especial a China: a partir do momento que solo russo for invadido por uma imensa força militar, a resposta será nuclear.

- Abandono do exército massivo consequentemente abdicando de eventuais ambições de conquista fora do espaço que a Rússia define como sua zona de influência.

- A NATO defensiva deixa de ser a tradicional ameaça a ter em conta.

Outra questão que fica no ar é, a se concretizar esta mudança, a poupança obtida com a redução de meios será canalizada para o sector civíl ou para os outros ramos das FAs?

Cumpts
Manuel Santos

MSantos disse...

Pippo

Outra gravíssima limitação que as foças militares russas sofrem é a extrema centralização de decisões nos oficiais mais graduados tirando totalmente qualquer capacidade de iniciativa ao infante que progride no terreno envolto num campo de batalha em constante mutação exigindo decisões locais e rápidas.

Provavelmente muito disto foi herdado do exército comunista em que os oficiais e comissários políticos além de terem que eliminar o inimigo tinham também que controlar a pente fino as tropas que dirigiam, em especial no plano ideológico.

Todos estes handicaps vieram ao de cima com o último conflito com a Georgia.

Cumpts
Manuel Santos

anónimo russo disse...

Anónimo disse...
"É o resultado da quebra demográfica da Rússia. Com um território tão vasto logicamente que não terá capacidade ataque e mesmo de defesa será difícil. Também dirigirem mais esforços para o lado chinês parece sensato, pois não será certamente a UE a ameaçar a integridade Russa. Pelo menos enquanto não tiver o exército único"

1. A Rússia tem uns 145 milhoes de habitantes.
2. A tendéncia está a mudar aos poucos. A população ainda diminui, mas a cada ano mais lentamente (consulte os números, muitas coisas têm explicação na economia). No futoro, no pior dos casos, a Russia pode tornar-se numa espécie do Brasil etnicamente. Ja hoje existe um fluxo de migrantes dos paises ex-republicas da União Sovietica. Quer dizer, a terra não vai ficar vazia, mas não devido a alguma invasão.

Jancher disse...

pobre Russia, parece que seus dias de glorias militares chegaram ao fim.

com as forças armadas reduzindo seu poder de fogo e numerico quase pela metade, e pagando mercenarios para defender territorio, so resto a dizer a Mãe Russia morrerá,

A Siberia já e dos chineses, e a Asia central dos Americanos, e o Sul da Russia dos Muchumanos,

esse e um triste fim dessa pot~encia.
a partir de agora a russia não existe mais como potencia!.

Jancher disse...

lebrando que foi assim que roma caiu.

Anónimo disse...

RESULTADO IMEDIATO DA IMPLEMENTAÇÃO DESSA ESTRATÉGIA: Aumento do número de jovens desempregados na Rússia

PortugueseMan disse...

Caro MSantos,

Outra questão que fica no ar é, a se concretizar esta mudança, a poupança obtida com a redução de meios será canalizada para o sector civíl ou para os outros ramos das FAs?

Não será possível canalizar para o sector civil. Os objectivos além da redução do nº de efectivos é o aumento da eficácia e modernização.

A meu ver o Orçamento da Defesa até irá (e terá que) aumentar durante os próximos anos. O governo disponibiliza mais dinheiro, mas em contrapartida quer mais eficácia nas suas forças armadas.

Não interessa ter um elevado nº de homens, se estes não forem dotados de meios modernos para combater, caso contrário a maior parte servirá de carne para canhão.

Por outro lado pretende-se soldados por sua livre escolha, o que implica profissionalização, isso implica um aumento grande em gastos com ordenados, só este item obriga a grandes necessidades de dinheiro, significando que não haverá poupança em termos monetários pelo facto de se reduzir o nº de soldados, mas sim um redireccionar do dinheiro.

Portanto só o facto de se reduzir o contingente e profissionalizá-lo, obriga a um custo maior do que aquele que têm neste momento.

Se juntarmos a isto, o facto de todos os ramos estarem a sofrer modernizações nos equipamentos e a ser adquiridos novos temos ainda necessidade de mais gastos.

Se ainda juntarmos o aumento para o desenvolvimento de novas armas...

Não há hipótese de sobrar dinheiro, até vai ser necessário ainda mais.

Anónimo disse...

Provavelmente mandam esta cá para fora para iludir os papalvos enquanto prosseguem o rearmamento ao mesmo tempo que o Hussein Obama lhes facilita o jogo.

Pobre Europa!

Jest nas Wielu disse...

Já que estamos sobre os temas militares, faz todo o sentido lembrar-se disso:

Pressentindo que os nossos quadros pró – Kremlin poderão usar a mentira da revista alemã Der Spiegel, sobre alegada “culpa georgiana” na guerra com a Rússia, recomendo ler o artigo do Andrei Ilarionov, que explica com os pormenores necessários a mentira da revista (desde a guerra fria Spiegel foi usado pela KGB para a propaganda pró – soviética na Europa ocidental):
http://aillarionov.livejournal.com/114923.html

***

Como Kremlin usa o movimento totalitário juvenil “Nashi”, desta vez para criar a cópia da “Marcha russa” (a marcha de extrema direita), mas pró – Kremlin. O chefe da administração do presidente russo, Sr. Vladislav Surkov, ficou contente, apoiando a “iniciativa” dos nashistas. Aqueles também ficaram contentes, mais uma “frente financeira” para a organização:
http://tapirr.livejournal.com/2182709.html

Alves dos Reis disse...

Já andam a circular rumores que já há muitos oficiais superiores a oporem-se a esta reforma.
Vamos lá ver se não vão conseguir um golpe de estado.
Seria muito giro, um país como a Rússia ser comandado por uma junta militar.

Anónimo disse...

Uns verdadeiros bandidos esses quadros pró-kremlin...

Anónimo disse...

Esta é para os que confiam na "boa vontade e desarmamento" russos:

MOSCOW - Russia's orders for military equipment will rise by 8 percent next year to 1.1 trillion rubles (24.7 billion euros, $36.5 billion), a top minister was quoted as saying Sept. 22.

"Military orders in 2010 will go up 8 percent compared to the current year," Deputy Prime Minister Sergei Ivanov said during a meeting of the governmental defense industry commission, according to Russian news agencies.

http://www.defensenews.com/story.php?i=4290112&c=EUR&s=TOP

Pippo disse...

O programa de rearmamento russo já é sobejamente conhecido. A redução de efectivos terá de ser acompanhada por investimentos em treino e equipamento.

O mesmo aconteceu com as nossas FA, e mesmo assim temos lacunas gritantes (ainda usamos a H&K G-3!).

Nada de novo, portanto.

PortugueseMan disse...

Esta é para os que confiam na "boa vontade e desarmamento" russos

E o que é que uma coisa tem a ver com a outra, consegue explicar?

Anónimo disse...

Caro Jest Nas Wielu:

Em que é você que se baseia para pôr em causa a reputação da "Der Spiegel"? Já agora, pode-me referir qualquer outra revista alemã com mais reputação que o "Der Spiegel"?

Eu ficaria muito, mesmo muito contente se existisse em Portugal uma revista com, digamos, uma pequena percentagem da qualidade do "Spiegel". Seria um grande avanço na qualidade da nossa imprensa.

Jorge Lopes

Anónimo disse...

Para o senhor Jest, tudo o que refira algo de positivo sobre a Rússia, ou ataque os fanáticos que lhe declararam guerra faz parte duma maquiavélica conspiração dos FSB ex-KGB. Até Obama já deve estar na lista.

Jest nas Wielu disse...

2 Jorge Ramalheira (Lopes)

Caro Jorge, acho que seria razoável da sua parte, primeiramente ler o artigo do Andrei Illarionov (link está junto à minha postagem inicial) e depois poderemos discutir o resto.

p.s.
Se a qualidade do Der Spiegel lhe parece estar muitíssimo acima do produto feito em Portugal, isso não significa que Der Spiegel de facto é uma revista maravilhosa…

Já agora:

Ler & ver as fotografias (poderão chocar os mais sensíveis) sobre as limpezas étnicas perpetuadas pelos separatistas da Abecásia (com ajuda do Kremlin) contra a população georgiana em 1993:
http://vaxo.livejournal.com/360943.html