terça-feira, junho 15, 2010

O país do “líder da nação” preside à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

 

O Parlamento do Cazaquistão, país da Ásia Central, aprovou um decreto que proclama o actual Presidente do país, Nursultan Nazarbaev, “líder da nação”.

Esse novo estatuto faz com que qualquer pessoa que diga palavras feias ou faça “acusações infundadas” contra Nazarbaev possa ser condenada pelos tribunais. Além disso, o líder e a sua família não poderão ser judicialmente perseguidos no território do Cazaquistão.

Tendo em conta os negócios da família, trata-se de uma decisão oportuna.

Porém, mais importante ainda é que Nazarbaev, mesmo depois de abandonar o cargo de Presidente, manterá a sua influência na vida política do país.

Nussultan Nazarbaev parece ter ficado incomodado com o novo título e, por isso, não assinou o decreto, mas (imagine-se, talvez por esquecimento, pois a idade não perdoa!) não vetou o documento. Ora, como o Presidente não vetou essa lei, ela entrou hoje automaticamente em vigor ao ser publicada no jornal oficial “Kazakhstanskaia Pravda”.

Se calhar, o primeiro Presidente cazaque até pode merecer o título: a situação no Cazaquistão é estável, o nível de vida vai melhorando e o país é uma “ilha de estabilidade” num região turbulenta como a Ásia Central. Além disso, o petróleo corre regularmente para os mercados mundiais.

Mas só uma dúvida me preocupa: como é que um país com um regime político semi-autoritário, com um “líder da nação”, pode presidir à Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa? Segundo os estatutos desta organização, entre outros objectivos, ela deve velar pelo respeito das liberdades e dos direitos humanos nos países membros.

Mais um caso de “pragmatismo” e de “política real”. Dir-me-ao, trata-se de “uma particularidade asiática”, pois, caso contrário, os motins que ocorrem no Quirguistão podem repetir-se no Cazaquistão. Resumindo, mais um país que “ainda não tem condições para ser democrático”.

 Por este andar, arriscamo-nos a ver o Turquemenistão ou o Uzbequistão a dirigem essa organização...


8 comentários:

Jorge Almeida disse...

Doutor Milhazes,

o que esperava duma organização que tem lá dentro João Soares, cujo maior facto no CV é ser filho de ... Mário Soares?

Deite só uma olhada na opinião dele acerca dumas eleições que decorreram no Quirguistão de Bakyev. É muito elucidativa:

http://www.youtube.com/watch?v=tIO8-WZs47U

Jest nas Wielu disse...

Este é um bom chefe: experiente, ponderado, amigo do império energético, enfim, em nada parecido com o Saakashvili, este lacaio do imperialismo americano... he-he

Pippo disse...

Mas, JM, em que é que o facto do Nazarbaev ter sido nomeado "líder da Nação" tem a ver com um hipotético desrespeito pelas "liberdades e direitos humanos" nos países membros?

Tal nomeação viola os DH?

O autoritarismo, ou semi-autoritarismo, não é obrigatoriamente igual a violação dos DH. E democracia não é sinónimo de respeito pelos DH. Veja-se o caso da Geórgia, como oportunamente aqui nos foi recordado.

O que o JM dever estar a querer dizer é que só uma democracia deveria presidir à OSCE, mas isso são outros quinhentos.

MSantos disse...

"E democracia não é sinónimo de respeito pelos DH. Veja-se o caso da Geórgia, como oportunamente aqui nos foi recordado."

E veja-se o caso de como a população de New Orleans foi abandonada à sua sorte após a devastação do Katrina.

Cumpts
Manuel Santos

Jorge Almeida disse...

Mais 2 notícias sobre a situação no Quirguistão que surgiram na Euronews:

http://pt.euronews.net/2010/06/15/crise-humanitaria-no-quirguistao/

http://pt.euronews.net/2010/06/15/quirguistao-responsabiliza-ex-presidente-pela-violencia/

MSantos disse...

Uma entrevista à Euronews dada por Nazarbaiev, que postei em Janeiro:

http://pt.euronews.net/2010/01/15/presidente-do-cazaquistao-a-prioridade-e-a-economia-nao-a-democracia/

Cumpts
Manuel Santos

Jorge Almeida disse...

Realmente, só de pensar que este Nazarbaev chegou a ser considerado pelos países ocidentais como um campeão da democracia, logo a seguir à queda da URSS ...

Já naquele tempo, essa consideração custou-me a engolir. Como é que um aparatchik destes podia ser considerado como um campeão da democracia quase do dia para a noite? Hoje em dia, é o que se vê ...

Será que Sacha Baron Cohen terá exagerado assim tanto ao caracterizar o Cazaquistão daquela maneira com a sua personagem "Borat Sagdiyev"?

Wandard disse...

"E veja-se o caso de como a população de New Orleans foi abandonada à sua sorte após a devastação do Katrina."

Caro Manuel,

Tantas vezes já comentei este fato mas ninguém deu importância. Felicito pela lembrança que é uma das mais presentes verdades a respeito da realidade americana, sem a pintura tecnológica e carregada de clichês de Hollywood. Independente de eu ser um cinéfilo e ter plena consciência que sem as produções americanas, a criação dos irmãos Lumiere não teria alcançado a dimensão que hoje possui.

Grande abraço,