Recentemente, foi publicado o livro do jornalista russo “O Rei das Guerras de Espionagem” sobre Victor Louis, uma das personagena mais enigmáticas da História Soviética.
Nascido a 05 de Fevereiro de 1928 em Moscovo, Victor Louis tem uma infância igual a muitas das crianças e jovens soviéticas da sua geração. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ele trabalhou na Embaixada dos Estados Unidos e Grã-Bretanha em Moscovo, de onde foi rapidamente despedido.
Aguentou-se mais tempo na Embaixada do Brasil, mas foi detido pela polícia política soviética (NKVD) quando, em 1947, tentou fugir para esse país através de Leninegrado e condenado a 25 anos de prisão num dos campos de concentração do GULAG.
Em Agosto de 1956, foi amnistiado e emprega-se como tradutor de Edmund Stevens, correspondente anglo-americano na capital soviética.
Entre 1951 e 1980, foi correspondente dos jornais The Evening News e do The Sunday Express, tornando-se o único soviético a poder exercer essas funções na URSS.
Não existem provas de que ele tivesse sido agente da polícia política soviética KGB, mas as suas actividades apontam para isso.
Em Outubro de 1964, é o primeiro jornalista a noticiar no estrangeiro a destituição de Nikita Khrutchov do cargo de dirigente do Partido Comunista da União Soviética.
Em 1967, Louis vendeu no Ocidente, sem a autorização da autora, o manuscrito “20 Cartas a um Amigo”, escrito por Svetlana Allilueva, filha do ditador comunista José Estaline. A versão por ele vendida estava deturpada e foi a primeira a sair para as livrarias com vista a neutralizar o sensacionalismo da publicação do original nos Estados Unidos.
Em 1968, ele vende também no Ocidente o manuscrito “O Pavilhão dos Cancerosos” de Alexandre Soljenitsin. Segundo a esposa do escritor, isso foi feito para impedir a publicação dessa obra na URSS.
Victor Louis realizou várias operações diplomáticas secretas entre a URSS e países com quem ela não tinha relações diplomáticas: Taiwan, Israel, Espanha, Portugal.
Esta misteriosa figura da história soviética ficou também conhecida por ter conseguido a autorização de saída da URSS para numerosos judeus.
Faleceu num dos hospitais de Londres em 1992, tendo ainda assistido à queda do país que serviu durante muitos anos.
Trecho do livro:
“Em Janeiro de 1974, Louis viajou a Portugal, com o qual Moscovo não tinha relações diplomáticas: o regime de Salazar (já falecido nessa altura) era um dos mais longos regimes fascistas na Europa. Mas o principal residia noutro campo: Portugal era uma das maiores potências coloniais, o regime agonizava e as feras já começavam a dividir a “herança africana” do tio português.
Louis esteve em Portugal pela primeira vez em Lisboa em 1971 para “cheirar” e “apalpar” terreno, bem como visitar o país com as suas praias fantásticas, comer marisco e beber o famoso Vinho Verde, ou seja, como um turista. Agora, ele procura encontros com o general português caído em desgraça Spínola, em quem Moscovo via um futuro líder “cómodo do país”, e, paralelamente, foi ao Ministério do Interior pedir um visto de turismo para as colónias ultramarinas. Ele foi concedido e, ao fim da tarde, Victor já estava no escritório da companhia aérea portuguesa para encomendar o bilhete para a Luanda, a principal cidade de Angola. Daí, após um longo voo, foi ao Norte “visitar” as minas de diamantes, o que irá interessar a URSS depois da “revolução dos cravos” em Portugal e da independência das suas colónias. “Nós também exploramos diamantes, mas não concorremos com os vossos” – declarou profeticamente Louis, porque, pouco tempo depois, o governo pró-soviético de Neto da Angola independente irá apoderar-se das minas...
Depois de se encontrar com o dirigente angolano Agostinho Neto, Louis voou para outra colónia portuguesa, Moçambique, onde também era preciso estudar o terreno e marcar com bandeiras para facilitar a “entrada soviética””.
P.S. Seria interessante verificar nos arquivos da PIDE se existem rastos da passagem de Victor Louis por Portugal, embora seja possível que esse dossier tenha desaparecido com os outros documentos desses arquivos que foram trazidos para Moscovo com a ajuda do Partido Comunista Português.
Mas uma coisa posso afirmar com certeza: Victor Louis esteve em Angola pouco antes do 25 de Abril, o que me foi confirmado pelo piloto português que o transportou pelos ares dessa antiga colónia portuguesa.
9 comentários:
Caro José Milhazes:
porque não revela o nome de um dos principais responsáveis por essa "fuga" de processos para Moscovo?
O rigor da história iria-lhe agradecer..
Caro Nuno, pelo menos dois ex-agentes do KGB declararam que parte dos arquivos da PIDE foi trazida para Moscovo com a ajuda do PCP. Se eu soubesse os nomes dos autores do furto, revelaria. Mas penso que todos sabemos pelo menos um dos responsáveis, pois só seria com a sua autorização que o PCP faria uma coisa dessas.
Nenhuma pessoa fora da aprovação do NKVD / KGB poderia trabalhar em nenhuma embaixada estrangeira na URSS, ocidental, socialista ou não alinhada, não fazia nenhuma diferença.
Estaremos a preparar um novo livro, JM? :O)
Caro José Milhazes,
Como ex-militante comunista, para mais tendo estudado cinco anos em Moscovo, conhece perfeitamente a orientação do PCP sobre os contactos dos seus militantes com serviços secretos, mesmo de países socialistas. Mesmo da URSS.
Não há necessidade de estar a inventar e a caluniar sobre um tema (os arquivos da PIDE) em relação ao qual se escreveram rios de tinta.
Ex-membros da Comissão de Extinção da PIDE/DGS, conhecidos pelas suas posições anti-PCP, foram claros.
António Vilarigues
Sr. António Vilarigues, como deve saber, não fui eu que inventei a história do roubo dos arquivos da PIDE. Esse facto foi confirmado por dois agentes do KGB soviético altamente colocados. Um deles, Oleg Kaluguin, dirigiu a Secção de Espionagem Externa.
Sei que o KGB estava proibido de recrutar agentes entre os militantes dos partidos comunistas, mas também sei, e publiquei documentos sobre isso em 1991-1992, no jornal Público, que os serviços secretos soviéticos prestavam serviços aos partidos comunistas na preparação de quadros de segurança, transporte de dinheiro, etc.
Caro José Milhazes,
Passa-lhe mesmo pela cabeça que um partido como o PCP corria um risco desses com n não comunistas a trabalhar ao seu lado na referida comissão?
E logo 3 camiões cheios de documentos?
E já agora onde estão, aí em Moscovo, os referidos documentos? Já apareceram?
Para terminar eu escrevi sobre a orientação do PCP (e não do KGB): qualquer membro do PCP estava rigorosamente proibido de contactar com KGB e similares. Se o fizesse, como muito bem sabe, seria imediatamente expulso do PCP.
Sr. António Vilarigues, segundo as fontes citadas por mim, eles encontram-se nas mãos do SVR (espionagem externa)da Rússia.
Logo após o 25 de Abril, dada a confusão revolucionária, não era difícil levar três camiões de documentos de Portugal.
A propósito, a Editora Progresso editou em português uma "novela documental" do jornalista soviético Oleg Ignatiev, que você deve ter conhecido bem, pois esteve numerosas vezes em Portugal, onde este descreve uma operação de desvio de documentos do arquivos da PIDE realizada pela CIA. O livro chama-se "O APOLLO PARTE PARA ÁGUAS ALHEIAS".
Quando ele ainda estava vivo, eu perguntei-lhe sobre as bases documentais do livro e ele apenas esboço um daqueles sorrisos enigmáticos.
Tendo em conta a minha experiência soviética, lembrei-me do provérbio português. "Apanha que é ladrão".
Quanto ao PCP-KGB, eu sei que seria expulso o militante que colaborasse com a polícia política soviética, mas não era obrigatório que o militante fosse dizer ao PC que era agente. Além disso, na URSS estudavam não só comunistas, mas também simpatizantes. O mesmo se passava em Portugal se o KGB precisasse de recrutar alguém.
Com isto não quero acusar antigos colegas meus, nem ninguém em geral, de trabalharem para o KGB.
Os agentes da KGB: nem todos os que activamente colaboravam com o KGB eram agentes no sentido figural da palavra, com obrigatoriedade de escrever os relatórios, etc. Muita gente “apenas” conversava com o pessoal da KGB, que aproveitavam estes contactos para criacao dos dossiers, etc.
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