domingo, outubro 24, 2010

Contributo para a História de Portugal

Reflexos da Implantação da República em  Portugal na Rússia

A Revolução Portuguesa de 05 de Outubro de 1910 teve fortes repercussões na sociedade russa da época, que passava também por tempos atribulados. Ainda estavam por sarar as feridas da revolução russa de 1905-1907 e aproximavam-se as tempestades revolucionárias de Fevereiro e Outubro de 1917.
Ao receber as notícias sobre o carácter “relativamente pacífico da revolução em Portugal, o grande escritor e pensador russo, Lev Tolstoi, declarou: “No nosso país, se tal coisa acontecer, não terá lugar uma revolução portuguesa” (Makovitski D., Iasnpolianskie zapiski, Livro 4, pág. 360).
Reacção oposta teve Vladimir Lénine, o dirigente da revolução comunista russa de Outubro de 1917. Ele escreveu numa das suas mais importantes obras “O Estado e a Revolução”: “Se se tomar por exemplo as revoluções do séc. XX, claro que a portuguesa e a turca devem ser consifderadas burguesas. Mas nem uma, nem outra é “popular”, porque a massa do povo, a sua esmagadora maioria não se manifestou de forma relevante; nem numa, nem noutra, foi activo, independente, com as suas prórias reivindicações económicas e políticas”.
“Pelo contrário”,  continua Lénine, “a revolução burguesa russa de 1905-1907, embora não tenha tido tanto os êxitos tão “brilhantes” que tiveram, por vezes, a portuguesa e a turca, foi indiscutivelmente uma revolução “popular real”” (Lénine, V. “O Estado e a Revolução”. Obras completas, t. 33, pág. 39).
As forças políticas da direita russa também não receberam com satisfação a notícia do derrube da monarquia em Portugal, mas por outro tipo de razões. Estando de acordo com Lénine de que o levantamento de 05 de Outubro de 1910 em Lisboa não foi uma revolução popular, elas não atribuíam a autoria à “burguesia”, mas à maçonaria portuguesa e internacional.
Um dos  correspondentes do jornal russo “Novoe Vremia” em Lisboa escreveu: “Do lado dos revoltosos estavam apenas oitenta soldados... os restantes estavam inactivos. A guarda municipal tentou defender o rei, mas foi obrigada a render-se, porque os oficiais abandonaram os soldados. Com um canhão instalado no alto da Praça de Pombal podia-se dar cabo de todos os revolucionários... Porém, todos fugiram como lebres, a multidão apoderou-se de canhões e, sem saber disparar, atirava à sorte contra simples curiosos e trauseuntes... Além disso, os revolucionários consideravam a sua causa perdida; o almirante Reis, desesperado, suicidou... A primeira medida do Governo Provisório não foi travar a contra-revolução, mas proteger-se do “povo vencedor” (“Novoe Vremia”, Nº12430).
Os correspondente do mesmo jornal escreve: “Se analisarmos atentamente toda a história do golpe, o quadro tornar-se-á claro mesmo para um profano: todo o golpe foi planeado e realizado por uma sociedade revolucionária secreta... Quando o palácio do rei foi tomado, a juventude, que estava à frente das tropas, avançou para o edifício dos ministérios, ela encontrou todas as pastas já ocuoadas” (“Novoe Vremia”, 12423). 
Não obstante os czares russos já estarem habituados ao som da “Marselhesa”, hino da República Francesa, a queda da monarquia em Portugal foi má recebida na corte de São Petersburgo.
Num telegrama enviado por Serguei Sazonov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, a A. Zelioni, encarregado de negócios russo em Lisboa, datado de 08 de Outubro de 1910, recomendava-se “manter, até receber instruções do Ministério,  uma posição de expectativa” e “tomar conhecimento de todas as declarações do Governo Provisório de Portugal”.
No dia seguinte, o representante diplomático russo em Lisboa recebe uma nota de Bernardino Machado, ministro dos Negócios Estrangeiros da República, onde as novas autoridades portuguesas manifestam o desejo de “manter e desenvolver as relações russo-lusas”.
Não obstante esse desejo, a corte russa recomenda, a 3 de Novembro de 1910, à sua Embaixada na capital portuguesa apenas a manter “relações com o Governo Provisório sobre assuntos correntes”, sublinhando que “o reconhecimento da nova ordem é adiado até ao estabelecimento da ordem constitucional e ao reconhecimento por todas as outras grandes potências”.
O novo Governo republicano, fortemente interessado no reconhecimento internacional, pede, a 13 de Março de 1911, que o embaixador Santo Tirso seja recebido “na qualidade de representante de Portugal em São Petersburgo”, mas  a corte russa aceita a sua presença apenas para a solução de “assuntos correntes” a 03 de Maio de mesmo ano.
No mesmo dia, o novo encarregado de negócios russo em Lisboa, Talii, envia uma carta para o ministro dos Negócios estrangeiros do seu país, Anatoli Neratov, onde informa que se encontrou com Bernardino Machado e lhe comunicou “a atitude, por enquanto, negativa da Rússia face ao reconhecimento do novo regime em Portugal”.
Em 11 Junho de 1911, o mesmo encarregado de negócios escreveu ao seu ministro “sobre a inexistência de necessidade de ter pressa com o reconhecimento do novo regime”. Nesta carta existe uma nota escrita pelo próprio czar Nicolau II a 22 do mesmo mês: “É preciso esperar muito tempo até ao reconhecimento”.
No mês seguinte, o Governo russo recebe uma nota da Grã-Bretanha onde se propõe que a corte de São Petersburgo reconheça o novo regime em Portugal, e o czar volta a escrever: “Não é preciso ter pressa”.
A 13 de Setembro, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia chega uma nova carta do seu representante em Lisboa, onde ele comunica “o reconhecimento do Governo republicano pelas grandes potências europeias” e sobre a vontade do MNE de Portugal “conhecer a posição da Rússia sobre essa questão”. 
Dez dias depois, Anatoli Neratov escreve a Nicolau II “sobre a necessidade do reconhecimento da República Portuguesa pela Rússia”, responde o czar com uma nota no relatório: “Agora podemos reconhecer”.
No dia 29 do mesmo mês, o MNE da Rússia envia um telegrama secreto ao seu representante na capital portuguesa para que transmita a nota de reconhecimento do novo regime pela corte de São Petersburgo, tarefa que é realizada no dia seguinte.
A República Portuguesa, porém, não demorou muito tempo a saudar e reconhecer a Revolução de 27 Fevereiro (12 de Março) de 1917, que levou à queda do czar Nicolau II. No dia 8/21 de Março, o embaixador russo em Lisboa, Piotr Botkin enviava um telegrama sobre “a resolução do Senado da República Portuguesa a propósito da Revolução de Fevereiro na Rússia).
Porém, o Governo Português recusou-se a receber as credenciais das mãos de Victor Artsimovitch, conhecido diplomata russo que veio substiuir Botkin no cargo de embaixador em Lisboa. Pelos vistos, os republicanos portugueses olhavam com desconfiança para o facto de ele ter ocupado o cargo de director do II Departamento do MNE da Rússia czarista.
Este problema acabou por não ser resolvido até Novembro de 1917, porque o Governo Provisório da Rússia foi derrubado por insurrectos comunistas, dirigidos por Vladimir Lénine.
Alexandre Kerenski, primeiro-ministro russo, apenas teve tempo de enviar, a 06 de Outubro, um telegrama de felicitações “para o Presidente da República Portuguesa a propósito do aniversário da Revolução de Outubro de 1910.  

7 comentários:

Cristina disse...

Muito interessante, sem dúvida. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...

Anónimo disse...

Revoluções são uma desgraça!!!!!

Anónimo disse...

Revoluções são uma desgraça!!!!!

Jest nas Wielu disse...

Mas parece que o Governo português reconheceu o governo independente ucraniano da Rada Central, presidido pelo Mykhaylo Hrushevski (http://en.wikipedia.org/wiki/Mykhailo_Hrushevskyi). Historiador e socialista, ele só podia cair nas graças dos socialistas portugueses.

Anónimo disse...

A monarquia portuguesa foi derrubada por um golpe ilegal e arbitrário. Idem aqui no Brasil, em 1889. Quarteladas imorais.


Cuspiram na Constituição e nas leis. Deu no que deu.

Um revolução russa verdadeira existiu em fevereiro.


A de outubro foi um golpe brutal que enterrou durante 74 anos, a possibilidade de liberdade e democracia no país.


Ainda hj o povo paga o preço deste ato. E ainda hj não sabem o que é democracia.

Pudim para o Urso disse...

Vem aí a visita do Medvedev e estou a elaborar o presente luso ideal para ele: pudim de serradura al funghi al dente em forma de leque e adornado com dois botões de rosa. Vai comer e chorar por mais.

Jest nas Wielu disse...

Proponho apreciar os documentos interessantes sobre a luta armada da resistência nacionalista ucraniana (OUN – UPA) contra a ocupação nazi da Ucrânia (na II G.M.). Documentos da época da autoria dos partisanes comunistas, todos os documentos se encontram no Arquivo Central Estadual de Organizações Públicas da Ucrânia:
http://rusistka.livejournal.com/55784.html