terça-feira, outubro 19, 2010

Notas sobre a cimeira franco-alemã-russa

Não tenho nada contra as cimeiras internacionais, mas há algumas que me provocam simplesmente perplexidade. Uma delas foi a que reuniu os dirigentes da França, Alemanha e Rússia, respectivamente Nicola Sarkozy, Angela Merkel e Dmitri Medvedev.
Este encontro mostrou uma vez mais que a União Europeia, no seu conjunto, não consegue fazer uma política externa concertada face à Rússia. Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano ficou descontente por não ter sido convidado, os dirigentes polacos também não ficaram nada contentes por ficarem de fora e, quanto a Durão Barroso, não manifestou opinião nenhuma, ao que eu saiba, mas o certo é que também ficou por Bruxelas.
Se o máximo representante da UE não é convidado para este tipo de cimeiras, pode-se pensar que ele não representa coisa nenhuma, ou se representa, menos do que os dirigentes francês e alemão dentro dessa união.
A Rússia, e mal seria se não o fizesse, aproveita as divergências de uma união que anda completamente desorientada, não sabe para onde ir: se continuar a integrar-se rumo a uma confederação ou federação, ou se manter-se no pântano e acabar por aprodecer como aconteceu com a União Soviética.
Dmitri Medvedev fez questão de só aceitar o convite para participar na Cimeira da NATO em Lisboa, no próximo mês de Novembro, após o encontro trilateral, o que significa que deve ter recebido algumas garantias de que viaja à capital portuguesa não só para ficar na fotografia.
Tudo leva a crer que a Rússia recebeu garantias de que irá participar na criação do sistema de defesa antimíssil em pé de igualdade com a NATO, se a iniciativa avançar.
Além disso, deverá ser discutida a iniciativa de segurança europeia, avançada por Dmitri Medvedev, que prevê, entre outras coisas, assinar um novo acordo pan-europeu de segurança que prevê, entre outras coisas, fixar as fronteiras actualmente existentes na Europa e não permitir a qualquer organização ou Estado que monopolize a segurança do continente.
Moscovo considera também, e com razão, que numerosos dos Estados-membros da UE, colocam os seus interesses económicos e financeiros à frente da coesão europeia, tanto mais quando a Europa se vê afundada numa profunda crise económica e social, sem ideias novas face a problema nenhum. 
Para a Alemanha e a França, as trocas comerciais com a Rússia têm forte peso nas suas contas e podem ser ainda mais significativas. Na política de modernização proclamada pelo Kremlin, quem for mais ágil, mais irá conseguir na Rússia. Por exemplo, Paris tem praticamente garantida a venda de porta-helicópteros Mistral.
Na véspera da cimeira, Dmitri Medvedev fez um "amplo gesto de boa vontade" ao devolver a aldeia georgiana de Perevi às autoridades de Tbilissi, sublinhando que, desse modo, Moscovo cumpriu todos os parágrafos do acordo Sarkozy-Medvedev e retirou as suas tropas de todo o território georgiano.
Sarkozy elogiou este passo, mas recordou que ainda era preciso que os observadores da UE tivessem acesso aos territórios da Ossétia do Sul e da Abkházia, que os dirigentes europeus se "esqueceram" de colocar no território da Geórgia em Agosto de 2008, quando da assinatura do citado acordo. Mas, como se diz na minha terra, "tarde piaste, cantador!".
Falou-se também da abolição dos vistos entre a Rússia e a UE, mas as perspectivas apontam, segundo Sarkozy, para a abertura de fronteiras entre elas dentro de 10-15 anos.
Aqui, acho que as coisas poderiam andar mais depressa. Se a razão do adiamento dessa divisão é o receio de a Rússia se transformar num corredor para a imigração ilegal para a Europa, ela não tem fundamento, pois, já agora, só não entra no Velho Continente quem não quer.
Moscovo tenta forçar esse processo, mas preciso sublinhar que, para os europeus, conseguir um visto de entrada na Rússia e permanecer legalmente nesse país é mais difícil do que os russos fazerem o mesmo nos países da UE.
Neste campo, se me pedissem a minha opinião, eu recomendaria a direcção russa a abolir unilateralmente os vistos de entrada para os cidadãos europeus. Além de tirar proveitos disso, pois irá aumentar o caudal de turistas, homens de negócios, cientistas, etc., mostra que não receia tomar medidas ousadas de encontro à aproximação com a UE. E pouco ou nada tem a perder.
A Ucrânia fez isso há já alguns anos e o resultado foi o aumento de entrada de turistas, homens de negócios, etc., não tendo recebido notícias de que essa medida teve implicações negativas.
Sou um fervoroso adepto da aproximação entre a Rússia e a União Europeia, mas torna-se cada vez mais urgente que Bruxelas defina o que realmente quer das relações com Moscovo.
Quanto à NATO, trata-se de um problema mais complicado, mas também aqui a cooperação está e deve aumentar. A situação no Afeganistão e os perigos potenciais noutras regiões próximas exigem um trabalho estreito entre as partes. Não considero real a entrada da Rússia na Aliança, mas a situação obriga a uma cooperação mais profunda.  

13 comentários:

MSantos disse...

Cada vez mais se perfila um eixo euroasiático continental face ao atlantismo insular.

Cumpts
Manuel Santos

Governo Vergonhoso disse...

Que faz um pais falido a gastar milhares que rouba aos pobres numa cimeira feita para os russos? Sim, porque a única coisa que os russos querem é destruir a NATO. Este governo corrupto pensa que com isto fica na história? Ficará é por perder o comando de Oeiras. E com estas traições devia era ser expulso da NATO. Lá teremos de esperar o urso com um balde daquilo de que ele mais gosta da zona de Oeiras.

MSantos disse...

E pelos vistos, os EUA sofreram uma grande "perda" ao ter expulsado a cidadão russa Anna Chapman

http://dn.sapo.pt/inicio/pessoas/interior.aspx?content_id=1690133

:o)

Cumpts
Manuel Santos

HAVOC disse...

Primeiramente: O que é CIMEIRA? Essa palavra não existe no Brasil!!!

Bem, se CIMEIRA significar REUNIÂO, eu considero isso bem positivo, pois não há a presença indesejada dos americanos, é uma reunião tipicamente européia. Se outros países não foram convidados, é porque são insignificantes!

Quais são os principais países da Europa: São Rússia, França e Alemanha! O Reino Unido nem país é, é apenas o 53º Estado da Federação Americana!

A Europa precisa se integrar, e é exatamente o que estes 3 países estão tentando fazer! Quem vai ganhar com isso é apenas a Europa.

Com relação á Polonia, eu não vejo motivos para este país ser convidado para qualquer tipo de Cimeira ( ou Reunião ) que envolva a Rússia, pois Varsóvia sempre cuspiu na cara da Rússia, se prostituindo para o Capitólio para que seja instalado esses Escudos Anti-Mísseis e pressionando os seus capatazes ( Letonia, Estonia e Lituania) á executarem uma política Anti-Rússia!

E enquanto isso, o país-sede da NATO e União Européia ( Bélgica )está se desintegrando, como território. Este país está vivendo sem governo desde junho, e parece não haver fim para essa crise.

O país está dividido em dois: Os que falam francês, e os que falam Flamingo.

http://english.pravda.ru/world/europe/18-10-2010/115409-belgium-0/

Mais uma prova do fracasso que é a NATO ( ou OTAN ) e a União Européia!

Me parece que os dois territórios irão se separar, e nem a presença da sede da OTAN e da União Européia está evitando o país entrar em colapso!

PortugueseMan disse...

Gostei do artigo, está equilibrado a meu ver. Para não dizer que ando sempre a criticar...

Mas olhe que aquela do S-300... Você informe-se! está a induzir os seus leitores em erro!

...Este encontro mostrou uma vez mais que a União Europeia, no seu conjunto, não consegue fazer uma política externa concertada face à Rússia...

É praticamente impossível. temos 2 "facções" dentro da UE e uma delas é hostil para com a Rússia, dado que é necessário unanimidade para decidir o quer que seja, basta um para chumbar qualquer avanço em direcção à Rússia e é isso que temos assistido ao longo dos anos. Ou são os polacos, ou é a Rep. Checa, um dos países Bálticos...

...Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano ficou descontente por não ter sido convidado, os dirigentes polacos também não ficaram nada contentes por ficarem de fora e, quanto a Durão Barroso, não manifestou opinião nenhuma, ao que eu saiba, mas o certo é que também ficou por Bruxelas...

Os italianos só se voltaram mais a sério para a Rússia DEPOIS de verem para onde se estava a dirigir a Alemanha e a França.

Este eixo nasceu com Putin, Schroeder e Chirac, ESTES é que começaram a estabelecer ligações mais sérias com a Rússia, com Putin a puxar pela coisa.

A guerra do Iraque trouxe PROFUNDAS divisões tanto no seio da NATO, como no seio da UE.

Berlusconi, Aznar, Blair, Barroso, polacos, checos, etc, estavam todos ao lado de Bush. Todos membros da NATO, todos membros da UE. Aliás no encontro nos Açores, também se fez uma cimeira, apenas com ALGUNS (bem poucos) membros de ambas organizações.

França e Alemanha? Apelidados de "Velha Europa". Quem ganhou com isto? a Rússia. A Rússia ficou com dois aliados peso-pesados na Europa. E mesmo depois da saída de Schroeder e Chirac, pensou-se que esta amizade iria arrefecer, pois as cores políticas de Merkel e Sarkozy eram diferente em relação aos seus antecessores, mas supresa das supresas para muita gente, as ligações entre eles mantiveram-se.

Porquê? Porque estão a seguir os interesses nacionais e não os de potências estrangeiras, e apesar de cores políticas diferentes, a importância da Rússia para a Europa, não pode ser descartada.

Só com Prodi é que a Itália se aproximou da Rússia, mais a sério. Quando saiu também lhe foi oferecido um lugar na Gazprom para representar o South Stream, tal como Schroeder está no Nord Stream.

Quando Berlusconi voltou ao poder, lá viu que a importância da Rússia era enorme para a Europa (e para os italianos) e tal como fizeram os franceses e alemães, seguiu a linha do seu antecessor.

Relativamente aos polacos, estes não têm voto na matéria. Foram completamente cilindrados e ultrapassados com a criação do Nord Stream, a sua posição que era desfavorável a qualquer coisa que fosse russo, colocou agora os polacos numa situação difícil,como se pode ver pelos os acordos energéticos que estão agora a fazer com os russos. e com um sorriso amarelo.

Durão Barroso é APENAS um representante, não MANDA. E não podemos esquecer a sua posição antes. Foi um dos que contribuiu para a grande divisão entre países europeus, Barroso estava do outro lado da barreira quando as ligações entre França, Alemanha e Rússia aumentaram.

Pippo disse...

Nem me diga uma coisa dessas, meu caro MSantos. Qualquer dia até dão razão aos Haushofer e ao Dugin... :O)

O artigo está bom, isso tenho de o reconhecer. Evidentemente, não se pode esperar que a UE tenha uma plítica concertada pois a UE não é um país. Provavelmente, ao arrepio de certas mentes brilhantes, nem virá a ser uma Federação, o que até pode ser bom. Pelo menos poder-se-á evitar que se torne num nova URSS.

Quanto às políticas francesa e alemã, naturalmente protegem os interesses dos seus países. Imagino como seria se a Alemanha estivesse dependente de certas visões revanchistas que vingaram na Polónia até há bem pouco tempo...

PortugueseMan disse...

...Dmitri Medvedev fez questão de só aceitar o convite para participar na Cimeira da NATO em Lisboa, no próximo mês de Novembro, após o encontro trilateral, o que significa que deve ter recebido algumas garantias de que viaja à capital portuguesa não só para ficar na fotografia...

De certeza. E convém não esquecer que o tratado START, foi aceite pela Rússia, SEM estar na altura a situação do sistema anti-míssil tratada. E eu sempre disse (e continuo a dizer) que para a Rússia é inaceitável negociar uma coisa destas sem estar esclarecido a questão do sistema anti-míssil. Se chegaram a um acordo, algo mais foi acertado, embora não o saibamos.

...Na política de modernização proclamada pelo Kremlin, quem for mais ágil, mais irá conseguir na Rússia. Por exemplo, Paris tem praticamente garantida a venda de porta-helicópteros Mistral...

Meu caro, não foi a França que foi bater à porta dos russos para vender os porta-helicopteros, como também não foi a Alemanha que foi bater à porta para vender a Opel.

É a Rússia que se mexe, para tentar importar tecnologia.

...Sarkozy elogiou este passo, mas recordou que ainda era preciso que os observadores da UE tivessem acesso aos territórios da Ossétia do Sul e da Abkházia...

Mas eles podem ir lá meu caro... Claro que têm que os tratar como países e aqui começam os problemazinhos...

...Quanto à NATO, trata-se de um problema mais complicado, mas também aqui a cooperação está e deve aumentar. A situação no Afeganistão e os perigos potenciais noutras regiões próximas exigem um trabalho estreito entre as partes. Não considero real a entrada da Rússia na Aliança, mas a situação obriga a uma cooperação mais profunda...

Dado os interesses completamente divergentes entre Rússia e EUA, será impossível um entendimento sério a nível da NATO.

Não tenho grandes esperanças a um aprofundar da cooperação, podemos ver alguns ajustes em relação ao Afeganistão, mas mesmo para aí é complicado.

E não sei se Obama irá conseguir ficar mais um mandato e se for para lá um republicano..., pode esquecer qualquer tipo de entendimento, as coisas vão aquecer, temos vários assuntos pendentes que estão em banho maria com Obama.

E o Àrtico...

Anónimo disse...

O Alone Hunter me envengonha...

Nuno B. disse...

Também não é fácil para os russos ficarem na Europa, podem acreditar.

Abrir a Rússia? Acho que é mais uma questão de orgulho.

Estarão eles preparados para contactarem na rua com cidadãos de nações mais ricas?..

Jest nas Wielu disse...

Quem se recusar a acreditar que a Rússia é uma anti-Europa vai convencer-se disso da pior forma…

Partes da entrevista do Mikheil Saakashvili à revista GQ (Rússia), Outubro de 2010:
http://aillarionov.livejournal.com/238577.html

PortugueseMan disse...

Se você continuar a ler o que Mikheil Saakashvili diz, é natural que não veja bem as coisas como elas são.

Sabe esse sujeito se calhar prepara-se para comer mais uma gravata...

Vai ser pressionado pelos states para mudar a sua posição em relação ao WTO...

Jest nas Wielu disse...

2 PortugueseMan

Quer Mikheil Saakashvili, quer os seus ministros, por exemplo Ivane Merabishvili, dizem coisas lógicas, razoáveis e inteligentes, o vosso ídolo pagão só diz as coisas do tipo “killar nos retretes” e “fazer a circuncisão total”, como se diz em russo, sintam a diferença.

Em Agosto de 2008 eu também comia a gravata, temendo pela Geórgia, por isso não vejo as razões de se envergonhar nem por mim, nem pelo Presidente Saakashvili.

E se em troca da posição sobre WTO, Geórgia receberá os méis para a sua defesa nacional, quem é que perderá com isso?

p.s.
No dia 31 de Outubro de 2010 entra em vigor o Acordo entre Ucrânia e Espanha relativo ao reconhecimento mútuo e a troca de cartas de condução nacionais:
http://ucranianosenmadrid.com

Anónimo disse...

Artigo Legal!