sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Energia, extremismo e Jerusalém Oriental: influência da expansão da Rússia no Médio Oriente


Texto traduzido e enviado pelo leitor Pippo: 

"O que é que os desenvolvimentos recentes na política externa russa para o Grande Médio Oriente nos informam sobre os planos de longo prazo para o envolvimento de Moscovo na região?

por Closson Stacy para RUSI.org

Nas últimas semanas, os líderes russos têm mantido "pela primeira vez em muito tempo" reuniões com líderes do Afeganistão e do Paquistão, e reiterou o apoio da Rússia a uma Palestina independente. 
Quais são os objectivos de Moscovo? Será este um jogo a curto ou longo prazo no Grande Médio Oriente?Visarão estas recentes manobras atender a necessidades imediatas, ou serão ela um meio para restaurar o papel moscovita na política das grandes potências?

O renascimento das ambições de Grande Potência da Rússia, estimulado pela sua expansão económica na década de 2000, foi marcada pela sua oposição à guerra dos EUA no Iraque e, talvez tenha visto o seu ponto mais baixo com a recente crise financeira. Na sequência de uma recessão sem precedentes entre os G-20, a Rússia aceitou os apelos da nova Administração dos EUA para uma redefinição das relações mútuas. Isso levou a cooperação russa nas sanções contra o Irão por causa do seu programa nuclear, a disponibilização de um corredor para o equipamento da NATO para o Afeganistão, e o reavivar das negociações de paz no Médio Oriente.
 
Isso não significa, contudo, que o governo russo tenha abandonado as suas ambições de grande potência, como o indica a Estratégia de Segurança Nacional de 2010, ou que tenha trocado uma abordagem em que todos ganham (“win-win approach”, no original) por um jogo realista que dê soma “zero”. Também não sugere que a Rússia esteja a regressar ao Grande Médio Oriente para tirar proveito de uma América fraca, pois isso seria dizer que a Rússia tinha estado ausente deste região, e a posição dos Estados Unidos no Médio Oriente no pós-Guerra Fria nunca foi assim tão forte.

Pelo contrário, concordo com aqueles que, como Mark Katz, da Universidade George Mason, sugerem que a reaproximação da Rússia ao Grande Médio Oriente é uma aposta realista a médio prazo destinada a auxiliar uma economia em dificuldade e conter a insurgência muçulmana dentro das suas fronteiras, no Norte do Cáucaso.

Emendando uma economia
A economia da Rússia foi atingida de forma excepcionalmente dura pela crise financeira, e o fundo de estabilização está actualmente esgotado. Por agora, o preço do petróleo recuperou, mas a Rússia precisa de uma injecção de capital no sistema, a fim de diversificar a sua economia.

Os líderes da Rússia têm uma oferta tripartida de venda de armamentos, tecnologia nuclear para fins civis, e petróleo e gás, e o Irão, Síria, Argélia continuam a comprar armas russas. A Rússia quer construir centrais nucleares civis do Norte de África e no Levante e tem significativos investimentos na área da energia na Argélia, Líbia, Irão, Iraque e Arábia Saudita.

Um dos seus melhores clientes na região é o Irão, a quem a Rússia vende armas e centrais nucleares, e onde investe em campos de hidrocarbonetos. Por outro lado, é cada vez mais reconhecido entre os funcionários em Moscovo que o desejo do Irão de desenvolver um programa de armas nucleares e mísseis de longo alcance também representam uma ameaça. Enquanto a Rússia continua a opor-se fervorosamente a um ataque militar contra o Irão, também parou o processo de venda dos mísseis S-300, o que prejudicou as suas relações com o regime iraniano.

Teoricamente, a instabilidade no Iraque e no Irão, e as contínuas tensões com os Estados Unidos, permitem às empresas russas cimentar acordos energéticos com estes dois países e promover esforços para evitar a entrada de energia no mercado europeu. Relativamente a este último ponto, no entanto, a Rússia tem de lutar com o objectivo da Turquia, com o apoio ocidental, de servir como corredor energético do Irão e do Iraque para a Europa.

Os recursos energéticos da Ásia Central poderiam servir como fonte para a Península Arábica. A Gazprom está interessada em participar na construção de um gasoduto que ligará o Turquemenistão à Índia, passando através do Afeganistão e do Paquistão. A Rússia poderá encarar este projecto como uma forma de reinserir-se na Ásia Central, algo já testado recentemente com a abertura de novas rotas para o gás com o Irão e China. Como o gás natural, em particular de GNL [Gás Natural Liquefeito], entrou para o mercado como sendo uma mercadoria comercializada globalmente, a Rússia tentou criar um cartel do gás com, entre outros, o Qatar e o Irão.

Limitar a uma insurgência
Os muçulmanos da Rússia são, pelo menos, um sétimo da população do país, e os seus números continuam a crescer. O aumento da violência no Cáucaso do Norte e o ataque ao aeroporto de Domodedovo são lembretes para o governo russo de que deve promover melhores relações com o mundo muçulmano a fim de evitar alienar os muçulmano e fazer da Rússia um alvo dos sunitas radicais.

Para este efeito, o apoio da Rússia à criação de um Estado palestino pode ser visto como uma continuidade histórica e uma oportunidade para enviar uma mensagem ao mundo muçulmano de que a Rússia nutre simpatia para com a sua causa.

envolvimento da Rússia com a liderança do Irão, da Síria, com o Hamas na Palestina e o Hezbollah no Líbano, continuará, para consternação dos norte-americanos e dos outros governos ocidentais.Simultaneamente, Moscovo terá o cuidado de manter os seus laços comerciais com Israel.

Em relação ao Afeganistão e Paquistão, a Rússia está a antecipar um dia em que uma retirada dos EUA poderá deixar um vácuo de insegurança na Ásia Central, e sugeriu que a OTSC deverá ser a organização líder a nível da segurança regional. Como a Estratégia de Segurança Nacional de 2010 sugere, a Rússia tem preocupações reais sobre as ameaças provenientes da Ásia Central, incluindo as ameaças associadas à “migração incontrolada e ilegal, drogas e tráfico de seres humanos, e outras formas de crime organizado transnacional.

Para a Rússia, a presença dos EUA no Afeganistão desafia a sua reivindicação de ter um papel especial em relação aos Estados da Ásia Central. Enquanto inicialmente a Rússia lutou, juntamente com a China, contra o prolongamento das bases militares americanas na região, agora enfrenta ameaças muito reais do Afeganistão caso os EUA abandonem a região. Além disso, a China está mais assertiva na Ásia Central, o que traz seus próprios problemas, algo que a presença americana na região actualmente contrapõe.

De acordo com especialistas no Centro Carnegie de Moscovo, a Rússia apoia, na sua essência, os objectivos da coligação liderada pelos EUA de impedir que uma vitória do Taliban. Durante a era do domínio talibã no Afeganistão (1996-2001), o Quirguistão, o Tadjiquistão e o Uzbequistão estavam sob constante pressão por parte de extremistas locais com ligações com o Afeganistão. Naquele tempo, Moscovo tinha poucas opções para oferecer ajuda ao seu "estrangeiro próximo".

Consequentemente, a Rússia tem procurado formas de melhorar os níveis de segurança no Afeganistão.Além de enviar helicópteros de transporte para o governo de Karzai, também se tem envolvido, para desgosto da liderança afegã, em operações anti-narcóticos. As últimas negociações também parecem ter resultado no reavivar dos projectos de desenvolvimento da era soviética.

Rússia suspeita que os extremistas muçulmanos nos santuários no Paquistão, na fronteira com o Afeganistão, tenham ligações com os militantes do Norte do Cáucaso e do Movimento Islâmico do Uzbequistão na Ásia Central. As actuais conversações de segurança entre a Rússia e o Paquistão são um desenvolvimento interessante, mas ainda não se registaram os avanços desejados dado que a intensa rivalidade, que remonta à guerra soviética no Afeganistão, tem provado ser um obstáculo considerável à aproximação entre os dois países.

Conclusão 
Todas as tentativas da Rússia em participar construtivamente nos esforços multilaterais no Grande Médio Oriente são susceptíveis de ser saudados por todos os lados, mas com múltiplas parcerias corre-se o risco de se alienarem alguns parceiros (o Paquistão e a Índia, o Hamas e a Fatah, o Irão e Israel, o Hezbollah e o Líbano).

Da mesma forma, o relacionamento da Rússia com o Irão parece complicado. A Rússia poderia restabelecer a venda de mísseis S-300 ao Irão, e poderá fazê-lo a fim de proteger seus investimentos em energia ou assegurar-se que o Irão permanece fora do seu "estrangeiro próximo", particularmente o Azerbaijão e Tajiquistão.

Algo que a Rússia não apoiará é a promoção da democracia no mundo árabe por parte do Ocidente: o silêncio das autoridades russas sobre o desenrolar dos acontecimentos na Tunísia e no Egipto é disso exemplo. As revoluções seguem padrões semelhantes aos dos estados pós-soviética da Geórgia e da Ucrânia. O governo russo não quer dar qualquer legitimidade a revoltas populares que expulsaram líderes autoritários que manipulam as eleições em seu favor.

No fim das contas, Moscovo está a jogar um jogo realista a curto prazo para fortalecer sua economia e conter uma insurgência islâmica crescente. No seu estado actual, a Rússia simplesmente não dispõe de meios para angariar influência suficiente para se envolver em política de Grande Potência no Grande Médio Oriente. No futuro, os esforços da Rússia poderão originar um diálogo mais amplo com vista à contenção da ameaça de uma insurgência islâmica. A Rússia poderá também desempenhar um papel de intermediário entre o Ocidente e o Irão, e projectos de energia na região deverão ter um efeito positivo no mercado. Dito isto, é provável que nem a América nem a Rússia alguma vez venham a recuperar o grau de influência que tiveram na região durante a Guerra Fria.

Stacy Closson atualmente leciona política externa e de segurança russas na Escola Patterson de Diplomacia e Comércio Internacional. Anteriormente leccionou no Woodrow Wilson Center for International Scholars, em Washington, DC, e do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, em Berlim.

1 comentário:

PortugueseMan disse...

Caro Pippo,

Bom esforço de tradução. Não existem muitos artigos deste género em Português.

Continue.

Cumprimentos,
PortugueseMan