sexta-feira, fevereiro 11, 2011

O Presidente "ferroviário" ou sintoma de degradação total

Ontem, como relatei no post anterior, o Presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, decidiu inspeccionar uma estação de caminhos de ferro e ficou furioso ao constatar que as suas ordens não foram cumpridas nem pela polícia, nem pelos ferroviários. Não obstante o anúncio do reforço das medidas de segurança depois do atentado terrorista no Aeroporto Domodedovo, Medvedev encontrou as portas escancaradas a qualquer terrorista.
Em prol da verdade, deve ser dito que esta visita foi realmente feita de surpresa, sem preparação prévia, como é típico no país onde foram inventadas as "aldeias de Potiomkin" em meados do séc. XVIII. Reza a lenda que, quando da visita da Imperatriz Catarina II à Crimeia, que tinha sido acabada de conquistar aos turcos, o príncipe Potiomkin, um dos muitos amantes da dita czarina, construiu fachadas de casas para mostrar a "felicidade" em que vivia o povo.  Actualmente, as técnicas são outras, até se pinta de verde a relva para ficar mais vistosa.
Hoje, o Presidente foi inspeccionar o Aeroporto Vnukovo de Moscovo e encontrou tudo em ordem. Não sei se a acção foi previamente ensaiada, mas o facto é que as medidas segurança eram bem visíveis e até Medvedev teve de se sujeitar a eles.
"No nosso país compreendem tudo literalmente. Se o atentado foi no aeroporto, é lá que se começam a mexer", explicou o dirigente russo.
Estas inspecções de Dmitri Medvedev, ou mais precisamente, o facto da sua realização, são preocupantes por várias razões. Primeira, num país com pretensões a potência mundial, tem de ser o Presidente a preocupar-se com a segurança numa estação de caminho de ferro, como se não existissem um governo, serviços secretos, polícias, etc., etc.
Se isto se transformar em tradição, o dirigente do Kremlin não terá tempo nem para dormir, nem para comer.
Segunda, Dmitri Medvedev pôde constatar que o seu poder parece não ir além das paredes do Kremlin. As suas ordens diluem-se na desorganização e corrupção total no país.
E se as suas ordens não saiem do papel, o que esperar da sua política de "modernização" da economia e de democratização do tecido social e político russo, de transformação da "milícia"em polícia? Muito pouco.
Terceira, ficou mais uma vez evidente que o Presidente não manda no país, embora a Constituição lhe dê enormes poderes, e que os que realmente mandam estão preocupados com outros problemas que não segurança dos cidadãos.
E isto irá continuar a acontecer enquanto o poder continuar a considerar que pode prestar contas aos cidadãos em eleições onde  os políticos são os mesmos; onde , ontem, Dmitri Medvedev foi a alternativa a Vladimir Putin; hoje, Putin é a alternativa a Medvedev e, amanhã, volta-se ao princípio e tudo se repete por muitos anos.
Numa situação destas, é difícil ver o aparecimento de alternativas reais a este sistema. A política de "terra queimada" em redor não permite o aparecimento de novas ideias e de novas forças, fazendo apenas ressurgir fantasmas como o nacionalismo.
P.S. Se algum leitor vier dizer que em Portugal, EUA, etc. as coisas são semelhantes, respondo: este blog chama-se "darussia". Além disso, recordo que a russofilia significa admirar o povo russo, as suas tradições, cultura, etc., e não cantar hossanas ao poder na Rússia.


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11 comentários:

Cristina disse...

Considero este um dos mais interessantes e verídicos posts do JM sobre a Rússia. Resume muito do que andamos todos a dizer.
Tal não significa que não haja coisas positivas no país, mas estes aspectos são de facto preocupantes.
Ontem estive a (re)ler a Anna Karenina e o mais curioso é que já naqueles tempos havia os mesmíssimos problemas, ou seja, por muito que o mundo mude, há coisas na Rússia que nunca mudam.

PortugueseMan disse...

Realmente eu também tenho críticas sobre estas actuações de Medvedev.

Para mim o homem está a demonstrar sinais de insegurança, o que não é bom.

Célere em demissões, sem saber exactamente o que aconteceu. Passa atestados de estupidez com frases como a que indica, ...No nosso país compreendem tudo literalmente. Se o atentado foi no aeroporto, é lá que se começam a mexer...

Sente a necessidade de ver com os próprios olhos a segurança de uma estação ferroviária, porque parece que não acredita nos relatórios que vai recebendo.

Atestados de estupidez, demonstra falta de confiança nas estruturas existentes e ainda é selectivo nos russos que morrem.

Eu não me lembro de ver demissões, "visitas" e seja lá o que fôr no Cáucaso. Nesta zona pessoas morrem, polícias são mortos, esquadras atacadas, porque não o vi a ele ver como a segurança está lá a ser tratada? Porque não vai lá ele resolver os problemas de segurança no Cáucaso? Porque não vai lá ele explicar àqueles cidadãos russos de segunda categoria (afinal parece que só se preocupa com estas coisas quando elas se passam em Moscovo), como se implementa a segurança na zona?

Bom, defina objectivos concretos, selecione pessoas concretas, desde o chefe até à empregada de limpeza e depois quando houver o próximo atentado (e que vai haver de certeza), ele já sabe QUEM foi que definiu os objectivos e escolheu as pessoas para os cargos. Assim ainda poderá ser mais célere na demissão óbvia.

Confesso que ver Medvedev a seguir por este caminho, na minha opinião não vai muito longe.

PortugueseMan disse...

Caro JM,

Algo que também vai dar que falar muito possivelmente:

WikiLeaks cables: US agrees to tell Russia Britain's nuclear secrets

The US secretly agreed to give the Russians sensitive information on Britain’s nuclear deterrent to persuade them to sign a key treaty, The Daily Telegraph can disclose.

Information about every Trident missile the US supplies to Britain will be given to Russia as part of an arms control deal signed by President Barack Obama next week.

Defence analysts claim the agreement risks undermining Britain’s policy of refusing to confirm the exact size of its nuclear arsenal.

The fact that the Americans used British nuclear secrets as a bargaining chip also sheds new light on the so-called “special relationship”, which is shown often to be a one-sided affair by US diplomatic communications obtained by the WikiLeaks website...


http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/wikileaks/8304654/WikiLeaks-cables-US-agrees-to-tell-Russia-Britains-nuclear-secrets.html#

Pedro disse...

Este artigo de facto mostra que as coisas não estão bem em termos de segurança.
A Rússia já vem sofrendo ataques deste tipo desde há mais de uma decada e parece que não toma as medidas drasticas como deveria ser, e sem andar sempre atrás do prejuizo.

As chefias tem de ser responsabilizadas e por vezes tem de rolar cabeças, mas isso só por si não chega. É o mais facil. Despede-se um chefe de segurança e pronto. Esta é um tique que já vem dos tempos Sovieticos, por exemplo os engenheiros e cientistas ficavam borrados sempre que um lançamento de um foguetão falhava, pois a medida mais facil era rolar cabeças. Putim também tem essa escola e Medvedev também.
No entanto em algumas situações ela pode ser boa, pois os responsáveis tem de sentir que exsite mão dura poi senão não fazem nada.

As coisas tem de ser pensadas de raiz implementadas com rigor sem ser após os atentados. tudo o que é Sistemas de transporte publico, Locais de grande afluencia de pessoas, aviões etc tem de implementar um sistema de segurança digno. Pode ser impossível evitar todos os atentados, mas quantos menos ocorrerem melhor.

Pippo disse...

Nada de novo, JM, é apenas a perpetuação da tipicamente russa centralização de poderes nos lugares cimeiros.

Na componente militar, por exemplo, eram os oficiais russos quem, com enorme desprezo pela sua segurança pessoal, dirigiam o tiro dos seus soldados durante a Guerra Russo-Turca de 1876-77.

Ainda me lembro de ler analises de operações militares soviéticas no Afeganistão e uma das coisas mais evidentes é que a preparação de missões ao nível de companhia era efectuada pelo comandante do batalhão, quando não mesmo do regimento, até ao mais ínfimo pormenor!
Ou seja, não havia delegação de competências nem responsabilização (e consequente recompensa/punição) dos quadros inferiores, isto é, os oficiais de baixa patente e sargentos, algo que é comum nos exércitos Ocidentais.

Acredito piamente que o actual sistema russo mantenha o esquema soviético, o qual seria similar ao da Rússia Imperial.

Portanto, as visitas presidenciais são plenamente justificadas, à luz da mentalidade acima descrita.

O que deve ser feito é insistir-se na delegação de competências, com as consequências, boas e más, que daí possam advir.

Manolo Heredia disse...

O "nosso" Salazar gabava-se de ter feito uma coisa semelhante: foi às princiais repartições públicas, às 9 horas da manhã, ver quem lá estava. Assim conseguiu despedir uma data de funcionários públicos e meia dúzia de directores gerais (aqueles que lhe interessava despedir, claro).
Produzir e poupar, lá dizia Salazar!

Anónimo disse...

É verdade, Milhazes!
Resido na Rússia e não me canso de me surpreender com as distorções no papel do presidente da Rússia. Em nenhum país dessas dimensões, um presidente surge frequentemente na televisão tratando de assuntos que não deveriam ser de sua atribuição, como por exemplo os problemas do trânsito de Moscou. Imagine vocês, leitores, o que não deve passar na cabeça de um habitante de um lugar distante de Moscou, como, por exemplo, Ulan-Udé, na Buriatia, ao ligar a televisão e ver o presidente do país a tratar dos congestionamentos de Moscou ou da segurança de uma estação de metrô! Ele imaginará que essa casta subterrânea que governa a Rússia não subtrai-lhe o direito de eleger seu alcaide, seu governador, seus políticos. São todos indicados por Moscou, essa é a razão pela qual o presidente fala pelo governador, fala pelo alcaide. Fala por todos, o que na prática significa que não fala por ninguém. O habitante de Ulan-Udé pensa consigo mesmo: "eles lá a resolverem os assuntos menores de Moscou, e eu aqui em minha miséria "buriática", ninguém olha por mim, nem posso escolher aqueles que deveriam resolver os meus problemas. E, desgraça maior, não posso morar em Moscou, não posso trabalhar em Moscou. O país funciona somente para Moscou e eu nem posso tentar a sorte lá".
Esse sistema político da Rússia é uma desgraça, sobretudo quando se considera que a Rússia é um país continental.
Assistir ao presidente Medvedev entreter-se com assuntos do alcaide ou do policial de plantão - é o fim da picada!

MSantos disse...

Tudo que foi dito, quer no artigo, quer nos comentários em especial o do Pippo que tocou verdadeiramente na ferida,constitui a prova comprovada que o ultraliberalismo tal como os antagonistas do regime russo lhe querem impôr e apresentam como única via, nunca poderá funcionar dado constituir uma mistura de libertinagem e corrupção, sem iniciativa mas com muito oportunismo degenerando na anarquia estilo Chicago anos 30 a que se assistiu nos anos 90.

Mesmo pressopondo o modelo neoliberal como um sistema honesto e viável deveria ser evidente para essas mentalidades "iluminadas" e desejosas de exportar "liberdade" e "democracia" que tal nunca será compatível com a presente mentalidade e maneira de ser,russas.

Sobre o caminho para construirem uma sociedade melhor e mais justa, só os russos o poderão trilhar e não será apadrinhando qualquer oposição que surja, que os vamos ajudar, muito antes pelo contrário.

Dado serem muito susceptíveis a ingerências, tudo isto ainda faz reforçar mais a fortaleza e fechá-la no seu casulo.

Cumpts
Manuel Santos

MSantos disse...

Sobre o Wikileaks, este continua a fazer vítimas em Estados amigos dos EUA, outros menos amigos, e claro, na actual administração americana.

Cumpts
Manuel Santos

José Manuel disse...

O Medvedv teve sorte em mão ir incógnito, senão ainda lhe acontecia como à personagem da peça de Gogol "O Inspector Geral".

Anónimo disse...

Vejo uma boa evoluçao na Russia, isso encomoda muitos paises, vocês nao conhecem realmente a politica america é podre, eu morei na California 5 anos, nunca mais voltarei e tem mais se deixarem os E.U.A dominam todo o mundo .
Eu admiro a Russia sim.