sábado, julho 16, 2011

Blog do Leitor (Como a Sibéria abastecerá a energia da sequiosa China)


Texto traduzido e enviado pelo leitor Manuel Santos:

Oleg Deripaska, um dos homens mais ricos da Rússia, está a investir biliões de dólares em novas centrais hidroeléctricas na remota Sibéria para exportar a electricidade produzida para a China e facturar com a sua ascendente economia. O repórter da BBC, Daniel Sandford visita este último projecto.

Para chegar à barragem de Boguchanskaya no leste da Sibéria, gasta-se 90 minutos de avioneta desde a cidade mais próxima.
Serpenteando através do denso matagal da taiga, correm as águas do imenso e majestoso Angara, o único rio que flui do Lago Baikal e o grande abastecedor do Yenisei que corre em direcção ao Ártico.
O Angara já conta com três represagens prévias, em Irkustsk, Bratsk e Ust-Llimsk.
Neste momento uma quarta hidroeléctrica está quase finalizada em Boguchanskaya, próximo de Kodinsk e começará a gerar energia em Abril de 2012.
O leste da Sibéria já produz mais energia do que consome. Logo porquê os planos de cada vez mais centrais hidroeléctricas?
A resposta reside no enorme mercado de consumo de electricidade da China, a centenas de quilómetros. A China solicitou o fornecimento de 60 biliões de kWh/ano por volta de 2020, suficientes para as necessidades da Grécia ou Hong Kong.
“Será uma oportunidade única em que a Rússia poderá benificiar também do crescimento asiático” refere Oleg Deripaska, o presidente da En+ e administrador do gigante dos alumínios Rusal e co-proprietário da barragem de  Boguchanskaya.
“Creio que o produto interno bruto das províncias siberianas poderá triplicar em 15 anos. Será impensável não aproveitar esta oportunidade. Temos tudo: recursos humanos, competências, tecnologia e um mercado próximo.”
A barragem de  Boguchanskaya tem 9 turbinas de grande porte. Quando todas estiverem a trabalhar, a barragem poderá debitar uma potência de 17 biliões de kWh/ano.
Muita desta energia será usada numa nova unidade de produção de alumínio da Rusal, mas qualquer excedente irá para a rede eléctrica russa e será disponibilizada para exportar para a China. Um exemplo de como se transforma água em dinheiro.

Aldeias queimadas

A enorme barragem, tal como outras igualmente grandes noutros pontos do mundo, constitui uma imagem espantosa. Tem um comprimento de 3 quilómetros, a estrutura de betão vai a uma altura de 80 metros, tendo a albufeira, uma profundidade de 70 metros.
Mesmo por cima desta represa, O Angara continua como foi durante milhares de anos, largo em centenas de metros e de curso rápido. Os pequenos establecimentos populacionais que nasceram nas suas margens nos últimos 300 anos tornaram-se aldeias de aspecto turístico de casas de madeira. Agora estão a ser todas queimadas de modo a que quando a área for inundada, os destroços não venham a obstruir a nova barragem.
Alexander Bryukhanov viveu em tempos em Kezhma, uma cidade de 10.000 pessoas.
A sua população sobrevivia da pesca e da agricultura, totalmente isolados do mundo extrior. Com o correr dos anos, a população desta cidade mudou-se para blocos de apartamentos de estilo soviético em cidades modernas e cinzentas como Kodinsk.
“A maior tragédia passa-se com os velhos” refere Bryukhanov. “Começam a morrer cerca de um ano após a mudança. Tudo por causa de perderem as suas casas, as suas quintas, os vizinhos, a troco de apartamentos apenas com uma televisão como companhia.”
Alexander Bryukhanov leva-nos até outra aldeia, Prospikhino, que já teve uma população de 5000 pessoas. Apenas um punhado de casas ainda subsiste sendo as restantes já madeira queimada e fundações. Alguns cavalos selvagens banham-se num pequeno afluente do Angara.
Prospikhino ainda não está totalmente vazia. Konstantin Poddubny chega na sua velha mota Ural com sidecar. Ele recusa-se a sair, porque refere que o esquema de compensações é uma fraude que priva as pessoas daquilo que é seu.
“As autoridades vão queimar todas as casas que restam. Depois teremos problemas em arranjar um apartamento na cidade. Já muita gente passou por isso.”
“ As autoridades prometem-lhes apartamentos, eles abandonam o lugar, as casas são queimadas e aí dizem-lhes que se não há casa, não há apartamento. Ao mesmo tempo pessoas que não têm nenhuma relação com as nossas aldeias ficam com apartamentos.”
Poddubny refere que ninguém na Sibéria necessita de novas centrais. “Existem outras centrais neste rio que só estão a produzir a meio da sua capacidade. Isto é apenas para exportar para a China.”

Ecosistema frágil

Os grupos de ambientalistas referem que o impacto das centrais existentes no Angara nunca foi positivo. Partes do rio transformaram-se em zonas pantanosas, tendo as árvores enterradas alterado a química da água.
“Eles afirmam que constróiem novas barragens nos rios siberianos de modo a que os chineses não emitam mais gases para o efeito de estufa.”, segundo Alexander Kolotov, da Rivers International.
“Obviamente a questão será se estaremos na disposição de destruir o ecosistema, matar os rios siberianos e inundar vastas florestas apenas para salvar o mundo das emissões de carbono chinesas.”
Muitas mais barragens estão planeadas para a bravia Sibéria oriental, para saciar a electricidade da sequiosa China.
Segundo Oleg Deripaska, essas barragens ajudarão a transformar a Sibéria no próximo Canadá: rico em recursos e uma história de sucesso do ponto de vista económico.

http://www.bbc.co.uk/news/world-13782406

7 comentários:

Cristina disse...

Bom artigo. Gostei

Anónimo disse...

Desde que seja em beneficio dos grandes interesses económicos existem sempre todos os argumentos para aplaudir?

Seria util explicar as razões porque os Russos se recusam construir pipeline para fornecer o gas e petróleo que a China necessita. Tendo que estender milhares de Km de tubarias a partir dos portos da Birmânia para contornar o super vigiado Estreito de Malaca. Ou do Irão atravessando toda a Ásia Central.

Jest nas Wielu disse...

Queimar as casas das pessoas para que “os destroços não venham a obstruir a nova barragem” é uma decisão tipicamente a-la russ. E onde estão os direitos dos cidadãos? Os direitos dos povos locais? Património cultural? Será que Deripaska não poderia ordenar a remoção ordeira das casa? Podia, mas quem é que quer saber...

fabio disse...

em pouco tempo a China vai perceber que o Estado Russo é um entrave para a energia da Sibéria e vai eliminá-lo.

PortugueseMan disse...

Caro MSantos,

Dado que o tema é energia, mais concretamente o fornecimento da energia eléctrica. É interessante acrescentar as centrais nucleares flutuantes que a Rússia está a contruir.

Já existe uma FNPP (Floating Nuclear Power Plant) que foi lançada no ano passado e estão previstas 7 até 2015.

Dado o interesse crescente no Ártico, a Rússia dá um passo muito importante para fornecimento de energia a zonas remotas. Mas dado o desenfreado crescimento energético chinês, este parece-me um mercado "natural" para este tipo de solução. Pois a China muitas vezes tem problemas no abastecimento eléctrico em certas zonas e esta solução permite colmatar o problema temporáriamente até se resolver os problemas energéticos de determinada zona.

MSantos disse...

Caro PM

Recordo-me de já termos falado sobre essas centrais nucleares flutuantes.

Sobre esta questão das barragens, tudo seria perfeito se houvesse uma relocação devida das populações, se houvessem cuidados mínimos no impacto ambiental e claro, se a Sibéria e a Rússia em geral vierem mesmo a beneficiar disso, o que me parce questionável dado o ambiente de grande corrupção e dado a qualidade destes oligarcas muitas vezes mais preocupados em adequirir bons iates ou clubes de futebol do que apostar no sector produtivo.

Dado que o homem vai instalar uma indústria do alumínio, talvez nesse aspecto seja conveniente dar-lhe o benefício da dúvida. De qualquer das formas começa já mal no que diz respeito às populações e atribuições de casas.

Cumpts
Manuel Santos

Pippo disse...

Muito interessante, MSantos!

De uma assentada referem-se duas questões importantes, a saber, a orientação asiática da Pol Ext económica russa, e as consequências ambientais e humanas desse processo, o que é algo raramente referido nas notícias.