terça-feira, junho 10, 2014

Camões: o maior dos nossos poetas na Rússia.


O escritor Luís de Camões, a par de Fernando Pessoa, é um dos poetas lusófonos mais traduzidos para língua russa, podendo, neste campo, competir com outros nomes da poesia a nível mundial.
O maior homem das letras portuguesas começou a ser conhecido na sociedade russa em meados do séc. XVIII, numa altura em que se assistia precisamente à aproximação das cortes de Lisboa e de São Petersburgo.
O enciclopedista, poeta e escritor russo Mikhail Lomonossov vai buscar aos Lusíadas exemplos para ilustrar os géneros de versificação, bem como figuras de estilo literário na sua obra “Breve Compêndio de Retórica”, publicado em 1744.
O seu conhecimento da obra épica de Camões é de tal forma grande que levou Iúri Lotman, um dos pais da semiótica, a considerar que Lomonossov sabia português, tanto mais que, em alguns dos seus manuscritos, o fundador da primeira universidade da Rússia aponta para a consulta da “gramática portuguesa, léxico, Camões”.
É também visível a influência dos Lusíadas no poema épico de Lomonossov “Pedro, o Grande”, onde o poeta canta os feitos de um dos maiores czares russos.
O exemplo dos Lusíadas na composição de poemas épicos russos é seguido por outros homens das letras russas também no século XIX. Os estudiosos encontraram entre os papéis do poeta Vassili Jukovski notas sobre a leitura da obra de Camões antes de escrever o poema épico “Vladimir”.
Este poeta escreveu a tragédia “Camões”, sobre a morte do português, que era frequentemente representada nos teatros russos.
No século XIX, Alexandre Pushkin, o maior dos poetas russos, teve a ideia de escrever o poema épico “Ermak”, sobre o explorador russo que conquistou parte da Sibéria. Evgueni Baratinsk, outro poeta, escreve ao seu amigo Pushkin a propósito: “Dizem que, quando essa notícia chegar ao Parnaso, Camões ficará atónito. Que Deus te abençoe e te dê força para esse grande feito”.
No séc. XX, a obra épica de Camões continua a gozar de popularidade na Rússia. O poeta Valeri Briusov, quando escrevia o poema épico Atlândida (que ficou inacabado), deixou nas suas notas traduções de versos dos Lusíadas.
O autor da primeira tradução em russo dos “Lusíadas" morreu no cerco de Leninegrado, na II Guerra Mundial, antes de conseguir publicar o livro pelo que a obra maior de Camões só foi editada naquele país em 1988. 
Ao longo dos séculos, partes do livro foram traudzidos para russo, mas a primeira versão poética integral da mais importante obra épica da língua portuguesa acabou por ter uma história trágica. Iniciada nos anos 30 do século XX, o tradutor, Mikhail Travtchetov, chegou a entregar a tradução na tipografia, mas o projeto falhou devido à Segunda Guerra Mundial. 
Travtchetov morreu durante o cerco de Leninegrado, mas o manuscrito foi salvo e encontra-se na Biblioteca Nacional da Rússia. No entanto, a sua publicação não se realizou por falta de apoio das autoridades portuguesas, apesar de vários críticos reconhecerem a qualidade da sua tradução.
Os Lusíadas só foram integralmente publicados na Rússia em 1988, mas a obra épica de Camões foi bastante conhecida no país e chegou a ser parcialmente traduzida em prosa desde o século XVIII.
O terceiro canto dos Lusíadas, ou mais precisamente, a sua tradução em prosa a partir do francês para russo, foi publicada na Rússia em 1779, desconhecendo-se o seu autor.
Em 1788, Alexandre Dmitriev publica uma tradução completa dos Lusíadas, mas também em prosa, a partir do francês. Mais de cem anos depois, em 1897, o literato Alexandre Tchudinov publica outra tradução também em prosa, mas muito mais próxima do texto poético de Camões.
Nesse período, Vladimir Markov lança-se na tradução poética dos Lusíadas para russo, mas pouco mais de 15 páginas de texto foram publicadas em 1882.
E só em 1988, Olga Ovtcharenko publicou a sua tradução dos Lusíadas. A restante obra lírica de Camões está também totalmente traduzida para russo, mas esse trabalho só foi realizado na segunda metade do séc. XX, graças aos esforços de conhecidos tradutores do português como V. Levik, I.Tinianova e M.Talov.

3 comentários:

Alfarelense Camonista disse...

Estimado José Milhazes,
Quero deixar registrado meus parabéns pela sua atuação jornalística, trazendo para o mundo ocidental notícias camonianas do lado oriental: Rússia. Importantíssimo para a cultura portuguesa que todos conheçam esta linda resenha histórica da tentativa e consecução da tradução dOs Lusíadas, nossa bíblia e nosso deleite enquanto vivos terráqueos.
Deixe-nos conhecer mais sobre as capas dos livros em que aparecem as traduções parciais dOs Lusíadas em russo - será sensacional.
Talvez nem todos saibam mas existem pessoas no mundo, como eu, que gastam anos estudando Camões e sua obra. Tempo dispendido de forma enriquecedora para a alma de um humano. Pedi ao google que fizesse a tradução para português da edição de Olga Ovtcharenko e julguei muito linda e cheia de panegíricos aos lusitanos, embora tenha alguns distanciamentos do original. Mas sabemos que traduzir é recriar e isso o que ela fez e muito bem feito, diga-se. Agradeço se me conseguir uma biografia dessa nova personagem camonista para meu catálogo de camonistas, obra em que trabalho há 15 anos.
Saudações camonistas ao patrício na Rússia, desde Jundiaí, São Paulo, Brasil.

Anónimo disse...

Estou lendo Gógol (As almas mortas) e naquela altura em que ele fala do "presidente da Câmara [que] sabia de cor a Liudmila, de Jukóvski [1783-1852], pensei em pesquisar sobre o mestre de Puschkin, até dar com os costados aqui no seu blog, Sr. Milhazes.
Obrigado,
Abraço do Beto.

Anónimo disse...

Estou de volta, Sr. J. Milhazes, para perguntar-lhe se não teria uma tradução em português de Liudmila, poema de V. Jukóvski e, em possuindo, se poderia publicá-la para nosso deleite.