segunda-feira, novembro 03, 2014

Só agora é que deram conta dos aviões russos?

Se alguém tem dúvidas das intenções do Presidente russo preste atenção ao facto de 25% do Orçamento de Estado da Rússia ir para “fins secretos”, ou seja, despesas militares.

Num comunicado ontem publicado pela Nato, esta organizou alertou para as “manobras aéreas incomuns” e de “grande escala”, mas Portugal só acordou para este problema quando dois bombardeiros russos se aproximaram das águas territoriais portuguesas. Se as notícias fossem apenas relativas a incidentes semelhantes nos mares Negro ou Báltico, que acontecem regularmente, talvez não merecessem destaque.

Mas ainda bem que isso aconteceu connosco, pois talvez só assim despertemos para o que realmente está a acontecer na Europa, e compreendamos que a “guerra fria” já é uma realidade pelo menos desde o segundo mandato presidencial de Vladimir Putin na Rússia (2004-2008). Desde então ficou claro que Moscovo iria passar das palavras aos actos para manter o seu poder de influência no chamado “estrangeiro próximo”, ou seja, no antigo espaço soviético.
Quando da guerra entre a Rússia e a Geórgia (2008), esta perdeu parte significativa do seu território, mas a União Europeia não fez mais do que se apressar a congelar o problema, segundo o princípio: o fundamental é pôr fim aos combates e depois veremos o resto. Nicolas Sarkozy, então Presidente de França, veio a Moscovo para acordar o cessar de fogo e estava com tanta pressa que se esqueceu de definir para onde iriam os observadores da OCSE. O Kremlin decidiu que eles só poderiam estar do lado georgiano da fronteira, Bruxelas protestou um pouco e calou-se.
Talvez os dirigentes da NATO e da UE tenham decidido que Vladimir Putin se ficaria por aí, mas enganaram-se. O dirigente russo, aproveitando-se de uma crise interna na Ucrânia, ocupou silenciosamente a Crimeia, justificando-se com o antecedente do Kosovo, o que não corresponde à verdade. O antecedente seria equivalente se a Crimeia passasse a ser formalmente independente como o Kosovo, mas o Kremlin deixou-se de cerimónias e simplesmente transformou esse território em mais uma república sua.
Logo a seguir ateou o fogo do separatismo no Leste da Ucrânia e a explicação também foi encontrada: se os EUA têm direito, porque é que nós não temos? Mas os dirigentes do Kremlin continuam a falar de respeito pelo Direito Internacional com uma superioridade tal como se fossem anjinhos. E aqui a história volta a repetir-se: quando os EUA enviavam tropas para algum território, isso significava invasão. A União Soviética fazia exactamente o mesmo mas chamava-lhe “internacionalismo proletário”. Hoje, o Kremlin encontrou outra fórmula: “defesa do mundo russo”, ou, como afirmou recentemente Vladimir Putin, “o urso não vai pedir autorização a ninguém” na defesa da sua taiga. É verdade que o dirigente russo prometeu que esse animal “não tenciona ir para outras zonas climatéricas”, mas a Ucrânia já não é propriamente taiga.
E se alguém tem dúvidas das intenções do Presidente russo preste atenção ao facto de 25% do Orçamento de Estado da Rússia ir para “fins secretos”, ou seja, despesas militares. Aliás, o Kremlin não faz muita questão de esconder que está a gastar enormes meios financeiros para modernizar as suas forças armadas.
Os países da NATO, até há bem pouco tempo, decidiram relaxar-se e poupar nos orçamentos militares talvez considerando que as boas relações com a Rússia se iriam prolongar eternamente e, agora, irão ter de fazer esforços que países como Portugal e outros não conseguirão fazer.
Além disso, e isto parece-me ser o mais importante, a UE e a NATO parecem não saber como travar a expansão russa no antigo espaço soviético, criando esse desconhecimento um clima de insegurança nas populações dos países que são vizinhos da Rússia. Se falarem com estónios, por exemplo, verão que a maioria está convencida de que o Kremlin irá criar problemas nos países do Báltico sem que a UE ou a NATO venham em sua defesa. Eles foram abandonados aos caprichos de Hitler e Estaline e a história, como é sabido, tende a repetir-se.
Posso estar a exagerar? Talvez, mas dentro em breve terá lugar ou não um acontecimento que responderá a essa pergunta. Dmitri Rogozin, vice-primeiro-ministro russo encarregado do sector militar-industrial, anunciou que a França irá entregar o primeiro porta-helicópteros “Mistral” ao seu país e começar a construir o segundo a 14 de Novembro. Paris diz não existirem condições para isso. Vamos ver em que vai acabar este braço de ferro e o que vale a solidariedade europeia.

2 comentários:

N. Amorim disse...

http://www.rp-online.de/panorama/ausland/deutsche-flugsicherung-russische-fluege-voellig-legal-aid-1.4632844

Em Portugal também não fizeram nada de mal, mas o peditório para a compra de peças ou novos f16 deve estar a começar.

Btw, tenciona escrever um artigo sobre as verdades do Sikorski ?
Ou sobre a caça ao "Outubro Vermelho" NA Suécia ?

Pedro Ribeiro disse...

Em 2020, a Rússia terá terminado o seu programa de modernização do armamento e forças armadas. Por essa altura ficará construído e pronto a funcionar o gasoduto para a China. A Rússia estará então em condições de, sem prejuízo, poder fechar a torneira do gás à Ucránia e à Europa. A arrogância de Moscovo será insuportável. Muitos russos pensam ainda que a modernização do armamento é vital para dissuadir uma "invasão do Ocidente". Vivem ainda como no tempo da cortina de ferro, tantos foram os anos de lavagens cerebrais. Aliás, alguém consegue imaginar o banzé que haveria na Rússia se por acaso aviões da OTAN sobrevoassem espaço aéreo sob jurisdição russa, tal como fazem os aviões russos no nosso espaço?
(Bolas! Agora tenho que provar em baixo que não sou um robô...)