O
atentado em Paris obriga a Europa não só a despertar para o
fenómeno do terrorismo, mas também a debruçar-se seriamente sobre
a elaboração de medidas com vista a combater esse flagelo.
Em
primeiro lugar, é necessário estudar atentamente as causas do
terrorismo, neste caso islâmico, aberta e calmamente.
Parece
não haver dúvida que uma das principais causas do terrorismo
jihadista reside ainda na primeira guerra fria (1945-1989), quando as
intervenções das duas super-potências: URSS e Estados Unidos, se
envolviam em conflitos regionais, destruíam as estruturas de poder e
de organização da sociedade em países muçulmanos e não
conseguiam substituí-las por novas estruturas, criando autênticos
“buracos negros”.
A
guerra israelo-árabe, iniciada depois da Segunda Guerra Mundial e
que continua por resolver, é uma das causas do terrorismo islâmico
moderno. É de recordar que o desvio de aviões e navios de
passageiros, que a tomada de reféns foram realizados por terroristas
palestinianos. A não solução desse conflito contribuiu e continua
a contribuir para a desestabilização no Médio Oriente, terreno
fértil para o terrorismo.
Mas
a “guerra do Afeganistão” (1979-1989) é talvez um dos casos
mais representativos do que foi dito relativamente à criação de
“buracos negros” que geram o terrorismo. A situação no país
era estável até 1973, altura em que o rei afegão foi destronado
pelo primo Muhammad Daud, que instaurou no país um regime
totalitário.
Em
Abril de 1978, um golpe militar derruba Daud e leva ao poder Nur
Muhammad Taraki, dirigente do Partido Popular Democrático do
Afeganistão, força política pró-soviética que tencionava, entre
outras coisas, arrancar o país do atrasado secular e construir o
socialismo ladeando o capitalismo.
Porém,
as lutas entre grupos rivais no PPDA levaram à intervenção
soviética em 1979 a fim de apaziguar a situação, mas essa operação
militar de grande envergadura apenas provocou o desencadeamento de
uma resistência armada por vários grupos de guerrilheiros de
diferentes correntes ideológicas islâmicas.
Na
lógica da guerra fria, os Estados Unidos apoiaram e armaram esses
grupos da oposição, não se preocupando muito com as consequências
futuras. O principal era derrotar e expulsar os soviéticos do
Afeganistão, o que acabaram por conseguir, mas esse país mergulhou
num período de anarquia e caos, que ainda não terminou. Como
frequentemente acontece, o “feitiço virou-se contra o feiticeiro”
e o terrorismo islâmico começou a espalhar-se pelo mundo.
Este
processo foi incentivado fortemente também pela desastrada política
dos Estados Unidos no Médio Oriente. A invasão do Iraque em 2003 é
o outro exemplo de desmantelamento de estruturas organizadas de poder
por sistemas anárquicos em clima de guerra civil permanente.
Seguiu-se a intervenção na Líbia e a guerra na Síria, com as
consequências bem conhecidas de todos.
Aqui
não posso deixar de salientar que os avisos do Kremlin, que se
manifestou contra essa política, alertando para as pesadas
consequências, tinham fundamento. A experiência afegã faz-se
sentir na política de Moscovo em relação ao mundo muçulmano.
Quanto à UE, ela foi simplesmente atrás da política
norte-americana.
Também
se deve frisar a conivência dos Estados Unidos e da Europa com
determinados regimes e grupos muçulmanos radicais, o que muitas
vezes é ditado por meros interesses económicos e financeiros. O
dinheiro que financia e mantém algumas dessas forças vêm de algo
lado e não seria má ideia pôr fim ao bloqueamento desses canais.
Por exemplo, como é possível que Estado Islâmico consegue vender
petróleo e financiar-se nos mercados internacionais?
No
entanto, o terrorismo fundamentalista na Europa tem igualmente causas
internas. O primeiro deve-se ao facto de as sociedades europeias
serem incapazes de integrar numerosos imigrantes muçulmanos e seus
descendentes. A política da tolerância e multiculturalismo
absolutos falhou. Claro que o desemprego, a marginalização social,
a criação de guetos são factores de radicalização dos filhos e
netos dos imigrantes muçulmanos, mas não se pode fechar os olhos ao
facto de países europeus como a França e Inglaterra darem refúgio
a líderes muçulmanos radicais que continuam a pregar as suas ideias
nas numerosas mesquitas aí construídas. Nestes casos, é ingénuo
(ou mesmo criminoso) defender as actividades desses “mestres” em
nome da total liberdade de expressão.
Os
países europeus têm tradições e leis que devem ser sagradamente
respeitados por todos, inclusivamente pelos imigrantes. A tolerância
não pode ser levada ao ponto de aceitar a intolerância dos outros
face aos valores europeus no Velho Continente. A civilização
europeia baseia-se em princípios judaico-cristãos que devem ser
respeitados na Europa, tal como os europeus devem observar as leis e
costumes de outros povos.
Quanto
ao assassinato dos jornalistas franceses, nada o justifica, pois o
combate de ideias não pode ser realizado através de armas e da
violência. Eu sou daqueles que considero que a liberdade de
expressão tem limites, sendo eles o bom gosto e o bom senso, mas
mesmo que isso seja ultrapassado, o problema não pode ser resolvido
a tiro. Neste caso concreto do jornal satírico francês, é minha
opinião que os caricaturistas foram longe demais nas caricaturas
anti-religiosas, tanto anti-muçulmanas, como cristãs, mas, volto a
sublinhar, o assassinato dos seus autores é um crime hediondo. Se
alguém quiser castigar esse tipo de abusos, simplesmente não compra
as publicações respectivas.
Ao
mesmo tempo, as autoridades europeias devem preocupar-se ainda mais
seriamente dos seus cidadãos. Como é que jornalistas que foram alvo
de constantes ameaças e até de alguns atentados estavam tão mal
protegidos pelas forças policiais francesas? Não terá sido por uma
demasiada distração da polícia?
6 comentários:
Justino disse:
Excelente análise de JM que subscrevo na totalidade.
Na Europa morreram doze pessoas no ataque ao Charlie Hebdo. Ao mesmo tempo deste ataque, embora muito menos comentado por ocorrer num outro continente, o movimento fundamentalista Boko Haram tomava de assalto o último bastião que lhe faltava no nordeste da Nigéria, não deixando ali pedra sobre pedra ou sequer uma alma viva, já que assassinaram cerca de 2000 pessoas além de terem provocado mais uma onda de refugiados em circunstâncias muito dramáticas.
O muçulmanismo maioritário não possui uma liderança clerical hierárquica com competência para a interpretação autêntica dos livros sagrados desta religião em relação à qual os fiéis dos vários continentes deveriam obedecer, e que ao mesmo tempo se afirmaria como um interlocutor respeitado no âmbito das relações internacionais a exemplo do Papa na Igreja Católica ou do Dalai Lama no Budismo tibetano. A história parece demonstrar que a falta desta estrutura hierárquica clerical tende para a superveniência de milhentos agrupamentos fundamentalistas unidos em torno de um líder tribal carismático que se serve dos textos sagrados para a aglutinação identitária, apelando ao fanatismo das massas. Ou seja, o muçulmanismo radical serve-se do Corão para os seus propósitos em vez de ser orientado por ele. Tudo ao contrário da atitude do Papa Francisco ao orar também pelos agressores a aos sucessivos apelos deste de concórdia e aproximação das religiões e povos. Também tudo ao contrário da atitude do Dalai Lama que apela sempre à paz e à compaixão pelo próprio inimigo.
Se não houver no terreno um outro líder secular local mais forte, político ou militar, e mais orientado para o laicismo ou muçulmanismo moderado servindo de travão a este fundamentalismo sectário, a exemplo de Kemal Atatürk , Nasser, Kadhafi,, Hassan II, entre outros, aqueles movimentos vão florescer como cogumelos ao ponto de se digladiarem entre si com o mesmo ódio, ou maior ainda, que dedicam aos supostos infiéis, como acontece hoje no Afeganistão, Iraque e Líbia, fruto dos muito bem apelidados por JM “buracos negros” que o ocidente (e a antiga União Soviética no caso do Afeganistão anterior à intervenção internacional ) ali provocaram e ainda mais exacerbaram porque, para para além de invasores, são agentes de um choque de civilizações que poucos pediram ou agradecem.
Aparentemente a analise não é assim tão boa, não coube no Observador !!!
N. Amorim, não se preocupe com isso.
Saudações José Milhazes. Poderia me indicar onde posso adquirir o livro "Almas Mortas" de Nikolai Gogól? Já procurei na Bertrand e fnac mas está esgotado. Obrigado
Saudações José Milhazes. Gostava que me indicasse onde poderei adquirir o livro "Almas Mortas" de Nikolai Gogól? Já procurei na Fnac e Bertrand mas encontra-se esgotado. Obrigado
Caro Leandro, procure nos alfarrabistas.
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