quinta-feira, outubro 01, 2015

Será que Putin perdeu a noção de realidade?



Há uns meses atrás, Vladimir Putin declarou que seria impossivel derrotar os terroristas do Estado Islâmico sem uma operação militar terrestre, frisando que os ataques aéreos são insuficientes. Ontem, dia 30 de Setembro, disse exactamente o contrário.
Este dirigente político russo há muito que nos habituou com as suas contradições, não sendo essa a primeira, mas, desta vez, a política irreflectida de Putin pode mergulhar o seu país num conflito com profundas consequências para o seu futuro.
Ainda a guerra na Ucrânia não terminou e a Rússia, que se encontra profundamente envolvida nela com os respectivos custos políticos e económicos, lança-se num conflito muito mais perigoso, pois, olhando para outros conflitos do passado e para situação no Médio Oriente, constata-se que o mais difícil não é cair no pântano, mas libertar-se das areias movediças, ou seja, depois do emprego da aviação, o dirigente russo irá recorrer a tropas terrestres, mesmo que, como é costume, lhes chame “voluntários” ou “mineiros”, como aconteceu no Leste da Ucrânia. O dirigente da Chechénia, república muçulmana do Cáucaso russo, já lamentou o facto de Putin não ter enviado forças terrestres, declarando que ele próprio há muito se vinha preparado para uma eventualidade dessas. (Caso eu fosse adepto da teoria da conspiração, diria que Kadirov empurra Putin para a cova que este está a abrir).
Parecia ser mais sensato avançar numa coligação internacional contra o Estado Islâmico, mas o Kremlin não o fez e o sim à pergunta: não pretenderá a Rússia liquidar os vários grupos da oposição síria, alguns deles apoiados pela coligação internacional, antes de se virar a sério contra os jiadistas do EI? poderá explicar essa decisão.
Neste caso, a aposta de Putin é demasiadamente arriscada. Primeiro, aumenta claramente o risco de confronto entre a aviação russa e as forças aéreas da coligação internacional. Alguns analistas afirmam que o dirigente russo até não estaria contra os duelos aéreos ou contra um confronto convencional com a NATO para provar que o seu país merece um estatuto semelhante ao da URSS na arena internacional.
Segundo, a oposição ao regime de Bashar Assad é fundamentalmente constituída por sunitas e estes são também os mais numerosos entre os mais de 20% da população muçulmana na Rússia.
Terceiro, a economia russa parece ter cada vez menos meios para suportar intervenções militares em várias regiões do mundo. Além da Ucrânia e da Síria, os talibãs estão a bater à porta do Tajiquistão e outros Estados da Ásia Central que a Rússia defende serem parte da sua zona de influência. Deixo aqui uma chamada para o mais recente relatório do Banco Mundial sobre a economia russa para aqueles leitores que exigem números:
Resumindo, é minha opinião que se Moscovo se envolveu no terreno na solução do problema da Síria, tem de calcular bem as suas possibilidades. Caso contrário, Putin acaba por fazer um grande favor aos que acusa de quererem enfraquecer a Rússia: os Estados Unidos e a União Europeia.


 Segundo as últimas sondagens publicadas em Moscovo, a maioria dos russos está com Putin no apoio militar ao regime de Assad, mas contra o envio de tropas. A guerra no Afeganistão (1979-1989) provocou mais de 13 mil mortos e muitos milhares de feridos entre os soldados soviéticos. Será que a história se vai repetir?

1 comentário:

Pedro Leite Ribeiro disse...

O certo é que, no primeiro ataque, os aviões russos arrasaram Raqa, o principal reduto do EI na Síria. Porque razão a coligação nunca tinha atingido este importante alvo? Não será porque interessa aos ocidentais e estados sunitas manter o EI a combater o regime sírio já que a oposição treinada pela CIA e armada por países ocidentais (França, nomeadamente) e estados sunitas poucas hipóteses tem de vencer (sem ajuda do EI) um confronto com o regime sírio? Obama chama a estes opositores "oposição moderada". No entanto, foram eles que iniciaram a guerra civil, são treinados pela CIA e fortemente armados. São, por isso, os primeiros responsáveis pela destruição da Síria.
A Turquia, quando, após o atentado a um grupo de jovens turcos que pretendiam organizar ajuda humanitária em campos de refugiados sírios, foi obrigada a declarar que iniciaria ataques aéreos ao EI, atacou, isso sim, bases dos curdos, praticamente os únicos a combater o EI no terreno. Quantas e quais vozes internacionais se levantaram a criticar a hipocrisia de Erdogan?
É verdade que a Rússia não tenciona enviar forças terrestres para a Síria mas isso não quer dizer que não haja intervenção terrestre já que se tem observado a entrada do exército iraniano na Síria que contará com a ajuda do Hezbollah e de xiitas iraquianos. Desta forma, Putin não se contradirá e o ataque terrestre realizar-se-á na mesma.
Vejo "o mundo" muito preocupado com alguns civis presumivelmente mortos durante um ataque aéreo russo. Infelizmente, uma gota de água num oceano de inocentes sacrificados. Hoje, a notícia é a do bombardeamento de um hospital dos Médicos Sem Fronteiras no Afganistão. Quem foi o autor? EUA.
Por tudo isto, permita-me discordar do seu ponto de vista.
Obrigado e os melhores cumprimentos.
PS: Não correu bem a autenticação do comentário. Espero que não apareça repetido.