sexta-feira, fevereiro 05, 2016

Enclave “russo” na Síria?


 
As conversações entre as numerosas partes do conflito na Síria ainda não começaram realmente – e não sabemos quando começarão - , porque os intensos contactos diplomáticos não produzem o efeito desejado: sentar à mesa todos os grupos sírios envolvidos na contenda.
As divergências são grandes quanto aos grupos que devem ou não participar no diálogo. Moscovo defende que o problema da Síria não poderá ser resolvido sem a participação dos curdos da Síria e aceitou com dificuldade a presença em Genebra de organizações como o Jaysh al-Islam (Exército do Islão), que Moscovo considera um grupo terrorista islâmico e um dos ramos da Al-Qaida.
Por outro lado,  a oposição moderada ao actual Presidente sírio, Bashar Assad, continua a acusar a Força a Aérea russa de atacar as suas posições, provocando destruição e morte em zonas por ela controladas. Por isso, exige a sua suspensão imediata.
Além disso, a disputa entre os “jogadores externos” no conflito sírio, por exemplo, entre a Rússia e Turquia, dificulta ainda mais o já penoso trabalho de diálogo levado a cabo pelas Nações Unidas.
A julgar pelo ambiente que se vie, as conversações entre as partes do conflito deverão falhar ou demorar uma eternidade, daí não se pôr de lado a possibilidade de, se algum dia se chegar a acordo, ele será sobre a divisão da Síria.
Praticamente todas as partes envolvidas no conflito sírio defendem que um dos objectivos das conversações deve ser a conservação da unidade da Síria como Estado único. Moscovo diz ser importante a conservação de uma Síria unida não tanto como forma de manter um aliado, mas para impedir que o precedente sírio provoque o efeito do dómino e a revisão de fronteiras no Médio Oriente, processos violentos que se aproximarão cada vez mais das fronteiras russas. O Irão, a Jordânia, a Arábia Saudita e a Turquia também não deverão estar interessados nesse cenário pelas mesmas razões.
Porém soa com cada vez maior intensidade o termo “federalização” em relação ao futuro da Síria.
Não se pode pôr de parte a hipótese de que esse cenário já está a ser levado à prática pelo regime de Assad, Rússia e Irão. Com o apoio dos bombardeamentos massivos da avião russa, Damasco tenta controlar  as regiões que dão saída para o Mar Mediterrâneo, Damasco e as zonas do país onde vivem os alavitas, uma das principais bases de apoio de Bashar Assad.  Se não for possível dominar tudo, como parece ser o caso, tenta-se controlar o mais possível.
A ser realizada esta política, ela não é propriamente uma novidade. No antigo espaço soviético, o Kremlin tem-na empregue com bastante êxito. Recordemos o enclave de Nagorno-Karabakh entre a Arménia e o Azerbeijão, que é controlado pelos arménios graças ao apoio significativo de Moscovo, as duas regiões separatistas pró-russas na Geórgia: Ossétia do Sul e Abkhásia, o enclave pró-russo na Moldávia: a Transdnístria, e a ocupação por forças militares russas de duas regiões orientais da Ucrânia: Lugansk e Donetsk.
A julgar pelos “progressos” nas conversações no quadro do Processo de Minsk, tudo caminha para o congelamento do conflito no Leste da Ucrânia. Nas conversações, os separatistas apoiados por Moscovo e o Kremlin defendem a “federalização” da Ucrânia, que lhe permitirá manter Lugansk e Donetsk como alavancas de pressão sobre o governo de Kiev caso este ouse entrar na NATO ou aproximar-se demasiadamente da União Europeia.

A política de ocupação e divisão da Síria parece também já ser um objectivo também da Arábia Saudita e Turquia. Se estes países avançarem tropas no terreno, o perigo de confronto com a Rússia e o Irão aumentarão fortemente.

2 comentários:

Anónimo disse...

E você gostou do documentário da France 4 ? ... acho que a Ucrania cansou os Europeus, vamos esperar que não a atirem para baixo do autocarro.

Los Arzamas disse...

Ainda há que mencionar o exclave de Kalinigrado, que é usado para pressionar antigos satélites da União Soviética na zona Ocidental. A sua análise da situação é pertinente, e vem reforçar ainda mais a noção da necessidade imperiosa da 'fronteira próxima' da política russa.

Do ponto de vista militar, Tartus (e agora Lakatia), bem como Sevastopol, são essenciais para a manutenção de um certo equílibrio militar no Mar Negro, permitindo aos russos algum controlo a Sul dos Dardanelos e a Norte do Bósforo, sem ficarem 'presos' no Mar de Azov ou encurralados contra a costa este do Mar Negro - cenários que desequilibrariam totalmente o cenário de 'equilibrio nuclear' que ainda vigora actualmente.

A questão política ucraniana é já uma causa perdida para o Ocidente, que se encontra mais necessitado de tentar criar atrito como manifestação de coesão política, mas que gorou completamente com a crise dos refugiados sírios, e com sucessivos países a suspenderem o Tratado Shengen.

Vivemos tempos interessantes...