terça-feira, março 19, 2019

Não haverá nada de mais sagrado do que os investimentos estrangeiros?





Não há dúvida que os investimentos estrangeiros na economia de um país são essenciais, tanto mais num mundo globalizado como o nosso, mas eles não justificam a destruição de santuários naturais como, por exemplo, o Lago Baical, na Sibéria.
Há muito que alguns ecologistas e activistas russos chamam a atenção para a actuação  de algumas empresas chinesas na Sibéria e no Extremo-Oriente russo, principalmente no que respeita à exploração florestal. Após o derrube desenfreado de árvores, desaparecem milhares de hectares de floresta, pois trata-se da realização de uma autêntica política de “terra queimada”, ou, como diz um provérbio russo, “depois de nós até pode vir o Dilúvio”.
É com razão que protestamos contra o corte incontrolado de árvores na Amazónia, mas não nos devemos esquecer que na Terra existem outros locais vitais para o futuro sustentável do planeta. A Sibéria é um desses lugares não só devido às suas densas florestas, mas também por aí se encontrar o Lago Baical, uma das grandes maravilhas naturais e a maior reserva de água potável no mundo. 
Para quem não teve oportunidade de o visitar e de beber água directamente desse lago tal a sua pureza (eu tive esse privilégio), recordo que ele tem 636 quilómetros de comprimento, 80 de largura e 1680 metros de profundidade. Com cerca de 23% da água doce do planeta, o seu volume é superior ao dos Grandes Lagos da América do Norte juntos. Nele desaguam cerca de 300 rios.
Alguns futurólogos e analistas políticos consideram que grandes conflitos armados irão ter lugar no planeta devido à água potável. Por isso, é urgente tomar medidas para salvar o Baical.
Até agora, as autoridades russas não se davam ao trabalho de ouvir os protestos dos ecologistas e da opinião pública em geral, mas a situação ecológica em torno do Baical é de tal forma grave que não pode passar despercebida. 
Desta vez, a campanha de protestos começou com a construção por uma empresa chinesa de uma fábrica de engarrafamento de água desse lago. A fábrica está a ser erigida na margem do Baical e o projecto prevê a extracção diária de 528 mil litros de água das profundezas através de um tubo com três quilómetros de comprimento.
Um abaixo-assinado com quase um milhão de assinaturas, recolhido em toda a Rússia, levou o primeiro-ministro Dmitri Medvedev a exigir que se inspecionasse se a obra está “conforme os mais altos padrões ecológicos modernos” e um tribunal de Irkutsk, região onde se encontra o lago suspendeu a construção, alegando irregularidades durante as avaliações ecológicas e concessão de licenças.
Semelhante estado de coisas só é possível devido à corrupção. Não há outra explicação também para o facto de os habitantes locais serem desalojados das suas casas construídas há muito nas margens do lago, enquanto que empresas chinesas constroem ilegalmente nesses lugares hotéis para alojar turistas vindos da China, o que provoca também a deterioração da qualidade das águas.
Por isso, os habitantes locais e muitos russos em geral receiam a realização de projectos cada vez mais megalómanos nas margens do Baical. Em 2017, o diário inglês The Guardian noticiava que as autoridades chinesas planeavam a construção de uma conduta com mil quilómetros de comprimento para transportar água do Baical para o Norte da China através do território da Mongólia.
Além disso, ainda são muitos os que se recordam dos projectos das autoridades comunistas da URSS de desviarem parte da água dos rios siberianos para sul, o que traria consequências catastróficas para o equilíbrio ecológico e o clima da Sibéria. Felizmente, a política de abertura de Mikhail Gorbatchov permitiu a criação de um forte movimento social que conseguiu travar esses projectos faraónicos.
Ainda antes do início da construção da fábrica de engarrafamento de água, os ecologistas alertaram para  o processo de degradação a que vem sendo submetido o Lago Baical. Toneladas de lixo, provenientes de áreas turísticas e de barcos que navegam aí, têm sido atiradas para as águas ameaçando transformá-lo num pântano.  
Recordo uma canção popular russa do século XIX que começa com as palavras “Mar glorioso, Baical sagrado” e pergunto: será que os investimentos estrangeiros justificam a profanação deste santuário natural?
É preciso salvar o Baical!

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