Texto enviado pelo leitor João Gil Freitas:
"A dissolução da URSS deixou marcas profundas no mapa
político europeu, ainda que muitas delas sejam desconhecidas da
grande maioria dos europeus. Quase duas décadas e meia volvidas após
a dissolução do gigante soviético, as reminiscências de um tempo
perdido não são ainda totalmente parte dos livros de História.
A evolução política e económica do continente
europeu desde o início da década de noventa foi acelerada e
introduziu um aprofundado esquema de integração entre os países
europeus. A esta crescente dinâmica de integração, cristalizada
por Maastricht, correspondeu um aumento do poder relativo da União
Europeia no sistema internacional nos anos subsequentes. De 1992 a
2004, a União Europeia tornou-se no alfa e no ómega dos estados da
antiga órbita soviética. O mesmo não pode ser dito dos estados
recém-independentes: Ucrânia, Bielorrússia, Moldávia, Geórgia,
Azerbaijão e Arménia nunca alcançaram um estatuto de
relacionamento semelhante aos restantes.
Desta nova linha divisória na Europa resultou o
afastamento de Bruxelas como centro de decisão com capacidade de
influência no processo de desenvolvimento económico e político
desses estados. Em grande medida, a contínua a aproximação da
União Europeia a leste foi sempre, por isso mesmo, um processo
incompleto. Esta lacuna no relacionamento externo da União Europeia
lançou no esquecimento realidades que permaneceram afastadas do
léxico comum dos europeus.
Na fronteira leste da Europa, área de ancestral
interesse russo, predomina uma agenda dominada por questões de
segurança e de equilíbrio militar. A proclamação de independência
das antigas repúblicas soviéticas degenerou em problemas de
soberania de parcelas intraestaduais de território, inseridas em
estados que, apesar de reconhecidos internacionalmente, nunca o foram
internamente. É o caso da Geórgia, que a guerra de 2008 ajudou a
catapultar para os noticiários internacionais; é o caso do
Azerbaijão, que não controla a república do Nagorno-Karabakh; e é
também o caso da Moldávia, que desde 1992 se vê obrigada a
coexistir com o estado de facto
independente da Transnístria.
Abarcando quase todo o norte da Moldávia ao longo da
fronteira com a Ucrânia, a Transnístria é o resultado da recusa da
população de ascendência russa em pertencer à Moldávia, um
estado de maioria latina, que sucedera à República Socialista
Soviética da Moldávia. No ano que se seguiu à declaração de
independência da Moldávia, em 1991, foi desencadeada uma guerra
civil de curta duração entre as forças governamentais do novo país
e grupos paramilitares locais, apoiados por Moscovo.
A partir daí, não mais o governo de Chisinau controlou
a Transnístria, que vem funcionando na prática como um estado
independente. É uma república presidencial dotada de órgãos de
soberania, de bandeira e de hino nacionais, tal e qual como qualquer
outro estado. Organiza eleições e cunha a sua própria moeda.
O não reconhecimento internacional da Transnístria
como estado soberano não impede que a comunidade internacional
admita a decisiva influência de Moscovo nos assuntos internos da
república. De resto, a Rússia é o garante da autonomia da
Transnístria, a qual seria severamente comprometida sem o seu apoio
económico e sem a sua presença militar. Desde o acordo de
cessar-fogo de 1992 que Moscovo mantém estacionado no território da
Transnístria mais de um milhar de soldados, originalmente
introduzidos com o estatuto de forças de peacekeeping.
Apesar dos sucessivos compromissos em o retirar, Moscovo não abre
mão deste contingente militar. A presença militar russa na
Transnístria assegura a Moscovo a manutenção do status-quo
na região e sua influência enquanto centro de poder nevrálgico na
sua vizinhança próxima.
Há quase vinte e cinco anos que assim é. A
Transnístria permanece um estado fantasma no coração da Europa,
subsistindo entre as brumas da herança da antiga cortina de ferro.
Vive no e do passado, alimenta-se do antigo espírito de grandeza da
União Soviética, e encara o mundo ocidental como um corpo estranho
ao seu modo de vida. É um pedaço da União Soviética projectado no
século XXI, uma autêntica experiência política de laboratório.
Para a Europa contemporânea, esta realidade é
estranha, não apenas por se afigurar nos antípodas dos valores que
defende e promove, mas porque integra uma problemática crucial para
o seu futuro e sobre a qual a Europa parece ter pouco a dizer e muito
menos a decidir: que modelo de relacionamento futuro quer assumir com
as suas vizinhanças, e que política externa é possível adoptar –
designadamente – para a vizinhança a leste. Em suma, temas que
definem a própria identidade europeia. Por agora, o que existe é
uma Política Europeia de Vizinhança bastante perto da estagnação,
e uma Parceria Ocidental cujo grau de sucesso é ténue e difícil de
aferir.
Apesar das modificações introduzidas pelo Tratado de
Lisboa no respeitante às prerrogativas da sua política externa,
tornou-se inegável que a realidade dos últimos anos veio
secundarizar na agenda europeia a discussão sobre o papel
internacional da União Europeia como força motriz para a
democratização de estados terceiros. Em prol dos temas económicos
e financeiros, o volte face na agenda europeia escondeu do debate
público europeu questões essenciais e que mereciam uma maior
visibilidade. Seria positivo para a União Europeia reintroduzir
determinados temas na discussão pública num futuro próximo, não
para bem das suas políticas, mas sobretudo para a sua credibilização
aos olhos dos cidadãos.
É sabido no entanto que só com o fim dos programas de
ajustamento em curso e com o avistar do fim da conjuntura que
continua a perigar o projecto da União Económica e Monetária, é
que será possível repensar o papel da União Europeia no restante
continente (que como se procurou aqui salientar permanece fértil em
realidades que para muitos seriam fruto da imaginação), e no mundo.
Talvez assim, um dia, seja possível viver num contente
livre de pequenas “Uniões Soviéticas”. Até lá, há todo um
longo caminho a percorrer."
Publiquei:
ResponderEliminarhttp://historiamaximus.blogspot.pt/2013/11/as-pequenas-unioes-sovieticas-da-europa.html
Contacto: historiamaximus@hotmail.com
Caro João Nobre,
ResponderEliminarMuito obrigado pela (re)publicação do meu texto.
Cumprimentos,
João Gil
Caro João Nobre,
ResponderEliminarMuito obrigado pela (re)publicação do meu texto.
Cumprimentos,
J.Gil
O mais correto é a unificação entre a Moldávia a Romêmina. Os modálvios são romenos. Se a Alemanha pode se reunificar pq a Modálvia e a Romenina não?
ResponderEliminarO mais curioso de tudo é que se esses estados pequenos querem ser livres não pode; mas se um estado russo quer ser livre, aí sim pode. UE faz todo um estardalhaço. Quer dizer essa política de 2 pesos e duas medidas da UE que destrói uma credibilidade. Aí muitos dirão: Mas Moscou faz isso. Então eu digo: Bruxelas faz diferente?!
ResponderEliminar"O mais curioso de tudo é que se esses estados pequenos querem ser livres não pode; mas se um estado russo quer ser livre, aí sim pode. UE faz todo um estardalhaço. Quer dizer essa política de 2 pesos e duas medidas da UE que destrói uma credibilidade. Aí muitos dirão: Mas Moscou faz isso. Então eu digo: Bruxelas faz diferente?!"
ResponderEliminarQue estado russo quer ser livre? A Modávia e a ucrania sao países soberanos. A UE apoiou a indepenencia do kosovo, mas o kosovo fica na servia e nao na Russia.