Qualquer
pessoa que conheça um pouco da realidade política ucraniana sabe
que o Presidente Ianukovitch não é “pera doce”, nem “flor que
se cheire”.
Porém, quer
se goste ou não, Victor Ianukovitch venceu a sua mais directa
adversária, Iúlia Timochenko, em eleições consideradas livres e
democráticas pela comunidade internacional. Dessa vez, tanto a
Rússia, como a União Europeia e os Estados Unidos aceitaram o
resultado do escrutínio.
Sendo assim,
Ianukovitch é representante da maioria do povo ucraniano e assim o
será até às próximas eleições. Até lá, tanto a União
Europeia como a Rússia têm a ver com ele enquanto dirigente do
segundo maior país europeu depois da própria Rússia.
Claro que,
em relação à União Europeia, Victor Ianukovitch faltou à palavra
quando se recusou a assinar o Acordo de Associação a poucos dias de
isso se realizar. Porém, Bruxelas também sabia e sabe com quem está
a tratar e via que a pressão de Moscovo sobre Kiev estava a aumentar
muito fortemente. Era claro que o Kremlin estava disposto a ir muito
longe na tentativa de não perder a Ucrânia para a União Europeia.
Ianukovitch
teve que optar pela forma que menos ameaçasse o seu poder e o poder
daqueles grupos oligárquicos que o mantêm no poder. Como sabe que é
perigoso brincar com o Kremlin, optou por brincar com a União
Europeia.
A oposição
pró-europeia organizou gigantescas marchas de protesto contra a
política de Ianukovitch, tendo a polícia de choque Berkut
intervindo de uma maneira claramente exagerada e violenta.
Levantaram-se
barricadas, montaram-se tendas no centro de Kiev que passou a ser
também um centro de peregrinação para ministros e deputados dos
mais diversos países da União Europeia. A eles juntaram-se os
“missionários” que querem levar a sua democracia a toda a parte
e de qualquer forma.
Em 2004,
durante a chamada revolução laranja, vi alguns desses
“missionários” no terreno e não me impressionaram, pelo
contrário, preocupavam-se mais em encontrar prostitutas e beber
vodka do que no andamento dos acontecimentos. Alguns até foram
levados para as esquadras, onde eram despojados de dinheiro e
documentos pela polícia. Claro que não podiam protestar contra a
arbitrariedade policial, pois tinham sido encontrados em situações
menos próprias.
Eu não sei
se cenas dessas seriam possíveis em Estados de direito. Bem, e se
fosse Putin que aparecesse a visitar os manifestantes pró-russos em
Kiev, então aí cairiam a Lavra de Kiev e o Mosteiro de São
Nicolau, pois na capital ucraniana não existem Carmo e Trindade.
Isto para
dizer que folclore desse tipo não resolveu nada em 2004. Os
políticos pró-ocidentais chegaram ao poder na terceira volta das
eleições presidenciais, mas rapidamente desiludiram os seus
eleitores. A promessa europeia não foi cumprida e a União Europeia
também não fez muito para que isso acontecesse. Protestou durante
as “guerras do gás” entre a Rússia e Ucrânia, mas resolveu o
problema de forma muito cómoda para Moscovo: empresas da UE
participaram na construção do gasoduto “Corrente do Norte”, que
faz com que o gás russo chegue à Europa sem “ter chatices na
Ucrânia”.
Nem se vai
resolver agora a favor da UE porque esta não tem propostas realistas
a fazer. O corrupto e cleptomaníaco Victor Ianukovitch (a propósito,
durante o seu mandato, os seus filhos tornaram-se das pessoas mais
ricas da Ucrânia) comporta-se como sabe, ou seja, como uma
prostituta ainda pretendida por vários homens (neste caso, país ou
união de países), e anuncia que a “aproximação à UE” custa
20 mil milhões de euros por ano. Bruxelas recusa a entrar nessa via
e, como se costuma dizer, quem não tem dinheiro, não tem vícios.
Neste campo, a UE podia
aprender alguma coisa com Putin, que trata Ianukovitch da forma que
merece, ou seja, queres dinheiro, venham as contrapartidas. Ou
melhor, o dirigente russo aprendeu bem o famoso romance soviético
“As doses cadeiras”, onde uma das personagens diz: “primeiro
trazes o dinheiro e depois levas as cadeiras”.
Entretanto, a crise
continua e é cada vez mais difícil prever como vai terminar. Mas a
UE já pode tirar duas conclusões: primeiro deve pensar bem e depois
fazer e, segundo, tem de pôr ordem em casa para se tornar mais
atrativa. Por enquanto, os 28 inquilinos têm a casa num pandemónio,
o que não a torna muito atraente.
P.S. Uma boa saída
para esta crise poderia ser a realização de um referendo sobre as
relações entre a Ucrânia e a UE, mas ninguém quer arriscar, pois
a vitória é uma grande incógnita.
Parabéns José Milhazes por este retrato "politico+antropomorfo" da Ucrânia que cheira a taigas e a noites russas com muitos samovares prontos para o chá em casa dos mujiques aquecidas pelos fornos sonolentos onde os invasores soçobram e os entendidos desmerecem como o velho Ivan na noite fria.
ResponderEliminarVou reler Toltoi, Tchekov, Gorki, Korolenko porque parece que está tudo a voltar aos tempos de Ivan, "o terrível".
Caldeira
Finalmente, um artigo que coloca os pontos nos is e expõe as verdades podres de todos os lados!
ResponderEliminarAssim sim, JM!
Inocentes, aqui, só as crianças, e neste jogo do poder já são todos muito adultos.
Entretanto, mais um artigo sobre o "euro-pugilista" Klitschko:
http://www.presseurop.eu/pt/content/article/4396721-klitschko-um-pugilista-treinado-por-merkel
Parabéns, José Milhazes, pela sua notória independência.
ResponderEliminarEste artigo é um muito bom (e interessante) exemplo da mesma.
Cada vez mais me convenço que terá sido esta sua qualidade que fez a Lusa não manifestar mais interesse pelo seu trabalho...
Isto anda outra vez animado, por aqui.
ResponderEliminar:)
Cumpts
Manuel Santos
Artigo imparcial.
ResponderEliminarEste é o verdadeiro jornalismo, pena que 99,99% dos jornalistas não o praticam.
Parabéns senhor Milhazes.