O Doutor Francisco Louçã, num dos seus textos num dos blogs
do Público (http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2016/09/20/afinal-a-diaba-sempre-chegou-em-setembro/) não deixou passar despercebida uma
das frases escritas por mim em relação a Mariana Mortágua no Facebook: “Não se
trata de um diagnóstico, mas de um caso clínico… O Conde Ferreira no Porto
voltou a receber pacientes”. Neste caso, ele tem toda a razão (digo isto sem
qualquer tipo de ironia), pois excedi-me claramente nos termos utilizados,
principalmente quando se trata de uma mulher. Porém, eu não pretendia propor o
encerramento de dissidentes em hospitais psiquiátricos, como aconteceu na URSS
e continua a acontecer na China, na Coreia do Norte e em Cuba, mas manifestar
surpresa e espanto face a frases como "do ponto de vista prático, a
primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar a quem está
a acumular dinheiro".
Esta declaração de Mariana Mortágua, as palavras categóricas
de Catarina Martins de que é preciso acabar com os Comandos depois de dois
soldados terem morrido durante um treino, etc. convencem-me que o Bloco de
Esquerda, tal como o Partido Comunista Português, gosta de fazer propostas
simples e populistas, sem pensar nas consequências, o principal é ganhar
visibilidade e votos.
Isto não é novo no mundo e obriga a analisar experiências
anteriores.
O escritor russo Mikhail Bulgakov escreveu a genial obra “O
Coração de Cão” na alvorada do poder comunista na União Soviética, em 1926, mas
esteve proibida durante décadas. Para os que não a leram, digo apenas que o
personagem principal é um cão (Charik), transformado em ser humano por um
conhecido cirurgião durante a revolução comunista de 1917. À medida que o cão
ia evoluindo, absorvia como uma esponja as palavras de ordem revolucionárias,
mas não perdia os seus instintos animais, por exemplo, caçar gatos.
Quando já se tinha transformado em homem, ele teve a seguinte
conversa com o cirurgião Filipp Filipovitch Preobrajenski:
“Filipp Filippovitch pousou o cotovelo na mesa, olhou para
Charikov e perguntou:
- Permita-me saber o que pode dizer sobre o que leu”.
O novo ser humano, que dizia estar a ler a correspondência de
Engels com Kautski, encolheu os ombros e disse:
“- Eu não estou de acordo.
- Com quem? Com Engels ou com Kautski?
- Com ambos – respondeu Charikov.
- Fantástico, juro por Deus… E o que propõe da sua parte?
- Mas que propor? Escrevem, escrevem… Congresso… Uns alemães
quaisquer… A cabeça fica cheia. É pegar em tudo e dividir”.
Como se veio a revelar no livro, era um tal Chvonder,
revolucionário de tendência trotskista, que fornecia literatura do género a
Charikov e o tentava converter à revolução proletária.
O cirurgião, vendo o monstro que criou, volta a transformar o
ser humano em cão. Na realidade, o monstro foi criado e chamou-se “homem
soviético”.
O Doutor Francisco Louçã pode dizer que não foi Trotski, mas
Estaline que criou o novo ser, mas, se o primeiro não tivesse perdido a
contenda pelo puder com o segundo, os resultados não seriam melhores. Basta
recordar a crueldade com que Lev Trotski reprimiu a revolta de Kronstadt,
realizada por marinheiros anarquistas e comunistas de esquerda descontentes com
a política do poder soviético.
Depois de estudar a História da URSS e de viver nesse país
nos seus últimos 14 anos, concluo que não é séria a proposta de voltar a tentar
“construir o socialismo”, tanto mais que uma das forças políticas nisso
interessadas tenha no seu programa publicado o “centralismo democrático” e, nas
suas bases ideológicas, a “ditadura do proletariado”.
Com isto não quero dizer que estou contente com o estado em
que se encontra o nosso país, com o aumento da pobreza e do emprego, com a
erosão da classe média, com o aumento da dívida externa portuguesa, com a
corrupção e o nepotismo. Considero que o actual capitalismo é um sistema
injusto, desequilibrado, necessita de reformas profundas, mas, mesmo assim, não
penso que a alternativa seja confiscar e repartir.
Dr. Francisco Louçã, obrigado por me desejar delicadamente
“as melhoras”, mas há receios de que talvez nunca me libertarei até ao fim da
vida. Talvez até seja uma fobia sem fundamento, mas…
P.S. Sublinho que, ao utilizar o livro “O Coração de Cão”
neste artigo, não viso insultar ninguém. A minha intenção foi uma: mostrar que
há experiências que parecem ser fáceis e com resultados rápidos, mas tal não
acontece na vida real.
3 comentários:
José Milhazes, tentar justificar, o que você mesmo considera uma infelicidade, com esta explicação é somar mais uma infelicidade. Ficamos a saber que uma proposta de um imposto sobre as fortunas patrimoniais significa a instauração do comunismo. Quanto à comparação do cão Sharik com Mariana Mortágua, digamos que é edificante e reforça a sua primeira infelicidade e pretensão de internar, tal como na URSS, os discordantes em Hospitais psiquiátricos.
Neste momento de histeria política, destaco a visão "Considero que o actual capitalismo é um sistema injusto, desequilibrado, necessita de reformas profundas, mas, mesmo assim, não penso que a alternativa seja confiscar e repartir."
Como deputado do PS, e sem querer ser simplista, é por esse diapasão que me afino.
Um abraço de Portugal.
Senhor Milhazes:
pertinente o vídeo que segue:
A dificuldade de testar ideias e crenças - Luiz Felipe Pondé
https://www.youtube.com/watch?v=30FhpnliTgw
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