quinta-feira, maio 11, 2006

Contributos para a História de Portugal - 2



Documento do Arquivo da Fundação Gorbatchov. O original está em russo, sendo o texto abaixo publicado uma tradução.

Fundo N.º 1
Materiais de M. S. Gorbatchov
Descrição N.º 1
Notas de conversas com activistas sociais, dirigentes de Estados e Governos estrangeiros (1986-1991)

Notas da conversa de M. S. Gorbatchov com A. Cunhal, Secretário-geral do PCP

29 de Dezembro de 1986

M. S. Gorbatchov – Fico contente por puder saudá-lo mais uma vez, camarada Cunhal. É bom encontrarmo-nos pelo menos uma vez por ano. Você regressa de uma viagem à Ásia. Como correu? A Ásia é uma enorme região. Aí existem numerosos problemas. O desenvolvimento dos acontecimentos no mundo irá depender, em grande parte, do rumo tomada pela China e Índia. Recentemente, estive também nessa região, na Índia. As conversações com Gandhi foram extremamente importantes e úteis. Na conferência de imprensa realizada, atacaram-me literalmente com perguntas. Nomeadamente, perguntaram que posição irá ocupar a União Soviética se a Índia e a China começarem a combater entre si. Mas que pergunta! Na região asiática do Pacífico estão concentrados grandes interesses. Aí encontram-se também países como o Paquistão, os países situados na costa do Oceano Índico. Aí está presente também a América. Aumenta a influência económica e política do Japão. Penso que, com o tempo, o Japão transformar-se-á numa séria força militar. Nessa região encontram-se também grandes estados como a Indonésia, Austrália, Nova Zelândia, Filipinas. Fica-se com a impressão de que o mundo movimenta-se no sentido da região asiática do Pacífico. A propósito, nesta avaliação baseia-se também a nossa posição sobre a questão das relações com os países dessa região. Ela é o resultado da tomada em conta de forças e factores que agem entre si. Dessa mesma posição parte também a nossa concepção de segurança universal e a sua adaptação à região asiática do Pacífico.
Deve assinalar-se que a Índia, por exemplo, primeiramente recebeu com desconfiança a nossa ideia da criação de um sistema de segurança na Ásia, depois, ela sentiu que claramente não consegue acompanhar a nossa política. Então, os indianos começaram a dizer que a URSS deve ter melhor em linha de conta os interesses da Índia nessa região e conceder-lhe o papel adequado. A China, porém, considera que a Ásia é, de forma significativa, uma coutada sua. É sabido que Mao, a certa altura, disse a Khrutchov que a União Soviética deveria dedicar-se aos problemas da Europa Ocidental, e que nós, os chineses, vemos a Ásia como uma esfera da nossa influência e interesses. Isto é realmente uma aposta bastante clara na hegemonia.
Os EUA acompanham atentamente o que se passa na região asiática do Pacífico. Os indícios de melhoramento das relações soviético-chinesas; a aproximação entre a URSS e a Índia coloca-os literalmente num estado febril. Eles fazem todo o possível para não permite a criação de semelhante triângulo na Ásia. Na realidade, nesses três países – URSS, Índia e China -, vivem mais de dois mil milhões de pessoas. Eles possuem um enorme potencial. Por isso, nós, eu e você, camarada Cunhal, estivemos em países extremamente interessantes do ponto de vista político. Claro que partindo não só da política actual, mas também das perspectivas do desenvolvimento dessa região.

A. Cunhal. Agradeço-lhe, camarada Gorbatchov, pela possibilidade que me concedeu de nos encontrarmos novamente. Quero manifestar um sentimento de alegria pela conversa consigo. O nosso anterior encontro foi para mim muito útil. Agora, gostaria de, em traços gerais, falar-lhe da minha visita à China, e depois ao Vietname, Laos e Camboja. Sinto-me feliz por ter a possibilidade de discutir consigo esses problemas. Isso é importante para que a política do meu partido seja mais precisa e clara.
Como é sabido, ao tomar a decisão da viagem da nossa delegação à China, tivemos em vista juntá-la à participação de uma delegação do PCP nos trabalhos do VI Congresso do Partido Comunista do Vietname, bem como à visita ao Laos e Camboja para encontros com os dirigentes desses países. Claro que o programa da nossa viagem foi levado ao conhecimento dos camaradas chineses, bem como dos camaradas do Vietname, do Laos e do Camboja.
Sobre a viagem à China. Na China fomos recebidos com calor, fraternalmente, com uma grande prontidão para discutir diferentes problemas. Deram-nos a possibilidade não só de apresentar abertamente a nossa opinião, mas também abordar questões concretas. Semelhante forma de trabalho foi mantida não só ao nível do Secretário-geral do CC do PCCh, mas também nas conversas com outros camaradas da direcção do Partido Comunista da China.
Hu Yoban deu início às conversas com a nossa delegação com duas opiniões. Primeira. A China, declarou ele, é um país socialista. A construção do socialismo na China insere-se na luta de libertação dos povos de todo o mundo. O PCCh, disse Hu Yoban, manifesta-se pela unidade do Movimento Comunista Internacional. Os camaradas chineses falaram longamente a esse propósito. Eles sublinharam que a entrada de capital estrangeiro na China não altera o carácter do regime socialista. Apresentaram os respectivos dados sobre o volume pouco significativo dos investimentos estrangeiros na economia chinesa, sublinharam incessantemente a tese sobre o carácter socialista do regime social na China, o apego à ditadura do proletariado, a fidelidade do PCCh ao marxismo-leninismo e ao internacionalismo proletário.
Segunda. Os nossos interlocutores disseram que o PCCh cometeu erros no que respeita ao movimento comunista internacional. Porém, ele responsabiliza-se apenas pelos erros por ele cometidos no início dos anos 60. Outros deviam responder pelos restantes erros. Isso foi particularmente sublinhado por Hu Yoban.
Nós falámos da luta que presentemente tem lugar em Portugal, da actividade do nosso partido nas condições actuais. Sublinhámos que existem alguns problemas nas nossas relações com o PCCh. Nós chamámos a atenção para as posições erróneas do PCCh sobre a questão da NATO. Esta organização é um instrumento de pressão sobre Portugal, de limitação da independência nacional do nosso país. Nós sublinhámos que consideramos errada também a posição do PCCh sobre a questão da adesão de Portugal à CEE. Os chineses, como é sabido, afirmam que a adesão de Portugal ao Mercado Comum corresponde aos interesses do povo português. Da nossa parte, foi também assinalado que na história das relações entre o PCP e o PCCh existiram sérias dificuldades.
É preciso dizer que os camaradas chineses abordaram essas questões de forma autocrítica, apelaram-nos a deixar esses problemas no passado e a olhar para o futuro. Ao falar do restabelecimento das relações entre o PCP e o PCCh, nós sublinhámos que essa questão não pode ser vista se desligada da situação geral no movimento comunista internacional. Dissemos que o PCP tem e desenvolve boas relações com o Partido Comunista do Vietname, cuja actividade nós apoiamos, boas relações com o Partido Popular revolucionário do Camboja e com o Partido Popular Revolucionário do Laos. Nós sublinhámos especialmente que existem muito boas relações com o PCUS. Não gostaríamos que as relações entre o PCP e o PCCh prejudicassem a amizade e a cooperação com o PCUS. Nós expusemos essa posição de força precisa e inequívoca. Nós sublinhámos que nas posições do PCCh, que se manifesta pelo diálogo e a cooperação com o nosso partido, é evidente uma contradição. Se o PCCh se manifesta pelo diálogo com o nosso partido, pelo restabelecimento das relações com o PCP, porque é que ele se recusa a dialogar com os camaradas vietnamitas, que propõem à China discutir as questões litigiosas? Porque é que o PCCh não estabelece o diálogo com o PCUS?
Na conversa com Hu Yoban, apoiando-me nas conversas consigo, camarada Gorbatchov, eu disse que o PCUS está interessado no diálogo com o PCCh. Nesse sentido, não compreendemos, sublinhei eu, porque é que o PCCh recusa semelhante possibilidade de diálogo com o PCUS. Pedimos aos chineses que nos dessem explicações. Eles responderam com base nos “três obstáculos”: Camboja, Afeganistão, problema fronteiriço com a URSS. Porém, à medida que se aprofundava as discussões, os chineses reduziram esses “obstáculos” a um: Camboja. Eles resumiram a sua posição da seguinte forma. Logo que seja resolvida a questão da retirada das tropas vietnamitas do Camboja, ficarão retirados todos os “três obstáculos”, aberta a possibilidade para o diálogo. O Camboja, sublinharam os chineses, é o principal obstáculo na via do diálogo. Para iniciar o diálogo, é preciso previamente resolver o problema do Camboja.
Às nossas observações de que, quanto à questão do Camboja, eles devem tratar com o Vietname, sem condicionar a solução desse problema com o desenvolvimento do diálogo com a URSS, basearam-se na história e disseram que, sem o consentimento da URSS, as tropas vietnamitas não poderiam ter entrado em território cambojano. Segundo as palavras dos nossos interlocutores, a URSS, antes, reconhecia o regime de Pol Pota e, depois da entrada das tropas vietnamitas no Camboja, assinou o tratado de amizade e cooperação com o Vietname. Se amanhã a URSS deixasse de apoiar o Vietname, disseram os chineses, as tropas vietnamitas abandonariam o Camboja.
Nós, por sua vez, sublinhámos as boas relações entre o nosso partido e o PPR do Camboja. Falámos dos horrores do genocídio realizado durante a época de Pol Pota. Hu Yoban disse a propósito que Pol Pota cometeu erros, mas eles não deveriam ser o pretexto para a entrada de tropas vietnamitas no território do Camboja. Ele falou de que se exagera conscientemente o número de vítimas do terror de Pol Pota, disse que 3 milhões de vítimas é um exagero, e falou em 1,5 milhões. Ao responder-lhe, disse-lhe que, se no Camboja foram exterminadas um milhão e meio de pessoas, isso de forma alguma retira a responsabilidade a Pol Pota pela política de genocídio.

Mikhail Sergueevitch Gorbatchov . Na realidade, os chineses têm uma lógica estranha a esse propósito.

A. Cunhal. Ficámos com a impressão de que para Hu Yoban e outros dirigentes chineses, o Camboja é o principal obstáculo ao diálogo. Se o PCCh não dialogar com o PCUS, com o Partido Comunista do Vietname, como superar o obstáculo?
Foram expressos numerosos raciocínios a esse propósito. Mas o sentido resumia-se a uma só coisa. Resumindo-os, cito as palavras de Hu Yoban. Ele disse mais ou menos isto. Se as tropas vietnamitas ficarem no Camboja, o encontro com o camarada Gorbatchov não terá sentido. O povo chinês, disse ele, não nos compreenderá.
Têm interesse algumas avaliações, feitas por Hu Yoban e outros nossos interlocutores, sobre a política da União Soviética, incluindo sobre você, camarada Gorbatchov, sobre o XXVII Congresso do PCUS e o actual rumo da direcção soviética. Isso não foi uma improvisação. Sentia-se que se tratava de uma concepção pensada da direcção do PCCh.
Ao falar da nova direcção do PCUS, os chineses sublinhavam que o camarada Gorbatchov tem novas ideias tanto na política interna, como na externa. Hu Yoban disse que para nós, chineses, nem tudo ainda era claro na política do PCUS. Mas nós desejamos sinceramente – e estou a citar Hu Yoban – ao camarada Gorbatchov a realização do novo rumo, desejamo-lhe êxito na sua tarefa. Isso corresponde aos interesses do povo soviético, dos povos de todos os estados do Tratado de Varsóvia e aos interesses universais. É preciso esperar os resultados. Os resultados dessa política dependem apenas do camarada Gorbatchov, disse o secretário-geral do CC do PCCh.
Mais adiante, Hu Yoban disse que a política de Gorbatchov tem oposição na União Soviética. Mas ele não precisou se se trata da oposição que existia no passado ou que se revela hoje. Eu disse a Hu Yoban que, depois da China, íamos ao Vietname para participar nos trabalhos do VI Congresso do PCV, depois encontrar-nos-íamos com os dirigentes do Camboja e do Laos, e, no caminho de regresso a Portugal, estaríamos em Moscovo. Dei claramente a entender que teríamos, pelos vistos, encontros com camaradas soviéticos. Concluo que as palavras deles sobre Você, camarada Gorbatchov, sobre a política do PCUS foram especialmente pronunciadas, com o objectivo de que seriam transmitidas em Moscovo.

M.S. Gorbatchov. Talvez quisessem fazer chegá-las à direcção soviética. Compreendo-o, camarada Cunhal.

A. Cunhal. Os chineses sublinharam a necessidade de equilíbrio de forças entre o socialismo e o capitalismo. Ao mesmo tempo, sublinharam que se os países socialistas desejarem ter a paridade total com o capitalismo, não poderão realizar os seus planos de edificação económica. A China, diziam eles, manifesta-se pela manutenção do equilíbrio militar a um nível digno. Mas a principal força são os povos, que é preciso atrair para o lado do socialismo. Nisto consiste a ideia fundamental dos chineses.
Vou abordar as questões das relações entre o PCP e o PCCh. Os camaradas chineses confirmaram as propostas que nos foram feitas antes sobre o desenvolvimento das relações entre os dois partidos. Trata-se da troca de delegações, de grupos de estudo de vários aspectos da actividade dos partidos. Resumindo, sobre toda a gama de intercâmbios entre os partidos.
Eu disse aos chineses que, após o regresso a Portugal, o CC do PCP discutirá essas propostas, tomará uma decisão colectiva e comunicá-la-á ao PCCh.
Penso que é necessário pensar muito sobre as propostas do PCCh. Em Pequim, eu não dei uma resposta positiva às propostas deles. Perguntei se manterão eles as suas propostas sobre o desenvolvimento dos laços e intercâmbio com o PCP, sem garantias de resposta positiva da nossa parte. A resposta foi inequívoca: o PCCh confirma todas as suas propostas.
Nas conversas realizadas em Pequim, foi-nos comunicada informação confidencial sobre as conversações entre o governo português e o governo da RPCh relativamente ao futuro de Macau. Portugal e a China acordaram realizar conversações confidenciais sobre essa questão. Para a nossa delegação em Pequim foi organizado um encontro com o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da RPCh, que realiza conversações sobre Macau com a parte portuguesa. Ele informou-nos pormenorizadamente sobre o andamento das conversações. O facto de os chineses terem aceitado falar connosco sobre um tema fechado é sintomático.
Quero falar de um momento curioso que, a meu ver, também tem importância. Mostraram-nos um filme sobre a vida de Sun Yat-Sen. A última frase do locutor do texto soa mais ou menos assim: no fim da vida, Sun Yat-Sen compreendeu que precisamente a URSS, os comunistas ajudaram o povo chinês a defender os seus interesses vitais. Penso que a demonstração desse filme à nossa delegação não foi feita por mero acaso.

M.S.G. Estou de acordo consigo, camarada Cunhal, os chineses não fazem nada por acaso. No Oriente, os comunistas continuam a ser orientais.

A.C. Quando regressarmos a Portugal, nós, claro está, discutiremos o balanço da viagem, as propostas feitas pela parte chinesa. Gostaria de ouvir de você, camarada Gorbatchov, que linha de comportamento nas relações com o PCCh temos de escolher? Num plano prévio, considero que não devemos romper os contactos entre o nosso partido e o PCCh. Classifico o actual estado dessas relações como um processo de aproximação. Penso que deve preparar-se, na direcção do nosso partido, um documento sobre a nossa viagem à China, bem como ao Vietname, Laos e Camboja. Confirmar nele a solidariedade com os povos do Vietname, Laos e Camboja, reflectir os laços estreitos do PCP com os partidos dirigentes desses países. Nesse mesmo documento deve-se assinalar claramente que, ao contrário da prontidão do PCUS e do Vietname de desenvolver as relações com a China, a parte chinesa não avança para o diálogo. Claro que é preciso encontrar fórmulas delicadas, mas chamar também as coisas pelos seus próprios nomes.
Deve-se pensar também na forma da nossa resposta às propostas do PCCh: carta ou memorando. Na resposta, pelos vistos, deve-se destacar as posições dos camaradas vietnamitas, laosianos e cambojianos. Tanto mais que, durante a estadia da nossa delegação em Hanói, Vienciana e Phnom-Penh, foram publicados comunicados onde se confirma a nossa solidariedade com a política dos camaradas do Vietname, Laos e Camboja. Por enquanto não tenho uma opinião clara sobre o endereço para onde dirigir a carta ou o memorando: para o CC do PCCH ou para Hu Yoban. Em desenvolvimento da conversa que se deu com ele em Pequim, nesse documento pode-se expressar o nosso desacordo com a parte chinesa sobre uma série de questões. Ao mesmo tempo, convidar a Portugal um grupo de comunistas chineses para estudar a actividade do PCP, bem como uma delegação do jornal “Jen’min Jibao” para participar na festa do órgão do nosso partido: o jornal “Avante!”. Pelos vistos, por enquanto, não iremos além disso. Gostaria, camarada Gorbatchov, de ouvir a sua opinião a este propósito.

M.S.G. Obrigado, camarada Cunhal, pela informação muito interessante. Começo por exprimir a minha opinião relativamente à última parte das suas palavras. Penso que têm fundamento as suas opiniões de não suspender os contactos com o PCCh, de as conservar ao nível a que se encontram. Que se dê o processo de aproximação, mas não se deve forçá-lo. Penso que esta é a linha correcta.
Todo o movimento comunista segue atentamente a posição do PCP. É para todos claro que o PCP, camarada Cunhal, tem uma posição madura de princípio sobre as questões do movimento comunista internacional e outros problemas fulcrais. A vossa posição, que engloba três pontos – não suspender os contactos, conduzir a aproximação ao PCCh, sem forçá-la – tem uma importância fundamental. O principal de que parte o PCUS é fazer voltar a China às fileiras do movimento comunista, à comunidade das forças progressistas e amantes da paz. Isso teria enorme significado para o nosso movimento e para todo o desenvolvimento mundial. Penso que seria para nós simplesmente imperdoável deixar escapar a mais pequena possibilidade, tendo em conta a enorme importância da China na arena mundial.
Se o PCP, camarada Cunhal, se aproximasse da China ignorando o passado e o presente, isso criaria a impressão de que o vosso partido perde enfraquecer os laços com outros partidos comunistas. A China está interessada, em maior grau, nas relações com o PCP. Os chineses gostariam de ter no PCP um parceiro activo, porque o vosso partido goza de prestígio no movimento revolucionário mundial. Nesse caso, eles poderiam melhorar a imagem da China. A China está preocupada com a imagem que tem aos olhos de todo o mundo, incluindo aos olhos dos países socialistas, do movimento comunista. Ao responder à sua pergunta sobre a forma possível de resposta do vosso partido ao PCCh, penso que talvez fosse melhor enviar uma carta a Hu Yoban, e não ao CC do PCCh. Primeiro, o envio de uma carta da Hu Yoban corresponderia ao nível do actual diálogo entre os dois partidos. Mas o principal consiste em que na carta a Hu Yoban seria possível expor de forma mais aberta as avaliações e posições do PCP.
O que tencionamos fazer em relação à China? Sublinho imediatamente que não iremos mudar a nossa linha de aproximação à China. A falar mais precisamente, de melhoramento das relações com a China e, depois, de aproximação. Isso é natural, porque precisamente na base do melhoramento das relações pode-se fazer a aproximação. O interesse na China para com a União Soviética é grande. Na sociedade chinesa, a inclinação para a União Soviética é muito mais forte do que na direcção. É enorme o interesse para com a nossa literatura, cinema, desporto, cultura, contactos humanos. Nós não estamos em condições de satisfazer completamente esse interesse…
… Como tencionamos agir depois? Muito depende da direcção para onde derivar a China. Nós somos pelo melhoramento das relações com a China. Saudamos o importante trabalho que você, camarada Cunhal, realizou na China. Repito: as posições marxistas-leninistas de princípio do PCP têm grande significado…
… Com o seu partido, camarada Cunhal, temos tudo claro quando a essas questões. Claro que eu transmitirei a nossa conversa ao Bureau Político, as considerações por si expressas.

A.C. Há ainda mais uma questão sobre a qual gostaria de me aconselhar consigo, camarada Gorbatchov. No nosso partido revela-se preocupação quanto à pressa demasiada, segundo nos parece, de alguns partidos comunistas no que respeita à normalização das relações com a China. Os dirigentes desses partidos fazem de conta que nada se passou nas relações entre o PCCh e o movimento comunista.

M.S.G. Isso é um raciocínio correcto. Digo-lhe confidencialmente que o primeiro lugar nisso é ocupado pelo camarada Honecker. Diria que é uma pessoa que se deixa levar por ambições. Parece-lhe que o seu prestígio não é completamente utilizado nos interesses da luta pela paz.

A.C. Compartilho da sua opinião, camarada Gorbatchov. Páginas inteiras na imprensa da RDA foram dedicadas à visita de Honecker à República Popular da China…

M.S.G. … Agora quero falar dos nossos assuntos internos. Como vivemos? Até que ponto são justificadas as suposições de Hu Yoban sobre a oposição à política de Gorbatchov? Dentro em breve irá realizar-se o Plenário do CC do PCUS. Nele irá ser discutida a questão da perestroika e da política de quadros nessas condições. Tencionamos no plenário aprofundar a compreensão da razão porque necessitamos da política de aceleração e restruturação…

A.C. Já desejei muitas vezes êxitos ao PCUS. Mas, agora, esses desejos estão cheios de um profundo conteúdo e sentido. Não se trata de tarefas comuns, quotidianas que o PCUS resolve. Trata-se de mudanças qualitativas de carácter revolucionário, realizadas pelo vosso partido, pela grande União Soviética. Trata-se realmente de um trabalho revolucionário pelo seu carácter. Deveis superar dificuldades objectivas e subjectivas. Imaginamos bem que esforços e luta enorme exigirão esse trabalho.

M.G.S. Estou completamente de acordo consigo, camarada Cunhal.

A.C. Nós, camarada Gorbatchov, seguimos com enorme interesse o que se passa na União Soviética. Mas não só com interesse, mas também com o desejo de conhecer mais sobre os êxitos do vosso trabalho. Isso ajuda-nos a explicar melhor a política do PCUS, a vossa actividade ao povo de Portugal, a reforçar entre os trabalhadores a fé nos ideais do socialismo, na perspectiva socialista.

M.G.S. … Fico feliz por me ter encontrado consigo, camarada Cunhal. Felicito-o cordialmente a si, à sua esposa pelo Ano Novo que se aproxima…

3 comentários:

Paulo Colaço disse...

«A. Cunhal:
Agradeço-lhe, camarada Gorbatchov, pela possibilidade que me concedeu de nos encontrarmos novamente. (...) O nosso anterior encontro foi para mim muito útil»

Caros assíduos deste blog, pergunto-me (neste meu primeiro comentário) que utilidade tirava unhal dos encontros com Gorbatchov?

Será que serviram para ele abrir o Partido à sociedade? Serviram para abrir o partido à modernidade? Serviram para quê?

Ou muito me engano ou deve ter havido aí um erro de tradução...

Ibn von Faize disse...

Há um frase de Cunhal que nao pode passar em branco:

«Na China fomos recebidos com calor, fraternalmente, com uma grande prontidão para discutir diferentes problemas»

ehehehehe!!!!

Se Cunhal fosse Chinês havia de ver o "calor" com que era recebido!

- Ai queres discutir diferentes problemas? Entao discute-os os teus companheiros de cela! GUARDAS, ACOMPANHEM ESTE PALRADOR AOS CALABOUÇOS!!!

Paulo Colaço disse...

Caro Sniper
Esses X-files queria eu ver!

Caro Ibn von Faize,
se Cunhal fosse Chinês, nao teria sido comunista! ehehe