A história do estabelecimento de relações entre o Governo e o Partido Comunista da União Soviética e os movimentos de libertação nacional das antigas colónias portuguesas está ainda cheia de lacunas e hiatos, mas, a conta gotas, os arquivos vão-se abrindo e deixando escapar alguns dos seus segredos.
Desta vez, traduzimos para português excertos das memórias ainda não publicadas de Piotr Evsiukov: “A URSS e a luta pela libertação das colónias portuguesas em África”, reveladas pelo historiador russo Vladimir Chubin. É de recordar que Evsiukov foi o funcionário soviético que, durante 15 anos, dirigiu os contactos do Kremlin com os movimentos de libertação nas ex-colónias portuguesas.
“Na segunda metade de 1961, - recorda o alto funcionário soviético - chegaram a Moscovo Mário Andrade, presidente interino e Viriato da Cruz, secretário-geral [do Movimento Popular de Libertação de Angola]. A sua visita e conversações deram início à nossa cooperação. Ambos deixaram uma impressão positiva como pessoas sérias, conhecedoras da situação e sinceros nas suas palavras e avaliações. Foi tomada uma decisão importante sobre a prestação de ajuda multilateral à organização” (pág.29).
Logo a seguir, chegou à capital soviética Agostinho Neto, que também deixou boa impressão nos dirigentes comunistas. “Porém – continua Evsiukov -, pouco tempo depois, começámos a receber notícias de divergências surgidas entre A.Neto, por um lado, e M. de Andrade e V. da Cruz, por outro. A agudização de relações entre eles levou a que M. de Andrade tenha sido afastado da direcção e V. da Cruz, depois de romper relações com A. Neto, partira para a República Popular da China, onde, como soube mais tarde, faleceu. A ruptura de relações entre essas pessoas provocou uma reacção bastante negativa entre os membros do MPLA e foi incompreensível para nós” (pág. 30).
Piotr Evsiukov conta um episódio, ocorrido em 1963, que revela a confusão que reinava em Moscovo em relação à sua política africana. Segundo este alto funcionário, não fora a pronta intervenção de Álvaro Cunhal, secretário-geral do Partido Comunista Português, e a direcção soviética teria reconhecido como legítimo representante do povo angolano o Governo de Holden Roberto, dirigente da Frente Nacional de Libertação de Angola, rival do MPLA.
“Nikita Sergueevitch Krutchov [dirigente máximo da União Soviética], encontrando-se a descansar na Crimeia e depois de tomar contacto com a informação, com a confusão e a resolução que lhe eram inerentes, indignado com o facto de a União Soviética ainda não ter tido até aí reconhecido o governo de H.Roberto, deu ordem para preparar o reconhecimento. Sem o consentimento da Secção Internacional do Comité Central [do PCUS], o projecto foi preparado e o Governo tomou a decisão”.
Isto era particularmente grave ,porque, nessa altura, Agostinho Neto encontrava-se em Moscovo e, segundo Evsiukov, “Chevliaguin, vice-chefe da Secção Internacional, foi encarregado de comunicar de forma “cómoda” essa decisão a A.Neto”
“”Até ao fim da conversa – recorda Evsiukov -, a conversa era favorável a A.Neto, todos os pedidos foram satisfeitos... A conversa estava a chegar ao fim quando o vice-chefe comunicou que o Governo soviético estudava a questão do possível reconhecimento do Governo Provisório de H.Roberto. Eu traduzi, palavra a palavra, a declaração de Chevliaguin. Para A.Neto, que não esperava semelhante final de conversa, a declaração soou como uma condenação à morte. Fez-se uma pausa e desnorteamento total. Já não fizeram qualquer sentido as palavras finais de Chevliaguin com vista a amortecer o golpe.
No caminho para o hotel, pensava febrilmente como salvar a situação. Eu sabia bem quem era H. Roberto e tinha ainda mais consciência de que tínhamos cometido um erro ao trair os nossos amigos, para os quais éramos o principal apoio... O único homem capaz de emendar a situação era o secretário-geral do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal. O prestígio deste homem era bastante grande e, nessa altura, ele residia no hotel do Comité Central, situado na Travessa Plotinov, na Arbat”.
Por isso, Evsiukov organizou um encontro de A.Neto com A.Cunhal.
“Restava-me ir para casa e esperar resultados. No dia seguinte, tal como nos dias depois, informações sobre o reconhecimento por nós do Governo Provisório não foram publicadas no “Pravda” [órgão escrito do Comité Central do PCUS] e nem poderiam ser. A. Cunhal, durante a noite, desenvolveu um trabalho decisivo, não podiam deixar de ter em conta a sua opinião. No “Pravda” foi publicado outro artigo, do então meu chefe directo, Veniamin Vladimirovitch Midtsev, com um conteúdo tão oposto que da embaixada dos Estados Unidos telefonaram para o Ministério dos Negócios Estrangeiros [da URSS] para saber “quem era o seu autor””(pág.32-33).
Desta vez, traduzimos para português excertos das memórias ainda não publicadas de Piotr Evsiukov: “A URSS e a luta pela libertação das colónias portuguesas em África”, reveladas pelo historiador russo Vladimir Chubin. É de recordar que Evsiukov foi o funcionário soviético que, durante 15 anos, dirigiu os contactos do Kremlin com os movimentos de libertação nas ex-colónias portuguesas.
“Na segunda metade de 1961, - recorda o alto funcionário soviético - chegaram a Moscovo Mário Andrade, presidente interino e Viriato da Cruz, secretário-geral [do Movimento Popular de Libertação de Angola]. A sua visita e conversações deram início à nossa cooperação. Ambos deixaram uma impressão positiva como pessoas sérias, conhecedoras da situação e sinceros nas suas palavras e avaliações. Foi tomada uma decisão importante sobre a prestação de ajuda multilateral à organização” (pág.29).
Logo a seguir, chegou à capital soviética Agostinho Neto, que também deixou boa impressão nos dirigentes comunistas. “Porém – continua Evsiukov -, pouco tempo depois, começámos a receber notícias de divergências surgidas entre A.Neto, por um lado, e M. de Andrade e V. da Cruz, por outro. A agudização de relações entre eles levou a que M. de Andrade tenha sido afastado da direcção e V. da Cruz, depois de romper relações com A. Neto, partira para a República Popular da China, onde, como soube mais tarde, faleceu. A ruptura de relações entre essas pessoas provocou uma reacção bastante negativa entre os membros do MPLA e foi incompreensível para nós” (pág. 30).
Piotr Evsiukov conta um episódio, ocorrido em 1963, que revela a confusão que reinava em Moscovo em relação à sua política africana. Segundo este alto funcionário, não fora a pronta intervenção de Álvaro Cunhal, secretário-geral do Partido Comunista Português, e a direcção soviética teria reconhecido como legítimo representante do povo angolano o Governo de Holden Roberto, dirigente da Frente Nacional de Libertação de Angola, rival do MPLA.
“Nikita Sergueevitch Krutchov [dirigente máximo da União Soviética], encontrando-se a descansar na Crimeia e depois de tomar contacto com a informação, com a confusão e a resolução que lhe eram inerentes, indignado com o facto de a União Soviética ainda não ter tido até aí reconhecido o governo de H.Roberto, deu ordem para preparar o reconhecimento. Sem o consentimento da Secção Internacional do Comité Central [do PCUS], o projecto foi preparado e o Governo tomou a decisão”.
Isto era particularmente grave ,porque, nessa altura, Agostinho Neto encontrava-se em Moscovo e, segundo Evsiukov, “Chevliaguin, vice-chefe da Secção Internacional, foi encarregado de comunicar de forma “cómoda” essa decisão a A.Neto”
“”Até ao fim da conversa – recorda Evsiukov -, a conversa era favorável a A.Neto, todos os pedidos foram satisfeitos... A conversa estava a chegar ao fim quando o vice-chefe comunicou que o Governo soviético estudava a questão do possível reconhecimento do Governo Provisório de H.Roberto. Eu traduzi, palavra a palavra, a declaração de Chevliaguin. Para A.Neto, que não esperava semelhante final de conversa, a declaração soou como uma condenação à morte. Fez-se uma pausa e desnorteamento total. Já não fizeram qualquer sentido as palavras finais de Chevliaguin com vista a amortecer o golpe.
No caminho para o hotel, pensava febrilmente como salvar a situação. Eu sabia bem quem era H. Roberto e tinha ainda mais consciência de que tínhamos cometido um erro ao trair os nossos amigos, para os quais éramos o principal apoio... O único homem capaz de emendar a situação era o secretário-geral do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal. O prestígio deste homem era bastante grande e, nessa altura, ele residia no hotel do Comité Central, situado na Travessa Plotinov, na Arbat”.
Por isso, Evsiukov organizou um encontro de A.Neto com A.Cunhal.
“Restava-me ir para casa e esperar resultados. No dia seguinte, tal como nos dias depois, informações sobre o reconhecimento por nós do Governo Provisório não foram publicadas no “Pravda” [órgão escrito do Comité Central do PCUS] e nem poderiam ser. A. Cunhal, durante a noite, desenvolveu um trabalho decisivo, não podiam deixar de ter em conta a sua opinião. No “Pravda” foi publicado outro artigo, do então meu chefe directo, Veniamin Vladimirovitch Midtsev, com um conteúdo tão oposto que da embaixada dos Estados Unidos telefonaram para o Ministério dos Negócios Estrangeiros [da URSS] para saber “quem era o seu autor””(pág.32-33).
Sem comentários:
Enviar um comentário