Continuamos a publicação de documentos e testemunhos sobre as relações entre Angola e a União Soviética. Desta vez, apresentamos um extracto das memórias de Karen Brutentz, antigo vice-presidente da Secção Internacional do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), um dos funcionários soviéticos mais ligados à elaboração e realização da política comunista no "Terceiro Mundo". O episódio abaixo relatado está ligado à tentativa de golpe militar de Nito Alves, um dos dirigentes do MPLA, que ocorreu em 1997 em Angola. Segundo alguns observadores políticos e jornalistas, esse levantamento ocorreu com o apoio da União Soviética, que estava descontente com o rumo traçado pelo Presidente Agostinho Neto para aquela ex-colónia portuguesa.
"Brejnev [Secretário-Geral do PCUS] encontra-se com Neto (Agosto de 1977). Como era costume, ao dirigente de Angola, enquanto hóspede, foi concedida a primeira palavra. Depois das tradicionais frases gerais, ele, de súbito, abordou o tema do levantamento militar recente em Luanda e, ignorando os meandros diplomáticos, declarou: "Eu vim aqui porque ocorreu uma coisa: um levantamento, e gostaria de saber pessoalmente de Você se Moscovo participou no conluio contra mim ou não? Porque, segundo me informaram, muitos dos vossos homens estiveram envolvidos".
Claro que todos os olhares se concentraram em Brejnev. Os presentes, e principalmente os representantes soviéticos, esperavam que ele reagisse à pergunta do líder angolano, desmentisse - em conformidade com a realidade - semelhante suposição, confirmasse que nós não tínhamos renunciado ao apoio a Neto. Mas tal coisa não aconteceu. Leonid Ilitch [Brejnev] segura perante si um texto previamente preparado e começa a ler: "A situação no nosso país é boa, as previsões sobre as colheitas são fantásticas...", etc., etc. Parecia que nós supostamente fugíamos à pergunta e, desse modo, confirmavamos o fundamento das dúvidas de Neto. Todas as tentativas de "soprar a resposta" através da entrega de novos papéis não surtiram qualquer efeito. Depois da leitura, Brejnev pronunciou com um tom ou interrogativo, ou afirmativo: "Li bem".
E, só depois do intervalo - do almoço oficial - depois de um "acrescento" pronunciado por um dos participantes do encontro, foi conseguido parcialmente atenuar a impressão provocada".
Brutentz, K.I. "Trinta Anos na Praça Velha". Moscovo, 1998, pág. 494.
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