terça-feira, agosto 08, 2006

Contributos para a História de Portugal - 15


"O Nosso Homem em Lisboa" de Eduard Kovaliov
O PRIMEIRO CONTACTO INDIRECTO (capítulo II)
Mas passemos, finalmente, "das conversas para factos reais". Eu tinha de chegar rapidamente a Lisboa! Por isso, parti em 6 de Maio, logo depois dos feriados...
Eu e o meu companheiro de viagem, o jornalista do "Izvestia" Vladimir Kuznetsov, chegámos a Paris. Não vou aqui descrever as atracções e belezas da capital francesa, onde me vi pela primeira vez. Certamente que os meus colegas que trabalharam em França farão isso bem melhor do que eu.
Ao mesmo tempo que observávamos com prazer a vida parisiense, eu e Vladimir Kuznetsov, não obstante, pensávamos constantemente como chegar o mais rapidamente possível a Lisboa. Além disso, era pressionado diaramente por Moscovo.
Em conformidade com todos os cânones, devíamos dirigir-nos à Embaixada Portuguesa em Paris para conseguir os vistos de entrada indispensáveis. Eu e o meu colega assim fizemos.
Aí esperava-nos uma pequena surpresa: o porteiro, que ficou também como guarda e como único funcionário (os restantes, depois do 25 de Abril, tinham pura e simplesmente fugido), falava muito mal português e quase não compreendia francês, mas, para nossa surpresa, reagiu imediatamente quando eu e Vladimir Kuznetsov começámos a falar russo. "Chegaram os russos!" - gritou ele subitamente numa língua eslava. "Também chegaram aqui, é impossível fugir deles... Pobre Bulgária!" - exclamou ele e começou a chorar. Viemos a saber que se tratava de um búlgaro que tinha fugido do "socialismo soviético" na sua pátria. Numa mistura incrível de línguas, o desgraçado explicou-nos que fora para porteiro da embaixada salazarista em Paris na esperança de "não ver mais " e de "não ouvir mais falar dos maus russos", que tinham destruído a sua vida razoavelmente boa na Bulgária czarista. Mas, por fim, os russos "também chegaram" ao seu último refúgio em Paris.
Vendo que nada conseguíamos na embaixada, deixámos o nosso novo conhecido em paz. Mas continuava por resolver o problema de chegar o mais rapidamente possível a Lisboa. Além disso, apareceu-nos um forte concorrente: Vadim Poliakovski do semanário "Za rubejom" (No Estrangeiro) também chegára a Paris e anunciou-nos que tencionava voar imediatamente para Lisbos sem qualquer tipo de visto português, não obstante isso poder ser uma violação das normas internacionais.
Quanto a mim, eu não podia arriscar: a possível expulsão do Aeroporto de Lisboa por ter chegado sem visto impedia-me de dar passos precipitados. Não podia dar-me ao luxo de ser expulso de Portugal: isso significaria que não soube cumprir as tarefas colocadas pela TASS e pelos meus chefes de Moscovo. Isso seria uma pequena, mas sensível catástrofe para mim.
Restava apenas uma saída: eu telefonei de um hotel parisiense para Raul Rego, então redactor conhecido do diário lisboeta da oposição antifascista "República", cujo nome, nesses dias, soava, pelo menos, em toda a Europa. Todavia, não foi Raul Rego que me respondeu, mas o seu vice-redactor Victor Dias (ver nota abaixo). Ele informou que o redactor-chefe já tinha sido nomeado ministro da Informação do governo revolucionário e que os jornalistas soviéticos "podiam entrar no nosso país livre sem qualquer tipo de vistos". "Estarão à vossa espera no aeroporto" - prometeu ele.
Partimos imediatamente para Lisboa no primeiro voo após a conversa telefónica. O "individualista" Vadim Poliakovski, que nos tentava ultrapassar em tudo, partira no voo anterior. Ele dizia "estar-se nas tintas " se fosse expulso do país por falta do visto português. Mas tudo correu da melhor forma.
A bordo do avião da TAP entrámos em contacto com a celestial cozinha portuguesa. A carne com legumes e o vinho tinto, que nos foram servidos por uma simpática hospedeira, pareceu-nos merecer atenção. Esta foi a nossa primeira experiência de contacto com portugueses vivos. Nas duas horas de voo, eles deixaram-nos uma excelente impressão, que eu e os meus camaradas guardámos até ao fim da nossa estadia no país.
(Próximo Capítulo: Finalmente em Lisboa)
Nota: Victor Dias enviou-nos um mail onde precisa que, na altura citada , quem desempenhava as funções referidas por Eduard Kovaliov no «República» era o jornalista Vítor Direito. Agradecemos o esclarecimento.

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