Quando tratamos de perto com uma língua estrangeira, principalmente no campo da tradução, encontramos por vezes sérias dificuldades em encontrar equivalentes na nossa língua. No caso do russo para português, essas dificuldades surgem com frequência.
Mas vamos a um exemplo concreto e importante. Na língua russa, existe a palavra русский (russkii) para definir o russo étnico, e a palavra российский (rossiiskii) para definir o habitante da Rússia, porque, como é sabido, neste país, além dos russos, vivem mais de cem povos e etnias.
Habitualmente, talvez por uma questão de simplicismo, mas incorrectamente, tanto uns como outros são, em português, chamados "russos". Quando se tem um pouco de cuidado, utilizam-se as palavras "russos" e "habitantes da Rússia".
Ora, no séc. XVIII, as coisas eram menos complicadas na língua portuguesa e pensamos que esse saber esquecido deve ser recuperado. Nos ofícios diplomáticos dos embaixadores portugueses em São Petersburgo, os habitantes ou instituições do Império Russo são definidos pelas palavras "russiano", "russiana", "russianos" e "russianas". Por exemplo, Francisco José de Horta Machado, primeiro Ministro Plenipotenciário (Embaixador) de Portugal na Rússia, escreve "Esquadra Russiana" e "Russianos", no sentido de "Esquadra do Império Russo" e "Habitantes do Império Russo".
Porém, quando se trata de "russos étnicos", os diplomatas portuguesas utilizam a palavra "russos".
Sendo assim, consideramos - e iremos optar por fazer isso no nosso blogue - ser correcto voltar ao emprego das duas palavras: "russo" e "russiano".
Quanto ao actual nome do país, não se deve escrever Federação Russa, porque não é composta só por russos, mas Federação da Rússia, termo mais abrangente e tradução correcta de Российская Федерация (Rossiskaia Federatsia).
Poderão perguntar: e porque não Federação Russiana? Neste caso, pensamos ser desnecessário, pois existe um termo correcto que define o país europeu que se estende do Leste da Ucrânia até à Costa do Pacífico: Federação da Rússia.
Mas se alguém não estiver de acordo, estamos abertos à discussão. E não só sobre estes, mas sobre outros termos de língua russa.
13 comentários:
Caro José Milhazes,
no seu texto usou duas grafias diferentes.
Usou o alfabeto cirilico e o latino.
Devo depreender que a língua russa se permite a duas escritas diferentes?
Digo isto porque a língua dos meus avós, o concani (lingua de Goa) se permite a ser escrita em 6 alfabetos difentes, incluindo o latino, via descobrimentos portugueses.
qual é o alfabeto mais usado na Rússia para escrever a língua local?
cumpriments
És o maior Zé, sempre atento ! belo post ! ya grau na guitare
"Gitare" penso eu que é assim
Agradeço ao José Milhazes este post, que me veio clarificar uma dúvida antiga. Eu pessoalmente não gosto muito da palavra "Russiano", mas admito a opinião do José Milhazes como correcta. E já agora, como traduzir: 'Rossiianin'?
Também: Russo, ou cidadão Russo, não é? :-)
Outra questão semelhante a esta são as palavras russas 'Natsionalst' e 'Grajsdanstvo' que ambas se traduzem por 'nacionalidade', embora com significados algo diferentes, aliás exactamente os mesmos que foram mencionados em relação ao exemplo do post.
Obrigado
Oi! pequena correcção: 'Notsionalnost' e 'Grasjdanstvo'...
Mesmo assim acho que perceberam o que quiz dizer.
Caro Ibn von faize, a língua russa escreve-se só e apenas em alfabeto cirílico, uma adaptação do alfabeto grego às necessidades de alguns povos eslavos: russos, búlgaros, sérvios, ucranianos, bielorrussos e macedónios. Outros povos eslavos, por questões mais de cariz religioso e influência ocidental, optaram pelo alfabeto latino: polacos, croatas, checos, eslovacos, eslovenos.
Mas há uma ressalva curiosa. Depois da revolução comunista de 1917, os bolcheviques russos começaram por substituir a escrita árabe em línguas como o uzbeque, tadjique, cazaque, kirguize, tártaro, azeri, etc., que, primeiramente, passaram a usar alfabeto latino e, logo a seguir, cirílico. Imaginem a confusão na cabeça das pessoas!
A esta onda não escaparam também a língua mongol, que tinha alfabeto chinês, e moldava, que tinha alfabeto latino e constitui uma língua latina.
Aberrações da política nacional estalinista, aos quais escaparam apenas dois dos mais antigos alfabetos do mundo: georgiano e arménio.
Os moldavos voltaram ao alfabeto latino, enquanto que os restantes povos não se decidiram, porque a mudança de alfabeto é um processo caro e muito complicado, que pode privar gerações inteiras de conhecimento. Cumprimentos. JMilhazes
Caro Mikolik, rossianin é substantivo e rossiskii é adjectivo , o sentido é o mesmo: russiano (habitante da Rússia), mas mais abrangente do que o russkii (russo). Quanto à outra questão, "nasionalnost" é nacionalidade e "grajdanstvo" é cidadania. Isso é complicado de traduzir, porque reflecte uma realidade muito soviética, que depois se reflectiu também na Rússia. Nos nossos documentos, todos, independente da origem nacional (judeu, angolano, chinês, ucraniano, etc.), são de nacionalidade portuguesa. Na União Soviética, todos os cidadãos tinham "cidadania soviética", mas, no passaporte interno (algo equivalente ao nosso B.I.), aparecia o chamado 5º parágrafo, onde a pessoa declarava se era russo, ucraniano, judeu, etc., etc.
Como este paráfrago era considerado discriminatório, os novos documentos russos só têm registada a nacionalidade.
Mais uma curiosidade da era soviética. Qualquer cidadão soviético de nacionalidade não russa podia optar por escrever nos documentos a sua nacionalidade verdadeira ou optar pela russa. Esta excepção foi frequentemente utilizada pelos judeus para fugir às ondas de anti-semitismo.
Mas como reza a anedota soviética de origem judaica: "As pessoas pagavam pela cara e não pelo documento".
Caro Marco Costa, penso que a sua fórmula complica ainda mais as coisas. Vamos chamar "russo" aos representantes dos mais de cem povos que habitam a Federação da Rússia, dos tchetchenos aos esquimós? Por vezes, utiliza-se a fórmula "russo de origem judaica", mas também penso não ser muito correcto.
Quanto ao facto do russiano ser um galicismo, é verdade, mas, neste caso concreto, parece a solução mais próxima da realidade. Cumprimentos. JMilhazes
Bom, está visto que, como dizia o Snake comentando um dos posts anteriores, que artigos acerca da cultura russa podem gerar bons debates.
Queremos mais destes caro Milhazes!
quanto ao tema, a palavra "russiano" parece ser "agressiva, ou seja, como aquelas palavras que têm dois particípios passados mas que cairam em desuso porque "ferem" o ouvido.
A solução "russo de origem esquimó" não me parece mal, até porque "russiano" não esclarece a proveniencia da pessoa em causa. Ou pode dizer, isso sim talvez fosse mais correcto e esclarecedor, "russiano de origem x ou y".
Por exemplo, nos EUA também há grande diversidade de povos (e França), e aí dizemos "italo-americano", "afro-americano", "native american" (caso dos índios). Em França dizemos "frances de origem magrebina", etc.
Enfim, divagações em torno da língua.
Será que os cidadãos russos de origem não-russa são de tal forma aguerridos quanto ao seu património que fazem questão em demarcar a sua origem?
"Russiano" parece-me estranho, mas a língua portuguesa está cheia de palavras estranhas. Por analogia, em português designamos por "malaios" todos os habitantes da Malásia, sejam eles de origem malaia, indiana ou chinesa e por "chineses" todos os habitantes da China. E até, já agora, por "espanhóis" todos os habitantes de Espanha...
Já agora, como se define um habitante da Abecázia? Russo, Abecaze ou Russo de origem Abecaze? (tudo menos georgiano)
Caro leitor, os abkhazes habitam a Abkházia, mas, nessa região autónoma da Geórgia, vivem tambéwm georgianos, russos, arménios, judeus.
Caro José Milazes,
Ainda relativamente ao alfabeto cirílico, ao que me foi dado a conhecer, após a queda da União Soviética, o governo do Uzbequistão iniciou o processo de substituição do seu alfabeto (que não era o cirílico tradicional russo, mas sim adaptado à língua Uzbeque) pelo alfabeto latino.
Contudo, o processo que devia de estar já concluído ainda continua. Será talvez um sintoma de como a influência ocidental ainda não conseguiu suprimir totalmente a influência e cultura russas.
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