Durante as duas últimas noites que Kondopoga, centro industrial da Carélia, república da Federação da Rússia na fronteira com a Finlândia, é palco de desordens e motins, que têm claramente um carácter antitchetcheno. Foram atacados e queimados quiosque, garagens, lojas e um restaurante pertencentes a tchetchetchenos e a outras pessoas originárias do Cáucaso.
Tudo começou na passada Quarta-feira, quando um grupo de jovens locais, alguns dos quais com cadastro na polícia, se juntaram numa festa num dos restaurantes da cidade. Embriagados, os jovens agrediram um empregado de mesa (tchetcheno) por este lhes ter pedido para fazerem menos barulho.
O tchetcheno conseguiu escapar à ira dos jovens russos e foi pedir ajuda a conterrâneos seus, que rapidamente se juntaram no local e se envolveram em violentos confrontos. As autoridades falam em dois mortos, mas a população local fala em quatro vítimas mortais da rixa, todos habitantes de Kondopoga.
Depois do funeral das vítimas, os habitantes locais organizaram uma manifestação para exigir o julgamento dos culpados dos assassinatos e a expulsão dos comerciantes caucasianos do mercado da cidade. Além disso, durante a madrugada de Sábado, foram atacadas e incendiadas várias lojas e quiosques pertencentes a caucasianos. A onda de violência foi travada com a intervenção de um destacamento de polícia de choque vindo de Petrozavodsk, capital da Carélia.
Durante todo o dia de Sábado, centenas de pessoas voltaram a juntar-se em frente do edifício onde estavam reunidas as autoridades locais a fim de exigir a expulsão de todos os caucasianos da cidade. Cerca de 100 jovens embriagados vagueavam pelas ruas de Kondopoga e atacavam à pedrada os carros que passavam.
Durante a madrugada de Domingo, uma multidão atacou o restaurante onde se deram os graves incidentes na passada Quarta-feira e incendiou-o (na foto).
No início dos conflitos, a polícia local, segundo testemunhos citados por agências de informação russas, não fez sérios esforços para travar a onda de violência e, por isso, as autoridades da Carélia viram-se obrigadas a enviar para a cidade polícia de choque e tropas.
O jornal electrónico newsru.com, citando fontes policiais, escreve que "praticamente todos os representantes das minorias nacionais abandonaram a cidade". Sabe-se também que os distúrbios provocaram vítimas, mas continua a desconhecer-se o número.
A cidade de Kondopoga encontra-se no Sul da Carélia, a cerca de 100 quilómetros a norte de Petrozavodsk. Importante centro industrial, é talvez a primeira vez na sua história que se vê no centro das atenções dos órgãos de informação e pela pior das razões.
Quase o mesmo se pode dizer da Carélia, república da Federação da Rússia que foi formada com base nos territórios conquistados pelo Exército Soviético à Finlândia durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Nos últimos anos, a Carélia só tem aparecido "nas bocas do mundo" quando pequenos partidos nacionalistas finlandeses exigem a devolução dessa terra.
O mais preocupante reside precisamente no facto de os distúrbios entre etnias terem ocorrido numa das zonas mais calmas da Rússia e poderem alastrar-se a outras regiões. Porém, deve-se sublinhar que Kondopoga não é "pioneira" neste tipo de incidentes. Habitantes da Rússia originários do Cáucaso têm sido alvos de ataques racistas em Moscovo (ver postagem : "Explosões em Moscovo tiveram origem racista" - 28.08.2006), São Petersburgo e noutras cidades russas.
2 comentários:
Caro leitor, as causas de semelhantes incidentes são diversas. No caso da Carélia, parece-nos que os confrontos foram a explosão de sentimentos recalcados da juventude local, libertados pelo abuso do álcool e a propaganda nacionalista. A "guerra da Tchetchénia" é transportada para outras regiões da Rússia sob outras formas.
É verdade que, em numerosas cidades russas - sendo isso bem evidente em Moscovo - os mercados, muitos casinos, restaurantes, etc. - encontram-se sob o controlo dos caucasianos, frequentemente ligados a grupos criminosos, mas essa situação deve-se ao grau de extrema corrupção existente entre as autoridades russas locais. Na Carélia, um dos negócios mais rentáveis é a venda ilegal de madeira, disputadas por grupos criminosos conotados com diferentes etnias.
No próximo mês de Outubro, na Carélia irão ter lugar eleições regionais e existem forças políticas, criminosas, interessadas em desestabilizar a situação.
No Cáucaso, o desemprego, a pobreza, a falta de perspectivas para a juventude obriga as pessoas a procurar uma vida melhor noutras regiões mais prósperas, cujos habitantes vêem nos imigrantes "concorrentes", "portadores de criminalidade", etc. Além disso, frequentemente, as autoridades russas tentam atirar as culpas das desgraças para cima dos forasteiros. Iúri Lujkov, Presidente da Câmara de Moscovo, inventou mesmo uma nova categoria étnica depreciativa "pessoa de nacionalidade caucasiana", embora semelhante nacionalidade nunca existiu, pois no Cáucaso vivem dezenas de povos e etnias diferentes. Os nacionalistas russos chamam aos caucasianos "cús pretos", bem como às pessoas que têm a pele um pouco mais morena do que os eslavos, como os portugueses, por exemplo.
Claro que se pode colocar a questão: mas essas pessoas não são todos cidadãos da Rússia? -É verdade, mas este país é multi-étnico, multi-religioso, multi-cultural. Quando um tchetcheno vem viver e trabalhar para Moscovo não é a mesma coisa que quando um minhoto vai trabalhar para o Algarve...
Contribui também para a situação criada a tolerância das autoridades russas face a grupos nacionalistas e fascistas. Já nenhum moscovita fica espantado ao ver na sua cidade manifestações com a participação conjunta de comunistas e nazis! Ou ouvir os dirigentes comunistas dizer que "nos ecrãns de televisão se vêem poucos rostos eslavos!
Claro que na URSS também aconteciam coisas destas e bem mais graves: campanhas anti-semitas, deportações de povos inteiros, discriminação no acesso à instrução, emprego, cargos estatais. O passaporte interno soviético tinha o famoso §5, onde se escrevia a "nacionalidade" do cidadão. Os judeus, por exemplo, tinham grandes dificuldades no acesso a numerosos cargos.
Outro grande crime do regime soviético foi a alteração brusca da balança étnica em numerosas regiões. Por exemplo,na Estónia, se os estónios constituiam mais de 90% da população dessa república quando ela foi ocupada pela União Soviética em 1939, em 1991, os estónios eram pouco mais de 50%. Nos anos 60 do séc. XX, foram para aí enviados milhares de ucranianos, russos, bielorrussos, pois, segundo o Partido Comunista Soviético, era preciso "reforçar a classe operária local", embora a verdadeira razão fosse reforçar o seu poder e prevenir tentativas de levantamentos locais.
Nas repúblicas da antiga União Soviética, o primeiro-secretário do Partido Comunista, que deveria ser o dirigente-mor , era, normalmente, um representante da etnia maioritária, mas o segundo-secretário, que detinha realmente o poder, era russo, ou, no pior dos casos, de origem eslava.
Os comunistas utilizavam ao máximo o "nacionalismo russo" para os seus objectivos de controlo do país. Isto não significa, porém, que o povo russo tivesse tirado algum proveito disso...
Seria impreciso dizer que os confrontos entre etnias e povos têm exclusivamente origem na política dos comunistas soviéticos, mas essa "política nacional" continua a fazer sentir-se na actual Rússia e noutros países saídos da URSS.
Este nosso comentário não pretende ser uma resposta exaustiva, mas um apelo aos leitores deste blog para que se juntem à discussão deste grave problema. Não pode ter respostas simples um problema tão complicado..
Caro David Leça, desconheço que os políticos russos apresentem alguma região exemplar no campo das reelações entre diversos povos e etnias. Há apenas regiões potencialmente mais ou menos conflituosas. A Carélia estava entre as últimas, mas aconteceu...
A sua pergunta fez-me lembrar uma anedota: Um velho arménio, no leito da morte, manda chamar os filhos para lhes dar um conselho: "Filhos, protejei os judeus, porque, depois deles, virão atrás de nós"...
Aqui está, talvez, uma das possíveis soluções para resolver problemas em Estados multinacionais.
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