Recebi a notícia do assassinato da jornalista Anna Politkovskaia durante uma das longas viagens de comboio pela Rússia e, por isso, só agora tenho acesso ao computador e internet. Mas não posso deixar de reagir.
Não era amigo da Anna, encontrei-me com ela apenas uma ou duas vezes num estúdio de televisão, mas eu era daqueles jornalistas que lia com toda a atenção os seus artigos no bissemanário Novaia Gazeta, para conseguir informações fidedignas sobre as violações dos direitos humanos pelas tropas russas e pelas autoridades tchetchenas pró-russas na Tchetchénia. Escusado será dizer que, quando esses direitos eram espezinhados pelos guerrilheiros separatistas tchetchenos, ela desmascarava essas violações com a mesma convicção.
Tinha um ar de mulher tímida, mas, na realidade, coragem nunca lhe faltou. Foi várias vezes ameaçada de morte e alvo de uma tentativa de envenenamento pelos serviços secretos russos, mas nunca desistiu de procurar a verdade.
Satisfeitos com este crime estão aqueles que querem continuar a espezinhar os direitos humanos na Federação da Rússia: os actuais dirigentes do governo tchetcheno pró-russo, acusados de raptarem civis, torturarem, matarem sumariamente; os generais russos que continuam a permitir que as praxes nas Forças Armadas matem dezenas de jovens e deixem inválidos muitas centenas; os grupos criminosos que continuam a extorquir e a matar para aumentar a sua riqueza; os serviços secretos e polícia corruptos que já não sabem viver e actuar de forma minimamente digna.
Num país onde a liberdade de expressão é cada vez mais um fantasma, a morte de Anna não é apenas uma tragédia, mas uma catástrofe para a Rússia. O crime foi cometido no dia em que o Presidente Putin celebrava o 54º aniversário e os autores do crime não podiam inventar maior "presente envenenado" para o dirigente russo. E para que fique bem claro de que se trata realmente de um "presente envenenado", Vladimir Putin deve fazer com que a sua polícia e os seus serviços secretos encontrem não só o/os pistoleiro/s, mas também os "encomendadores" deste crime hediondo. Caso contrário, mais uma sombra negra pairará sobre o Kremlin de Moscovo.
Se o funeral de Anna Politkovskaia não se transformar numa grande manifestação humana contra o crime, a violência e a arbitrariedade na Rússia, será caso para citar um velho ditado: "cada povo tem os governantes que merece".
Os pormenores do assassinato e a reacção dos políticos russos estão no artigo escrito pela minha colega Sofia Lorena no Público: http://jornal.publico.clix.pt/noticias.asp?a=2006&m=10&d=08&uid=&id=101326&sid=11189
3 comentários:
Os meus sinceros sentimentos a todos os familiares, amigos e colegas de trabalho de Anna Politkovskaia.
Erros meus, má fortuna... amor ardente a um trabalho digno. Quando cada vez mais evidencia que jornalismo é uma profissão de risco, que apareçam mais Annas...
Não sou jornalista, mas tenho o maior respeito por todos os que o são, com a mesma devoção e luta pela verdade... um exemplo a seguir entre portas portuguesas...
Pena que estes senhores da "cidadela" continuem a utilizar os mesmos meios que os da "Dzjerjinsky".
Assim vai a democracia na Russia.
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