sexta-feira, dezembro 29, 2006

Contributos para a História - Cabo Verde

Mornas cabo-verdianas na Rússia


Há uns anos atrás, durante uma das digressões de Cesária Évora a Moscovo, tive a oportunidade de jantar com Tito Paris, um dos músicos que a acompanhavam e homem por quem tenho grande admiração. Falámos de muita coisa e, como não podia deixar de ser, da música popular carbo-verdiana. Foi então que tive a ideia de procurar nas memórias dos marinheiros russos as menções às mornas de Cabo Verde.
Konstantin Staniukovitch (na foto), oficial da marinha russa, fez uma longa viagem marítima, em 1860-1861, e passou por Cabo Verde. No livro “Viagem de Circum-navegação na “Korchun””, este escritor deixou o seguinte relato de uma visita a casa de uma família de cabo-verdianos de Porto Grande:
“Um dos oficiais dirigiu-se ao português para pedir que transmitisse à dona de casa que todos pediam-lhe que cantasse alguma canção popular negra.
Quando o português lhe transmitiu o pedido, todas as mulheres abanaram afirmativamente a cabeça. Elas sussurraram entre si, talvez para escolher a canção. Por fim, decidiram-se. De súbito, os seus rostos fizeram-se sérios; elas apertaram as maçãs do rosto com as mãos e começaram a cantar muito baixinho.
Era algo monótono, extremamente triste e que apertava a alma. Cantavam de forma suprema; as vozes eram jovens e frescas. Nessa canção melancólica ouvia-se lamentos silenciosos e uma tristeza profunda, cheia de resignação...
E tudo isso era cantado em voz baixa, monocórdica, monótona. E mais lamentos e tristeza sem fim... Nem um só som maior, nem uma notinha de protesto!
Os marinheiros russos sentiram algo de conhecido, familiar nessa canção. Faziam involuntariamente recordar as melancólicas canções russas.
As negras cantaram assim durante um quarto de hora e calaram-se.
- Então, gostaram? – perguntou o português com ironia.
O português – amarelo, magro e antipático – olhou, perplexo, para os russos: mas que bárbaros no campo da música; será que gostaram?!
- Qual a letra da canção? – revelou curiosidade Achanin, em quem a canção tinha provocado forte impressão.
- As comuns queixas estúpidas: queixam-se dos brancos, têm pena dos irmãos escravos e mais ou menos nesse sentido.
Os marinheiros estiveram sentados mais um quarto de hora e saíram, depois de terem pousado num prato uma moeda cada um, como agradecimento pela hospitalidade e o canto...”

1 comentário:

Mikolik disse...

Pois é, os Russos são um povo romântico e sentimental, como nós, e ao contrário do que a dissimulada "propaganda" ocidental nos acabou por convencer com filmes e noticias selectivas.

Além disso são uma nação cheia de história e cultura, formada por um povo culto e instruído, moldado pela sofrimento e condições ambientais particularmente difíceis, factores catalizadores da sensibilidade humana.