quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Contributos para a História (ANGOLA)


Não sei até que ponto é que o artigo abaixo publicado contém dados novos, mas decidi traduzi-lo e publicá-lo no meu blog. Trata-se do artigo "Máfia dos Diamantes. Episódios pouco conhecidos da História Contemporânea de Angola" de Serguei Kononov, russo que trabalhou nesse país africano. Em russo, ele foi publicado no Nº 11 de 2003 da revista "Ásia e África Hoje".


"Nos melhores anos, Angola extraía 2,39 milhões de carates de diamantes por ano, o que constituía 8-9% da extracção dessas pedras no Continente Africano. Nos primeiros anos depois da proclamação da independência, em 1975, o Governo angolano não soube manter a indústria diamantífera ao nível devido e os volumes da extracção desceram várias vezes. Isso foi devido a várias circunstâncias. Tratou-se do êxodo em massa da população branca, incluindo especialistas em minas, e da guerra ininterrupta contra os movimentos da oposição da UNITA e FNLA, que eram apoiados pelo Governo sul-africano e pela CIA.
O contrabando dos diamantes angolanos que eram roubados das minas da companhia angolana "Diamang" provocou também um prejuízo considerável. Em 1985, realizou-se em Luanda o julgamento do caso de contrabando de diamantes, conhecido como processo dos "camanguistas", sobre o qual os órgãos de informação russos praticamente nada informaram então. O autor destas linhas trabalhava, nessa altura, em Angola e muitos dos acontecimentos ligados ao processo ocorreram na sua presença.
A especulação nos mercados locais entre a população mais diversa de Luanda chamava-se "candonga". E se era preciso dizer que a mercadoria foi comprada no mercado, dizia-se "comprei na candonga". Curto e claro.
O autor deste artigo teve várias vezes a oportunidade de se convencer da existência do tráfico ilegal de diamantes da província Lunda Norte. Confidentes angolanos propuseram-me por mais de uma vez adquirir uma certa quantidade de "pedrinhas" por um preço muito moderado, podendo o pagamento ser feito com mercadorias, claro que não ao preço do Estado, mas da "candonga". Reconheço que senti tentação... Mas, seguindo o provérbio: "Deus protege aquele que se protege", recusei sempre as propostas tentadoras. Porque elas podiam partir de agentes da segurança estatal local, cujos instrutores eram contra-espiões soviéticos...
Em 1978-1979, o comércio ilegal de diamantes estava nas mãos da organização "Grupo Caravela". Em linguagem moderna, isso chamar-se-ia um grupo criminoso organizado. A sede ou "protecção" era a empresa "Pérola de Bengo", propriedade de João Batista, que, juntamente com Joaquim Rocha, dirigia toda a actividade da empresa.
O transporte de diamantes ou "mercadoria" era feito pelo piloto Fernando Mendes da Silva, conhecido pela alcunha de "Colorau". Ele transportava também o dinheiro, exclusivamente em moeda estrangeira, recebido dos compradores.
Nos finais de 1980 e início de 1981, regressou de Portugal a Angola Eduardo Alcouce, que criou na capital, juntamente com Rocha, a empresa respeitável "Actimel", um bom disfarce para a candonga. Em 1982, em Portugal formou-se o "Diamante Clube de Portugal", que se tornou, no fundo, um sindicato para controlar o mercado de diamantes.
Em Angola, além do "Grupo Caravela", apareceu um segundo grupo, ligado ao clube diamantífero português, com sede em Luanda. Tratou-se da empresa "Stand Univendas", dirigido por António Gonçalves da Costa, conhecido pela alcunha de "Fúria". Ambos os grupos estabeleceram laços fortes nos mercados diamantíferos tradicionais europeus. Os diamantes para os países europeus eram transportados por pilotos da companhia aérea angolana TAAG. Depois, eram enviandos para a Bélgica, onde a venda da mercadoria era feita por Serge Honig, Adolf Berg, um tal Roberto e outros.
Na própria Angola, os contrabandistas criaram uma séria de casas de câmbio. As despesas dos exploradores e dos especulantes de diamantes no interior do país eram pagas em moeda local e o valor do dólar no mercado negro era tal que o câmbio era mais uma forma dos grupos criminosos organizados terem lucro.
Não obstante a concorrência, os grupos entendiam-se no cumprimento do código comercial da honra. Por exemplo, eles informavam um ao outro as quantias e a envergadura das operações a fim de evitar fugas de "mercadoria" do sistema. Do outro lado, os compradores belgas não adquiriam diamantes além dos vendedores do "sistema".
Por exemplo, quando os comerciantes independentes Zeca Sibéria e Toni Calles, depois de chegarem à Bélgica, tentaram vender diamantes das minas angolanas, ladeando os intermediários portugueses, ofereceram-lhes um preço quatro ou cinco vezes inferior ao que os diamantes eram comprados às companhias monopolistas.
A rede ligada ao "Clube Diamante" estendia-se até ao Zaire, para onde os diamantes eram transportados por condutores de camiões através da fronteira na província Lunda Norte.
Porém, em 1983, a harmonia foi destruída pelo aparecimento de mais uma rede indendente das duas primeiras. Tratava-se da rede de Luís Barria Sousa da Silva, nascido na província do Bié, que tinha fugido, depois da proclamação da independência, para a Namíbia, onde, segundo dados da segurança de Estado angolana, colaborou com os homens da UNITA. Luís da Silva, em 1982, foi para Portugal, criando aí uma poderosa empresa de "encaminhamento de diamantes" com ligações em Espanha e Bélgica.
Esta rede de representantes mais jovens, dinâmicos e agressivos do mundo "camaguista", que começou a atrair as pessoas necessárias de outros grupos. Eles infiltraram também dois agentes nos grupos concorrentes do tráfico diamantífero para os estudar com vista à desintegração desses grupos.
Os "camanguistas" do Silva estabeleceram negócios com embaixadas de uma série de países. Eles recebiam os diamantes directamente das minas das províncias setentrionais do país, ladeando a corrente de intermediários.
Tal como os dois primeiros grupos, foram criadas casas de câmbio ilegais para trocar moeda convertível pelos quanzas locais. Os pilotos portugueses da companhia aérea TAAG, Artur Pereira e Rui Cardoso, garantiam o transporte dos diamantes para Portugal.
Parte significativa dos diamantes, por caminhos trilhados, ia para o Zaire, e daí, o piloto José Marques dos Santos, no avião companhia aérea portuguesa TAP, trazia-os para Portugal, e daí para os EUA.
Pergunta-se: porque razão para os EUA?
Esta era precisamente a particularidade deste grupo de "camanguistas". O problema era que a maior parte dos diamantes roubados das minas eram diamantes de 2-3 carates. Os consumidores principais dos diamantes pequenos são a indústria americana, antes de tudo a militar. Desse modo, os diamantes angolanos enviados ilegalmente para a América participavam "indirectamente" no fabrico de armamentos fornecidos, com a ajuda da CIA, aos movimentos da oposição UNITA e FNLA
Assim foi até 1985. Com os esforços dos órgãos de segurança do Estado, com o apoio de conselheiros do KGB, todos os três grupos de "camaguistas" foram desmantelados. A maioria dos participantes foram detidos e julgados pelo tribunal popular de Angola.
A companhia de extracção de diamantes "Diamang" calculou o prejuízo causado pelos três grupos de traficantes de diamantes numa quantia comparável ao valor de metade da importação anual de alimentos para Angola.
A direcção de Angola dedicou enorme atenção ao processo dos traficantes de diamantes. Sobre os prejuízos causados à economia do país pelo contrabando de diamantes falou, numa das suas intervenções, o secretário para a ideologia do CC do MPLA, Roberto Almeida (cito pelas notas no meu diário): "Os camanguistas provocaram um enorme prejuízo à economia de Angola, alimentaram e apoiaram o grupelho da UNITA. À primeira vista, os "camanguistas" tinham apenas como objectivo o enriquecimento pessoal, mas as suas consequências e os objectivos eram significativamente mais amplos: desestabilizar o Estado. O contrabando de diamantes e o câmbio ilegal de dinheiro visavam sufocar a circulação monetária, reduzir ao mínimo os lucros da "Diamang", garantir o apoio material a grupos de fantoches".
Segundo os investigadores dos órgãos de segurança, tão grande contrabando de diamantes não podia existir eficazmente sem amplas ligações corruptas na direcção do país. Mas nenhum dos altos funcionários apareceu no processo, embora um dos dirigentes da segurança de Estado da província de Huila me tenha segredado que, no processo dos "camaguistas", esteve envolvido o antigo ministro da Defesa, Iko Carreira.
É sabido que, nesse caso, esteve envolvido o angolano Fernando Fragata. Jogador da selecção de hóquei em patins, Fragata foi recrutado em Lisboa pelo agente secreto americano Raul Dias. Na capital de Angola, Fragata tinha o arquivo, o transmissor e cifras do antigo consul americano em Luanda. Ele tinha dinheiro suficiente para realizar trabalho de espionagem, incluindo dólares americanos.
Por todos os crimes, que, além de espionagem, incluía tráfico de diamantes, Fragata foi condenado à morte. Depois, a sentença, na parte da acusação pelos crimes contra a segurança do Estado, foi suspensa devido à necessidade de maior investigação. Fragata cumpriu, por tráfico de diamantes, a pena de seis anos de prisão no campo de concentração de Bentiaba, onde o autor do artigo teve oportunidade de o ver.
Assim terminou o processo sobre o contrabado de diamantes en grande envergadura de Angola para a Europa e os EUA.
Alguns angolanos disseram-me que, no mercado negro de diamantes dos países europeus, surgiam também diamantes soviéticos. Então, acreditava nisso com dificuldade... Porém, as publicações dos últimos anos sobre o aumento inédito da criminalidade, nomeadamente nessa época, convenceram-me que tudo podia ter acontecido. Afinal, em que somos piores?.."




4 comentários:

Ralf Wokan disse...

Olá José,

encontrei esta pagina, mas só uma pagina está em inglês...
http://www.angola.ru/eng/

Obrigado pela tradução sobre a mafia !
Fiz uma tradução para o alemão e um link no Portugalforum.de

Cumprimentos
Ralf

ajul dos santos disse...

Não é Luis Barria...mas Manel Barria...montou o mesmo esquema na Namibia e agora Kimberly. Fez o Horacio Roque abrir um banco com os ganhos

ajul dos santos disse...

Carlos Teixeira..Manel Barria...Viljoen.....Garçao.....tudo igual como era em Luanda...agora na Namibia e Africa do Sul

ajul dos santos disse...

Manel Barria não Luis Barria...a facturar em grande depois de Angola foi Namibia e agora Kimberley