O destino tem destas ironias. Não via o Professor Pedro Calafate há cerca de 30 anos. Fomos colegas de estudos no Liceu Eça de Queirós, na Póvoa de Varzim, depois parti para a União Soviética, em 1977, e nunca mais o encontrei.
Sabia, através da imprensa, que se doutorára em Filosofia, que publicou uma série de obras sobre a especialidade, nomeadamente sobre o pensamento português. Há dois anos atrás, Pedro Calafate esteve em São Petersburgo, nos 300 anos da fundação da cidade, para falar da vida e obra de António Ribeiro Sanches, mas eu não tive a oportunidade de participar nesse evento.
O nosso encontro deu-se, finalmente, durante as conferências sobre as relações russo-portuguesas, realizadas a semana passada em Moscovo e São Petersburgo. E foi nesta última cidade que tivemos algumas horas para recordar velhos amigos, antigas estórias da nossa infância e mocidade na Póvoa de Varzim.
Na última noite em São Petersburgo, depois de termos ido assistir à ópera Rigolleto, no Teatro Marinski (inesquecível espectáculo!), fomos jantar, juntamente com o incansável João Mendonça, leitor de português do Instituto Camões na Rússia, e a minha esposa a um restaurante georgiano.
Foi durante o repasto, que também estava excelente, que recordámos o Franklim da Póvoa. Era das figuras típicas da vila (naquela altura, a Póvoa ainda não era cidade), a alegria das crianças. Recordo-me que, quando ia para a "praia do peixe" (para distinguir da "praia de banhos", onde a presença dos filhos dos pescadores estava longe de ser aplaudida!) com a minha mãe esperar o barco onde trabalhavam o meu pai e o meu irmão, nós, os filhos dos pescadores, matávamos o tempo a jogar à bola na areia ou noutras brincadeiras de crianças.
Mas quando chegava o Franklim! Que grande festa! Homem com idade difícil de determinar, talvez 60 ou 70 anos, sempre de boina preta, ele tinha uns enormes lábios e um nariz batatuto, de um vermelho provocado pelo abuso do tinto, mas que lhe permitia fazer acrobacias para grande alegria da canalhada. Ora equilibrava no seu potentoso nariz uma vassoura que pedia a alguma peixeira, ora uma moeda de dez tostões (um escudo).
Mas o ponto alto da actuação era o movimento rápido dos lábios, que provocava sons hilariantes:desde o "blu-blu-blu!" até melodias improvisadas, e era agraciado com gritos e palmas das numerosas crianças e adultos, locais e forasteiros, que rodeavam Franklim.
Não tendo um "reportório" muito extenso, nunca cansava os espectadores. A recompensa era alguma moeda ou um peixe, que ele rapidamente convertia em moeda e dirigia-se para a tasca mais próxima do local onde as peixeiras leiloavam o que os maridos e filhos traziam do mar.
Quando os meus leitores forem à Póvoa de Varzim e, na marginal, perto do Casino, depararem com o monumento às peixeiras, profissão praticamente extinta, lembrem-se do Franklim. Era aí que ele fazia a felicidade de muitos miúdos para quem o palhaço do circo era um luxo impensável.
Caro Franklim, foste recordado também em São Petersburgo!
Sabia, através da imprensa, que se doutorára em Filosofia, que publicou uma série de obras sobre a especialidade, nomeadamente sobre o pensamento português. Há dois anos atrás, Pedro Calafate esteve em São Petersburgo, nos 300 anos da fundação da cidade, para falar da vida e obra de António Ribeiro Sanches, mas eu não tive a oportunidade de participar nesse evento.
O nosso encontro deu-se, finalmente, durante as conferências sobre as relações russo-portuguesas, realizadas a semana passada em Moscovo e São Petersburgo. E foi nesta última cidade que tivemos algumas horas para recordar velhos amigos, antigas estórias da nossa infância e mocidade na Póvoa de Varzim.
Na última noite em São Petersburgo, depois de termos ido assistir à ópera Rigolleto, no Teatro Marinski (inesquecível espectáculo!), fomos jantar, juntamente com o incansável João Mendonça, leitor de português do Instituto Camões na Rússia, e a minha esposa a um restaurante georgiano.
Foi durante o repasto, que também estava excelente, que recordámos o Franklim da Póvoa. Era das figuras típicas da vila (naquela altura, a Póvoa ainda não era cidade), a alegria das crianças. Recordo-me que, quando ia para a "praia do peixe" (para distinguir da "praia de banhos", onde a presença dos filhos dos pescadores estava longe de ser aplaudida!) com a minha mãe esperar o barco onde trabalhavam o meu pai e o meu irmão, nós, os filhos dos pescadores, matávamos o tempo a jogar à bola na areia ou noutras brincadeiras de crianças.
Mas quando chegava o Franklim! Que grande festa! Homem com idade difícil de determinar, talvez 60 ou 70 anos, sempre de boina preta, ele tinha uns enormes lábios e um nariz batatuto, de um vermelho provocado pelo abuso do tinto, mas que lhe permitia fazer acrobacias para grande alegria da canalhada. Ora equilibrava no seu potentoso nariz uma vassoura que pedia a alguma peixeira, ora uma moeda de dez tostões (um escudo).
Mas o ponto alto da actuação era o movimento rápido dos lábios, que provocava sons hilariantes:desde o "blu-blu-blu!" até melodias improvisadas, e era agraciado com gritos e palmas das numerosas crianças e adultos, locais e forasteiros, que rodeavam Franklim.
Não tendo um "reportório" muito extenso, nunca cansava os espectadores. A recompensa era alguma moeda ou um peixe, que ele rapidamente convertia em moeda e dirigia-se para a tasca mais próxima do local onde as peixeiras leiloavam o que os maridos e filhos traziam do mar.
Quando os meus leitores forem à Póvoa de Varzim e, na marginal, perto do Casino, depararem com o monumento às peixeiras, profissão praticamente extinta, lembrem-se do Franklim. Era aí que ele fazia a felicidade de muitos miúdos para quem o palhaço do circo era um luxo impensável.
Caro Franklim, foste recordado também em São Petersburgo!
Foto: o autor do blog, João Mendonça e Pedro Calafate, no Café Literário de São Petersburgo. Reza a lenda que teria sido aqui que o grande compositor russo Piotr Tchaikovski foi envenenado. Nós almoçámos bem...
11 comentários:
[..] onde a presença dos filhos dos pescadores estava longe de ser aplaudida!
Pois é. E não há muito tempo.
Desconheço o caso concreto, mas essas palavras têm muito significado.
Parece-se soarem a algo como: ainda ontem tínhamos estas reacções e já hoje nos supomos civilizados.
Ou, ainda, olhando para o passado recente (que para muitos é absolutamente longínquo) que pensarão nossos filhos do que fazemos hoje?
Divirta-se. À nossa escala, vou-me divertindo com a Torre de Belém. Ainda cheirará a bafíu?
.
... parece-me que se escreve "bafio".
É sempre agradável encontrar pela internet algo sobre a Póvoa de outrora, de meus antepassados. Como eu gostaria de ter conhecido a essência desta "Póvoa do Mar".
Talvez se recorde do meu avô, pescador poeta conhecedor de Esperanto: Macário da Silva Nunes, ou melhor, Macário "Potrico"...
Caro JC Nunes, Macário Potrico, seu avô, devia residir para os lados do Norte, e eu nasci perto da Igreja da Senhora da Lapa e fui muito cedo, tinha 6 anos, viver para a Poça da Barca. Conheci vários Macários (nome comum entre os pescadores), mas concretamente do seu avô não me lembro. No entanto, é sempre agradável encontrar conterrâneos. Cumprimentos. JMilhazes
Foi com nostalgia mas com grande satisfação que recordei Franklim, personagem de que não me lembrava há cerca de 40 anos. Tambem eu ía à p. do peixe, o mar era mansinho, e também a mim me divertiu o franklim. Hoje ri-me com a minha filha a tentar explicar/imitar as suas proezas.
Cristina Calafate
Cara Clara, é com grande prazer que recebo mensagens destas. Quando tiver tempo, talvez escreva as recordações sobre o Mário das Bicicletas, o "Cholas", que engraxava sapatos na Praça do Almada, o Antonov, aquele homem de barbas brancas, e outras personagens que fazem parte do meu/nosso imaginário infantil. Mas se outros se recordarem e enviarem, publicarei de bom grado no meu bloco. Cumprimentos e muitas saudades da Póvoa.
O meu avô residiu também no Sul. Morou por exemplo na Rua 31 de Janeiro e Rua dos Ferreiros. Talvez lá chegue se lhe disser que ainda jovem perdeu a visão num acidente no mar com explosivos utilizados para a pesca na época.
Deixo aqui a sugestão para visitar o link abaixo onde pode ouvir o próprio recitar um dos seus mais belos poemas sobre a nossa terra...
http://media.putfile.com/ala-arriba/
Esse sentido de humor que tão bem (ou também)te define! Um grande abraço
Caro leitor Nunes, claro que agora me recordo muito bem do seu avô. Morava à beira da senhora da Lapa e claro que me lembro dos poemas dele. Ele passava muito tempo na "praia do peixe" e lembro-me de o ver muitas vezes junto à porta da casa, quando eu passava para e do liceu. A proósito, uma das filhas dele estava casada com um amigo de infância, penso que se chama Manuel. A avô deste tinha uma mercearia na rua 31 de Janeiro, em frente da casa em que nasci. Era a loja da tia Inácia.
Como vê, caro leitor, este muito é mesmo muito pequeno. Um abraço
Boas recordaçoes me fez lemdrar do «franklim dos caramelos» juntavamos todos á volta dele e era um encher de rir com o manejar artistico da quele rosto e lábios fazendo blum,blum. fez-me lembrar outra figura tipica que era o «Marquês de A-Ver-o-mar» que vinha na sua bicicleta bem ornamentada mais os seus dedos com aneis de condessa e que tinha uma perna de pau, sentando-se a tomar café no diana -bar.com brilhantina naqueles cabelos colados ao couro cabeludo e de vez em quando mandava uma penteadela neles pra ajeitar melhor adicionando cuspe,,, lembra-se? tenho na memoria ,mas foto nao encontro.... obrigado zé milhazes. um abraço
irene cardoso
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