quarta-feira, dezembro 05, 2007

Velhas novidades


Este texto foi-nos enviado por Thomaz Napoleão,um jornalista e estudante brasileiro residente em Moscovo.

"A vitória acachapante dos apoiadores do presidente Vladimir Putin nas eleições parlamentares do último domingo, 2 de dezembro, repetiu antigas tendências da política russa e serve de presságio para o futuro próximo. Aparentemente, quase nada mudou. Os mesmos quatro partidos, três dos quais são pró-Kremlin, continuarão representados na Duma. O principal deles, Rússia Unida, vai controlar cerca de 315 das 450 vagas do parlamento; mas isto não constitui uma novidade política, pois o partido já possui 305 cadeiras.
Os inúmeros abusos eleitorais registrados pelos observadores da OSCE também não são um facto novo. O pleito parlamentar russo de 2003 também foi considerado "livre mas não justo" ("free but not fair") pela mesma organização.
Mais importante ainda, a prática de manipular votos já existia na Rússia pré-Putin. As eleições presidenciais de 1996, quando Boris Iéltsin foi reeleito ao vencer o comunista Guennadi Ziuganov, também foram repletas de fraudes, como revelou anos mais tarde Michael Meadowcroft, chefe da missão observadora da OSCE para aquele pleito.
O curioso é que os governos ocidentais, na época, reconheceram a eleição russa de 1996 como "um feito histórico", nas palavras de Bill Clinton, ou o "enraizamento da democracia", segundo Jacques Chirac.
Tampouco é novidade o fracasso dos partidos liberais e pró-ocidentais, Iabloko e SPS. Nas eleições anteriores estes blocos também não lograram atingir a votação mínima para ingressar na Duma. Embora tenham sido marginalizados pela mídia televisiva durante a campanha, os liberais são verdadeiramente impopulares no país, pois são tidos como culpados pela catástrofe social e econômica dos anos 1990.
O ressentimento ainda é o fator determinante da vida política russa. A verdadeira novidade decorrente da votação pode estar por vir. A oposição russa gosta de criticar o "regime Putin", mas o termo é incorreto. Até agora, existiu apenas o "governo Putin". Não houve mudança de sistema político entre Iéltsin e Putin. A centralização de poderes no Executivo foi reforçada pelo atual presidente, porém criada pelo seu antecessor, que escreveu e impôs à força a Constituição de 1993.
No entanto, o verdadeiro "regime Putin" talvez esteja em gestação. Vencedor das eleições, o presidente considera-se agora no "direito moral" de continuar a influir sobre a política nacional, embora seu mandato termine no próximo semestre.
Fraudados ou não, os russos em geral apóiam a idéia. Caso Putin se torne primeiro-ministro e chefe da maioria parlamentar da Rússia Unida, e um burocrata insípido, fraco e mais velho (como Viktor Zubkov) seja feito presidente, como se especula, todas as condições para o surgimento de um novo regime existirão.
Guardadas as diferenças históricas, o conceito de um partido que controla o Estado é conhecidíssimo dos russos. Alguém se lembra de Nikolai Chvernik, o homem da foto acima? Ele foi o presidente do Soviete Supremo, portanto o chefe de Estado oficial da União Soviética, entre 1946 e 1953. Nesta época, o primeiro-ministro e chefe do partido governante era um certo Josef Vissarionovich, que talvez seja mais conhecido dos leitores.
Putin deseja ocupar exatamente os mesmos cargos. Apoio popular não falta ao atual presidente. Seu partido, Rússia Unida, não possui nenhuma ideologia mas se assemelha cada vez mais à nomenklatura dos velhos tempos - uma enorme elite corporativista. A mídia está ao seu lado. A economia vai de vento em popa. As críticas do Ocidente fornecem um perfeito "inimigo externo". Antes mesmo de nascer, o novo regime já é forte, sadio e legítimo. Não vai haver golpe de Estado na Rússia. Não será preciso."

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