terça-feira, maio 13, 2008

Teria a notícia das aparições de Fátima chegado ao czar Nicolau II?


O artigo abaixo apresentado é da minha autoria e foi publicado no Diário de Notícias do passado Domingo

"O fenómeno das aparições de Fátima na Cova de Iria está estreitamente ligado à Rússia, porque os destinos deste país estiveram no centro de um dos seus “três segredos”. Daí também a atenção dedicada no país aos acontecimentos de 13 de Maio de 1917.
Uma das questões que os estudiosos colocam é se chegaram notícias sobre as aparições na Cova de Iria ao último czar russo, Nicolau II, que, em 1917, se encontrava detido na cidade de Tobolsk e, em finais de 1918, foi fuzilado pelos comunistas com toda a família.
Em 1975, em Nova Iorque foi publicado o livro de memórias “Casa Especial” de Charles Gibbs, perceptor do filho e das quatro filhas de Nicolau II e de Alexandra. Este inglês, que esteve com a família real russa entre Outubro de 1917 e Fevereiro de 1918, conseguiu escapar às mãos dos carrascos comunistas, regressou a Inglaterra, onde se converteu do anglicanismo à ortodoxia e dirigiu a comunidade ortodoxa de Oxford até 1963, ano em que faleceu.
Nessa obra, Charles Gibbs escreveu: “Em meados de Outubro chegaram alguns jornais, publicados nos meses de Junho e Julho. Sua Alteza mostrou-me alguns jornais onde, com títulos diferentes, se fazia a descrição do milagre de Fátima... Todos os jornais descreviam pormenorizadamente as aparições extraordinárias na azinheira na Cova da Iria, assinalando que crianças camponesas analfabetas de uma aldeiazita remota portuguesa tinham alguma noção sobre a Rússia. Isso era simplesmente incrível!”.
“No lugar de Vossa Alteza – assinalei com cuidado -, eu não prestaria especial atenção a essas notícias. Sabe como são os jornalistas e a sua eterna inclinação para os exageros. Nos países católicos, semelhantes casos como o milagre de Fátima não são uma raridade”.
No entanto, segundo escreve Gibbs, Nicolau II não concordou com ele: “Nnenhum jornalista português teria a ideia de pôr nos lábios dessa menina profecias sobre a Rússia... Em Portugal não só essa menina analfabeta, mas a maioria dos proprietários sabe tanto da Rússia como nós deles, talvez menos. Quem podia colocar nos lábios da menina, talvez santa no futuro, palavras precisamente sobre a Rússia?”.
No seu diário, o czar Nicolau II regista a presença de Charles Gibbs em Tobolsk entre Outubro de 1917 e Fevereiro de 1918.
“Dia frio, claro. Soubemos ontem que chegou o mr. Gibbs, mas ainda não o vimos, talvez porque as coisas e as cartas que trouxe ainda não foram revistadas!” – escreve Nicolau no dia 06 de Outubro de 1917.
Mas o último czar da Rússia nada deixou nos seus escritos sobre a conversa com Charles Gibbs acima citada.
O tema das aparições de Fátima esteve presente em alguns sectores da Igreja Ortodoxa Russa durante a era comunista.
A 3 de Abril de 1975, em pleno PREC em Portugal, o sacerdote Glev Iakunin e o teólogo ortodoxos Lev Reguelson dirigem um “Apelo aos cristãos de Portugal, onde pedem aos portugueses que não se deixem ludibriar pelos discursos dos comunistas.
“Imploramo-vos que, ao definir o vosso comportamento na Vossa edificação político-social do novo Portugal, não se esqueçam da trágica e edificante experiência do nosso país.
Se os comunistas, a título excepcional, podem chegar ao poder por via pacífica e democrática, eles, nem na teoria, nem na prática, admitem a possibilidade de ceder esse poder por via pacífica. Isso significa que a sua vitória fecha a via a qualquer desenvolvimento político posterior, a qualquer criatividade política. Quando chegam ao poder, eles ignoram a vontade do povo se ele estiver contra eles. Na Rússia, em 1918, depois de não conseguir impôr a maioria nas eleições para a Assembleia Constituinte e impôr-lhe o seu programa, os comunistas-bolcheviques dissolveram-na imediatamente” – escreviam eles no apelo, publicado na revista clandestina “Mensageiro do Movimento Social-Cristão da Rússia”.
Iakunin e Reguelson deixam aos portugueses a pergunta: “Com tristeza e preocupação, dirigimo-vos a vós com a pergunta: será que a alma popular de Portugal sofreu uma fractura tão profunda que a Praça Branca de Fátima irá parar às mãos dos inimigos da Igreja, será que os portugueses permitirão fazer sangrar uma vez mais o Coração Imaculado de Maria?”.
Actualmente, a direcção da Igreja Ortodoxa Russa olha com cepticismo para o fenómeno de Fátima, vendo nele uma forma do Vaticano tentar atrair para o seu seio o rebanho ortodoxo.
“As profecias de Fátima não se enquadram na tradição ortodoxa. Interpreto a profecia como o renascimento espiritual da Rússia, e não como a conversão do país ao catolicismo” – considera o metropolita de Smolenski e Kaliningrado Kirill, dirigente do Departamento de Relações Internacionais da Igreja Ortodoxa Russa.
O padre Leonid, de uma das paróquias de Moscovo, declarou à Lusa que “se pode olhar com cepticismo para as profecias de Fátima, mas também se pode acreditar plenamente nelas”.
“Nós acreditamos noutra coisa, que a Ortodoxia penetrou no corpo e no sangue do povo russo. Este continua a ser um povo crente, não sei que parte, e conserva a fidelidade à Santa Ortodoxia” – concluiu ele."

2 comentários:

ulisses disse...

“Em meados de Outubro chegaram alguns jornais, publicados nos meses de Junho e Julho. Sua Alteza mostrou-me alguns jornais onde, com títulos diferentes, se fazia a descrição do milagre de Fátima... Todos os jornais descreviam pormenorizadamente as aparições extraordinárias na azinheira na Cova da Iria, assinalando que crianças camponesas analfabetas de uma aldeiazita remota portuguesa TINHAM ALGUMA NOÇÂO SOBRE A RÙSSIA. Isso era simplesmente incrível!”


A irmã Lúcia faz referências à Rússia só após a revolução. As memórias foram escritas entre 1935 e 41. Os 2 primeiros segredos foram desvendados em 41; o czar morreu em 1918, logo o diálogo acima não pode ter acontecido.

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro m&m, a sua observação é pertinente, mas eu prefiro, primeiro, consultar pelo menos os jornais russos da época e ver se alguma coisa, por mínima que seja, chegou àquele país. Caso contrário, teriao inglês inventado toda a história? Com que intenção? Ele não se converteu do anglicanismo ao catolicismo, mas à ortodoxia, daí merecer alguma atenção.