quinta-feira, agosto 21, 2008

Precipitação do Kremlin pode ter consequências catastróficas

25/08/2008

A Rússia tem o direito moral total de reconhecer a independência da Abkházia e da Ossétia do Sul, mas este passo terá consequências catastróficas para Moscovo, considera Anatoli Adamichin.
“Os dias passados mostraram que a Rússia não deixou dúvidas que responderá de forma extremamente dura a qualquer atentado aos seus interreses. Os militaristas georgianos receberam uma lição pesada. O mundo reagiu de forma diferente a ela, mas ela foi compreendida por todos”, escreve o antigo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia no diário electrónico Gazeta.ru.
Defendendo que a Rússia tem todo o direito de apoiar a Ossétia do Sul e da Abkházia, chama a atenção para que “do ponto de vista do Direito Internacional (DI),isso é mais complicado, porque ele apresenta dois princípios: integridade territorial e direito dos povos à autodeterminação, não dando prioridade a nenhum”.
Segundo ele, “os Estados Unidos e outros países ocidentais, sozinhos ou nas fileiras da NATO, violaram tanta vezes o DI que este se dividiu em dois: o direito dos compêndios e da Carta da ONU e as regras de comportamento que são estabelecidos para os países da NATO (mas não para os outros) pelos próprios”.
“No presente caso, a Rússia jogou segundo as regras ocidentais, adaptando o DI às suas acções”, considera.
O diplomata russo defende que, não obstante o direito moral e “as novas regras internacionais”, a Rússia não deve reconhecer a Ossétia do Sul e a Abkházia “quando tem lugar uma polémica agudíssima entre a Rússia e o Ocidente... próxima do confronto aberto ”.
Anatoli Adamichin frisa que a precipitação da Rússia terá consequências pesadas para o país.
“Provocaremos um trauma sério nos georgianos simples... As pessoas podem estar descontentes com o seu Governo, mas ficam do lado dos seus dirigentes se uma potência estrangeira se ingere nos assuntos do país”, enumera ele.
“A nossa decisão, continua, não agrada a muitos na Comunidade dos Estados Independentes e, antes tudo, agudizará as relações com a Ucrânia”.
A decisão de Moscovo poderá também aumentar a campanha anti-russa nos EUA e contribuir para a vitória do republicano MacCain sobre o democrata Obama.
“A agudização joga sempre a favor dos “facões republicanos””, sublinha.
“Não se pode desprezar também a reacção da União Europeia, o nosso principal parceiro económico no Ocidente. Numa situação de “cabeça contra cabeça”, é difícil esperar que a UE vai neutralizar as surpresas americanas”, acrescenta.
Adamichin prevê que o Kremlin irá desagradar a China, “porque para ela a integridade territorial é um problema”, e terá problemas com a Sérvia.
“Consideramos sempre que o Kosovo é um erro crasso de Washington e seus aliados, e vamos seguir o cenário kosovar”, precisa.
“Por fim, considera, a nossa decisão precipitada de reconhecer a Ossétia do Sul e da Abkházia pode provocar uma onda de separtismo e terrorismo no Cáucaso”.
“Resumindo, não vale a pena forçar os acontecimentos”, conclui o diplomata russo.
P.S. Apenas quero recordar que Anatoli Adamich, no final dos anos 80 e início dos anos 90, desenvolveu um grande trabalho no processo de busca de paz em Angola.

10 comentários:

Anónimo disse...

Na minha opinião, o melhor será sempre manter a questão da independência das repúblicas au ralenti. Não só isto constituirá sempre um meio de pressão sobre a Geórgia como servirá os interesses moscovitas na arena internacional.
Nos termos actuais, as regiões em apreço já são, de facto, livres; de jure podem continuar como estão, numa situação ambígua. A assunção por parte da Rússia da independência daquelas regiões é ineficaz: relativamente aos seus cidadãos, estes já têm passaporte russo pelo que têm liberdade de circulação; e em termos económicos, Ossétia ou Abkházia teriam a mesma dependência relativamente a Moscovo que têm actualmente. Ou seja, para poucas compensações, Moscovo iria agravar uma situação jurídica internacional a qual, tenhamos sempre em presença, foi degradada pela actuação do “moralmente correcto” Ocidente.
E com isto, mais uma vez, se constata que a guerra na Ossétia foi contra os interesses russos, e que não convinha à Rússia iniciar as hostilidades.
O tacto da diplomacia russa revelar-se-á neste momento. A ver vamos.

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Pippo, a Rússia vai reconhecer a independência da OS e da Ab hoje ou amanhã.

Anónimo disse...

Muito lúcida a análise feita. Não será nada bom para ninguém este agudizar das relações. A Rússia se reconhecer a independencia das regiões separatistas georgianas, como se prevê, irá acentuar com essa decisão um maior isolamento, mas pode sempre virar-se para o Irão, a Venezuela e para a Síria, enfim... Acho engraçado que hajam pessoas que julguem que a Rússia pode manter um braço de ferro com o Ocidente.

Anónimo disse...

Muito lúcida a análise feita. Não será nada bom para ninguém este agudizar das relações. A Rússia se reconhecer a independencia das regiões separatistas georgianas, como se prevê, irá acentuar com essa decisão um maior isolamento, mas pode sempre virar-se para o Irão, a Venezuela e para a Síria, enfim... Acho engraçado que hajam pessoas que julguem que a Rússia pode manter um braço de ferro com o Ocidente.

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Sérgio, e porque não pode a Rússia manter o braço de ferro?

Anónimo disse...

Porque a Rússia pode ter no imediato pequenos ganhos territoriais mas no longo prazo perderá a confiança de parceiros essenciais para a Rússia, como a UE. Considero que para o Ocidente não é totalmente imprescindivel a manutenção dessas regiões pela Geórgia e dados os erros cometidos pelo Presidente Georgiano neste conflito, a Geórgia perdeu na minha opinião qualquer possibildade de um dia ver esse problema resolvido a seu contento. Repare que nem sequer estou aqui a discutir a questão militar, porque considero ser impossivel um confronto entre a Rússia e o Ocidente porque isso constituiria uma terceira guerra mundial de consequencias catastroficas e ninguem quer isso. Para além disso estamos a falar de entidades completamente diferentes. A Rússia é o maior país do mundo territorialmente, possuindo uma população de pouco mais de 140 milhões de habitantes e um PIB em pouco superior ao da França. Os EUA têm uma população de mais do dobro da Rússia e um PIB mais de seis vezes maior. A UE tem uma população de mais do triplo da Rússia e um PIB ainda maior do que o dos EUA. Some tudo isto e explique-me quando é que a Rússia se pode comparar com todo este poder acumulado. Noutras partes do globo, não vou sequer falar na China e na India, não por aquilo que representam agora, mas por aquilo que poderão representar no futuro e logo ali nas fronteiras da Rússia. A Rússia tem-se vindo a afirmar nos últimos tempos como um parceiro importante para a Europa, comercialmente, economicamente, e até poderia se-lo politicamente, mas com estes actos ganharão maior força dentro da Europa, do Ocidente, aqueles que veem qualquer aproximação à Rússia com desconfiança. Havendo a referida desproporção de que mencionei anteriormente, como poderá a Rússia enfrentar esse bloco se este agir concertadamente contra si, e parece-me que a agir será mais para afirmar a sua posição do que propriamente para corrigir os erros da Geórgia . E sim sei que a Rússia é uma potencia nuclear. Peço desculpa se o meu texto não é muito claro.

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Sérgio, o seu texto está claro e estou de acordo consigo, mas não sei se o Kremlin é tão sensato.

Anónimo disse...

Caro Sérgio, falta-lhe um ponto importantíssimo na sua análise, até dois:

1 - os milhares de milhöes investido pelo "Ocidente" na Rússia

2 - a dependência energética da UE relativamente à Rússia

Desengane-se, a URSS acabou há 20 anos, agora quem reina é o dinheiro, näo ideologias, e quem enterrou lá o graveto quere-lo com juros muito altos... a economia está acima da sociedade, e depois dá nisto...

rui disse...

A Rússia teria interesse em deixar o assunto em banho maria. A análise do Sérgio parece-me bem pensada, embora o poder militar russo seja desproporcional ao seu poder económico, nem que seja porque a dimensão do território e o patriotismo dos russos têm um valor "estratégico" que não está ao alcance de qualquer um. Por outro lado, embora o desiquilíbrio para os EUA em termos de arsenal e tecnologias seja ainda maior do que o económico, há o factor nuclear que nos deveria fazer pensar, a nós europeus, duas vezes, antes de embarcar em aventuras dos EUA e NATO, por um lado porque é também da conveniência da europa um relacionamento comercial e político com a Rússia, e por outro, porque em caso de guerra convencional ou nuclear a Europa arrisca-se a perder completamente o pé.
Este caso remete para alguns esquematismos de raciocínio que se repetem de crise para crise e não há forma de quebrar: quem alerta para precipitações quanto ao Kosovo, os alargamentos da NATO e a instalação de mísseis na fronteira russa, a conversa revanchista de alguns dirigentes de países fronteira é apodado de "velho do restelo", "anti-americano", anti-democrático, saudoso do "amanhã que canta", etc.
Quando se concretizam os piores cenários vem a hora da indignação quanto ao carácter belicoso da Rússia e a necessidade de "responder" fazendo tábua rasa de tudo o que se passou anteriormente. Aí vão-se desenterrar a propósito e a despropósito os fantasmas dos Sudetas, de 1956 e de 1968, alarmismos quanto ao que pode acontecer amanhã na Ucrânia, nos Países Bálticos, esquecendo que estava tudo relativamente calmo nessas frentes, antes do sobressalto "soberanista" da Geórgia.
Voltando ao princípio, não me parece que exista interesse da Rússia em avançar para o reconhecimento das independências mas tudo dependerá também da forma como a Europa e os USA tratarem do problema. Se mantiverem a pressão num tom arrogante, do tipo inicio desde já dos preparativos de adesão imediata da Geórgia à NATO, mais mísseis, se possível na Ucrânia, etc, pois que não se espere que os russos não procurem o que lhes parece, erradamente ou não, ilegitimamente ou não, uma resposta exemplar, e a independência das regiões separatistas é apenas uma entre muitas outras coisas.
Só mais uma questão: sem pretender que seja a condicionante essencial, é óbvio que todo este clima favorece o candidato republicano. Se a Europa alinhar numa escalada, estará a fazer-lhe o frete, embora aparentemente prefira o candidato democrata.

MSantos disse...

Caro josé Milhazes: O Sr devia ser bruxo. Agora a sério, parabéns pela previsão acertada o que só revela grande conhecimento da maneira de pensar da liderança russa