Descansando um pouco da guerra no Cáucaso - se é que tal coisa é possível com o telefone a não parar de tocar -, estava eu a ver, no canal Cultura, um filme soviético com a participação do grande actor, Leonid Filatov. Veio-me à cabeça uma conversa que tive com um amigo meu, um russo de origem judaica, em Portugal, num dos poucos dias que aí passei em Agosto. A guerra no Cáucaso fez-me regressar apressadamente a Moscovo, obrigando-me a deixar a ele e à filha ao cuidado da minha esposa e filhos, não restava outra saída.
Estavamos em Santa Teresa, ali para os lados de Aljubarrota, sentados no jardim, e ele pergunta-me: mas por que é que te preocupas com a situação na Rússia? Com o desaparecimento da democracia no meu país? É sinal de que voltaremos a ver bons filmes e a ler bons livros...
Levou algum tempo para que eu compreendesse a "piada", mas, pensando bem, ele até parece ter razão. Na era soviética, não obstante a censura comunista, foram produzidas obras-primas no campo do cinema, literatura, pintura, teatro, etc. Pena é que os portugueses, brasileiros, etc. desconheçam uma parte significativa das grandes obras criadas na União Soviética, ou cheguem aos nossos países com muito atraso.
E, nos últimos 17 anos, o que foi criado na Rússia e noutros países da antiga URSS? Pouca coisa de qualidade! No caso concreto da Rússia, a cultura de massas, no pior sentido que esta expressão possa ter, conquistou completamente o país. E o mais curioso é que a direcção política, não obstante todas as suas declarações anti-americanas, vai buscar a Hollywood o que pior se faz por aquelas bandas. A falta de originalidade, qualidade que abundava na URSS, é gritante!
Resumindo, no que respeita ao cinema e televisão, copiam-se os piores modelos, embora haja excepções. Se os meus leitores puderem ver filmes de realizadores como Pavel Lunguin, principalmente a sua última película "Ilha", aconselho vivamente, mas é mesmo excepção.
Mas será verdade que o poder autoritário, a censura "estimulam" a criatividade da intelectualidade?
Talvez o meu amigo tenha razão, mas não interpretem isso como um desejo de ver a Rússia mergulhada num novo período de repressão... Nem o meu amigo quer tal coisa, talvez tenha sido apenas um desabafo numa época em que a guerra volta à ordem do dia neste país.
27 comentários:
Não percebi este srº José Milhazes, bem mas todos nós temos o nosso direito de ás vezes dizermos o que nos apetece mesmo que ninguem perceba. Aproveito esta pausa para referir que acho interessante a ideia do Dalai Lama em querer deslocar a sede da NATO para Moscovo. Quem sabe se não resultaria.
Meu caro José Milhazes,
Acho que a criação da cultura não tem a haver com o regime, se ele é a Hipocrisia Democrática propagandeada pelos Estados Unidos ou o Absurdo Regime Comunista nascido das idéias de Karl Marx e adotado pela Rússia, China , Cuba, Albania, Vietnã etc... Que oprimiu, oprime, mata e matou milhões de pessoas até hoje. A globalização, a internet, ou seja a expansão dos meios de comunicação são os grandes responsáveis, a cultura de massa, volúvel sem conteúdo, rapidamente digerível e substituível é o reflexo da cultura que os Estados Unidos Exportaram e que todas as nações que assim o quiseram importaram. Concordo contigo, existem tanto literatura quanto produções cinematográficas maravilhosas da era Soviética, já tive a oportunidade de ler algumas, porém não assisti nenhum filme, porém conheci a ficha técnica e sinopse de alguns.
Abraço.
Prezado José,
não encontrei o seu e-mail.
Tenho uns documentos provavelmente interessantes para os seus estudos e trabalhos
http://slavicstudieslibrarian.blogspot.com/2008/08/us-department-of-state-declassified.html
abraço
Ralf
Diz um tal sr. Wandard que a cultura de um país não tem a ver com o respectivo regime. Até faria sentido dizer isto se a palavra Cultura ocorresse aqui em sentido lacto - os valores e costumes de um povo. Mas não é o caso - trata-se da produção artística. Logo, o comentário é disparatado. E nem vale a pena explicar porquê. Fica apenas a pergunta: qual é o conteúdo de um regime (político)? Não seria melhor acabar com o Ministério da Cultura e com os respectivos orçamentos?
Prezado Antonio,
Talvez o comentário possa ser disparatado de acordo com a análise de cada um pois essa é uma das grandes vantagens da liberdade de expressão. Quanto à cultura discutida aqui, pelo que entendi, pretende-se vincular à política e ao governo. Não sei quanto aos orçamentos para a cultura de cada país do mundo. Mas a cultura de um povo não depende exclusivamente de suas formas de governo.
eu compreendo bem o José Milhazes. Só de pensar k Soljenitsine era praticamente desconhecido em Portugal... Por aqui há um controlo sectário, doentio e arcaico nas redacções dos jornais, rádios e TVs k só dá relevo ao anti-USA, anti-Israel e Anti-Igreja Católica. Nas livrarias é a mesma coisa. O genocídio racista no Darfur, com apoio da China, não é notícia. As FARC, grupo terrorista de tráfico de droga, só foi notícia com Ingrid.Toda a gente fala em Guantanamo mas esquecem criminosamente os presos políticos cubanos, heróis da luta pela democracia e bem estar do seu povo.O Iraque era notícia diária na TV, mas a invasão e genocídio no Tibete desde há 50 anos criminosamente esquecido."Literatura" aos montes a chamar o Papa Pio XII o Papa de Hitler: há meses, 50 judeus sobreviventes do Holocausto foram ao Vaticano agradecer(com provas, pq a calúnia impera) os milhares de judeus k Pio XII salvou. Alguém ouviu falar disto? E a lista seria infindável... Francisco
eu compreendo bem o José Milhazes. Só de pensar k Soljenitsine era praticamente desconhecido em Portugal... Por aqui há um controlo sectário, doentio e arcaico nas redacções dos jornais, rádios e TVs k só dá relevo ao anti-USA, anti-Israel e Anti-Igreja Católica. Nas livrarias é a mesma coisa. O genocídio racista no Darfur, com apoio da China, não é notícia. As FARC, grupo terrorista de tráfico de droga, só foi notícia com Ingrid.Toda a gente fala em Guantanamo mas esquecem criminosamente os presos políticos cubanos, heróis da luta pela democracia e bem estar do seu povo.O Iraque era notícia diária na TV, mas a invasão e genocídio no Tibete desde há 50 anos criminosamente esquecido."Literatura" aos montes a chamar o Papa Pio XII o Papa de Hitler: há meses, 50 judeus sobreviventes do Holocausto foram ao Vaticano agradecer(com provas, pq a calúnia impera) os milhares de judeus k Pio XII salvou. Alguém ouviu falar disto? E a lista seria infindável... Francisco
Num registo mais cómico, de referir a série de filmes russos "As particularidades nacionais". Pena foi que a série tenha enveredado no final pela pornografia.
Caro Nuno, dessa série, considero uma obra-prima as "Particularidades da Caça Nacional", o resto não lhe chega "aos calcanhares".
A quem posso interessar, tenho o DVD de 'Ostrov' ('A Ilha') legendado em inglês: é uma obra pertinente para um melhor entendimento da cultura russa - contemporânea e não só. Com outros filmes russos e soviéticos legendados em francês em inglês, conto que estejam disponíveis para visualização no início do próximo ano académico, no Centro de Estudos Soviéticos e Pós-Soviéticos (Lisboa).
Bom, o panorama não é assim tão mau... temos "obras primas" como "Brat" ou "Guerra" ("Voina", no original)...
Era uma piada, os filmes são realmente maus.
Essa coisa do autoritarismo vs liberdade é muito questionável. Lembro-me, quando perguntámos às nossa professoras, se elas preferiam o agora ou o antigamente, e elas invariavelmente respondiam "huuummm, bem, agora temos liberdade... mas antigamente era melhor. Não havia pobres nas ruas, nem bêbados [vi vários, estendidos no chão, e a minha namorada da altura viu pelo menos um que tinha congelado ao pé de uma estação de comboio], as estações do Metro eram limpas, não havia lixo espalhado nem grafittis... sim, antigamente vivia-se melhor".
Não sei se a liberdade permite mais ou menos creatividade por parte dos artistas e afins. Por princípio, penso sempre que sim, mas tal não é certo: o Fascismo italiano foi um mecenas extraordinário, não impondo grande balizas à criatividade. O Comunismo e o Nazismo foram bem diferentes do Fascismo neste aspecto, pois impuseram uma estética realista (asemelhavam-se muito, os dois sistemas).
Penso, por isso, que a questão não é a de se saber se a inteligentsia é ou não espartilhada por totalitarismos ou se cria melhor em liberdade. O problema é quando resvalamos para a cultura de massas. E as massas, como bem notou o Adolfo Hitler (que não era tão burro como a maioria pensa), as massas seguem sempre o menor denominador comum.
Caro leitor Aerm, que centro de estudos é esse que fala no seu comentário?
Agradecia se desse mais algumas informações. Eu tinha ouvido que irá ser criado um Curso de Estudos Eslavos na Univ.Clássica de Lisboa. O seu centro está ligado a este projecto?
«Mas será verdade que o poder autoritário, a censura "estimulam" a criatividade da intelectualidade?»
Penso que em termos de criação artística, refiro-me, nomeadamente, às artes plásticas e à criação literária, o artista, por norma uma pessoa de grande sensibilidade, é quase sempre estimulado pelas questões sociais fracturantes que resultam de regimes autocráticos, onde existe censura à liberdade da expressão artística.
São normalmente períodos em que a criatividade se desenvolve segundo padrões qualitativos acima da média, uma vez que se renovam ideias sobre estilos e técnicas, dando lugar ao aparecimento de novas correntes ou movimentos da criação e expressão artísticas.
Não concordo é com o JM, quando se refere à «cultura de massas» como sendo uma espécie de arte menor (não me refiro naturalmente à produção de filmes que é capaz de ter a ver com uma certa filosofia ligada ao consumo fácil que permite grandes entradas de dinheiro).
A corrente minimalista ligada às artes plásticas deu origem na Europa ao aparecimento de grandes nomes como: Marchel Duchamp em França, Joseph Beuys na Alemanha, alguns italianos que geraram o movimento Arte Povera e porque não mais recentemente em Portugal pela mão de Pedro Cabrita Reis, Helena Almeida, João Pedro Vale e outros, e no Brasil pela mão da excelente artista Adriana Varejão, revolucionando todo o conceito da representação artística.
É claro que os grandes mestres serão sempre os grandes mestres e hoje, surgiu o movimento em Inglaterra «Old School», onde estão reunidos vários artistas contemporâneos que reproduzem as técnicas utilizadas pelos grandes clássicos, por vezes confrontando-as com os actuais conceitos interpretativos, com muita qualidade e aceitação.
Peço desculpa por ter eliminado o comentário anterior porque saiu incompleto.
aerm:
Gostava de ter acesso ao DVD do filme "A Ilha" que referiu...
Fernanda,
Você poderia fornecer maiores informações sobre a "Old School"?
wandard:
Posso. Tenho um blogue dedicado às artes plásticas e fiz uma pequena matéria sobre esse movimento artistico. Deixo aqui o link:
http://dasartesplasticas.blogspot.com/2008/01/old-school-influncia-dos-grandes.html
Caro Wandard, o Sr. esta errado quantoao Karl Marx. No ultimo semestre tive a oportunidade de estudar as obras dele na disciplina de História do Pensamento Economico e posso-lhe dizer que o Karl Marx contribuiu mais para o desenvolvimento do capitalismo com a obra "Capital" do que para o que o Sr. chama comunismo. Aliás, "A teoria dos sentimentos morais" + "A riqueza das nações" + "O Capital" são a base da Historia do Pensamento Economico e do desenvovimento capitalista.
Algumas pessoas fizeram coisas justificando-se com ideias completamente deturpadas que eram atribuidas ao Karl Marx.
O que o senhor disse é um lugar comum de preguiça intelectual.
Caro Fomá_Formitch, parabéns por ter tido a oportunidade de ter estudado estas obras, também as apreciei bastante no meu período acadêmico. E você está certo quanto à contribuição maior das idéias de Marx para o capitalismo, que apesar do caráter crítico é bem visível já no Primeiro livro de 1867, O Processo de Produção de Capital, pena que foi o único que foi publicado com Marx vivo, sendo que o Livro 2 - o processo de circulação do capital tem a escrita atribuída a Engels. Porém continuarei mantendo o meu posicionamento quando me referi ao comunismo, pois os fundamentos desta ideologia política foram baseados nas idéias de Marx, não fiz referência à profundidade das idéias de Marx e a qual sistema aproveitou de forma mais abrangente, mas sim ao fomento das lutas de classe e a organização do trabalho. Acho que este é um espaço para exposição de idéias, opiniões e discussões construtivas e não para debates de cunho acadêmico.
Grande abraço,
Caro leitor Wandard, se quiserem fazer debate académico, também há lugar.
Caro Wandard, não concordo consigo logo tenho o direito de discurdar. O Sr. utilizou um argumento quanto ao que aprendi (com pessoas muitos estimadas) esta errado. Nos livros de Karl Marx a expressão mais violenta é "revolução" ou "revolucionar". O Sr. não pode dizer que todas as ditaduras comunistas, e repressão que daí surge, e srgiu tem por base as ideias do Karl Marx. Não existe nem nunca existiu um regime que tenha por base as ideias "virgens" do Karl Marx. Lembre-se dos estadios a que ele se refere n'o Capital até chegar ao comunismo. Será que algum desses países que o Sr. referiu passou por esses estadios? Nenhum desses regimes é Marxista, são regimes totalitarios comunistas repressivos mas não Marxistas, sinceramente tem mais de Maqueavelismo do que Marxismo.
Caro Wandard, já quanto à luta de classes, posso referir o grande erro cometido por Marx que os comunistas (exemplos que conhecemos com tal nome) nunca foram capaz de perceber. Marx afirmou que o desenvolvimento capitalista haveria uma degradação das condições do proletariado que os levaria à revolução, à destruição da burguesia, à destruição da propriedade privada e a uma nova organização da sociedade. Isso não aconteceu porque com o desenvolvimento capitalista houve uma melhoria sustendada das condições de vida do proletariado (se esta frase o chocar pense no proletariado de Manchester no século XVIII), assim o que ele previa falhou redondamente, o que existe de regimes comunistas são regimes de caracter politico e não social tal como Marx descrevera, logo não são o comunismo a que Karl Marx se refere. A ideia é que existe o Comunismo Marxista e Comunismo dos politicos que usaram o pensamento de Marx no seu melhor interesse.
Cumprimentos
Caro Fomá, referiu e bem, que Marx escreveu que "o desenvolvimento capitalista conduziria à degradação das condições do proletariado que os levaria à revolução, à destruição da burguesia, à destruição da propriedade privada e a uma nova organização da sociedade".
Usando as suas palavras, "Isso não aconteceu" *ainda* "porque com o desenvolvimento capitalista houve uma melhoria sustendada das condições de vida do proletariado".
E como talvez o Wandard näo saiba, Marx disse que os primeiros a adoptar o socialismo seriam as sociedades capitalistas avançadas (à época EUA e GB), e nunca a Rússia, que vivia ainda no feudalismo.
Mutatis mutandis, hoje em dia o proletariado säo os trabalhadores dos serviços. Evoluiu-se nesse sentido, e a riqueza foi sendo distribuída mais equalitariamente.
Bom, o que Marx näo conseguiria prever (ou talvez sim) era a globalizaçäo que, após 50 anos de políticas social-democratas (na Europa), mandou a produçäo toda para a China e Índia, e a médio prazo espetará com 50% de desemprego no "1.o Mundo". E esta "boa vida" a que nos fomos habituando vai acabar (para muitos já acabou, veja-se a crise que por aí anda), e a sociedade vai ter mesmo de mudar!
Como disse o outro "Marx tinha razäo".
Caro Maquiavel, concordo plenamente consigo. Ou a sociedade os os habitos burgueses do ocidente.
Cumprimentos
Como vocês falaram "O que Marx disse ou previu" está para o como "Segundo a Bíblia". A interpretação ou a utilização de idéias, pensamentos ou obras de acordo como o próprio interesse é característica humana se o comunismo Marxista não foi o que ocorreu nas nações que tiveram ou não este regime, se seguiu ou não a linha ou as idéias virgens de Marx, não importa. Como você bem disse "Comunismo Marxista". A ideologias surgem de idéias e pensamentos e Marx querendo ou não todas as escolas e vertentes acadêmicas, teve a contribuição dele.
Abraços
Caro José Milhazes,
Não sou contra o debate acadêmico, apenas referenciei o fato do assunto ou cunho limitar o campo de discussões dentro de determinado tema, sem falar que o academicismo é terreno fértil de tendências de cada escola.
Grande abraço
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