quinta-feira, junho 25, 2009

Contributo para a História (Moçambique)


Os dirigentes soviéticos preferiam Joaquim Chissano a Samora Machel à frente de Moçambique, vendo no primeiro um político mais culto, equilibrado e sensato, segundo o primeiro embaixador da então URSS em Maputo.
"Ele era um talento por natureza, como se costuma dizer, talento inato, mas faltava-lhe a instrução que possuía Eduard Mondlane, primeiro presidente da Frelimo", escreve nas suas "Memórias do Trabalho em Moçambique" o diplomata Piotr Evsiukov, que esteve em contacto com o dirigente moçambicano durante mais de dez anos.
"Durante a guerra de libertação nacional, quando um grupo de militares soviéticos, depois de realizar uma marcha numa das regiões libertadas pela guerrilha em Moçambique, parou para descansar, um general nosso decidiu fazer um elogio a Samora Machel", recorda.
"O senhor caminha bem, é assim que eu imagino um Presidente'. Ao que Samora Machel retorquiu: 'Não, quando Moçambique for independente, terá um Presidente culto!' Não sei se nessa altura Machel pensava na presidência, mas não a recusou quando foi eleito", conta Piotr Evsiukov.
O diplomata soviético chama a atenção para o "extremismo de esquerda" de Samora Machel.
"Fui convidado por ele para uma reunião de trabalho. Esperavam-me Samora Machel e Marcelino dos Santos.
Os interlocutores interessaram-se pela minha opinião sobre a Revolução Cultural na China, mais precisamente, sobre os comités revolucionários e se era preciso realizar algo semelhante em Moçambique.
Eu dei uma nota negativa aos comités, sublinhando que em Moçambique já havia pessoas que ajudavam o partido e que era apenas necessário dirigir e controlar a sua actividade", escreve Evsiukov.
"Marcelino dos Santos ouvia as minhas considerações e apoiava. Mas Samora, segundo entendi, tinha uma opinião contrária, ele era pela imitação da experiência chinesa, que mostrou ser azeda", refere.
Após ressaltar o apego do dirigente moçambicano à vida e obra do ditador soviético José Estaline, Evsiukov acrescenta: "Só se pode compreender e avaliar a actividade de S. Machel se soubermos os factos da sua vida contraditória e traços do seu carácter: talento inato, por um lado, e falta de instrução em combinação com tentativas de compensar essa insuficiência através da imitação dos poderosos deste mundo, por outro lado".
"Não sei quem foi o verdadeiro culpado da morte trágica do Presidente de Moçambique independente. Não duvido que os inimigos ficaram felizes com isso", conclui.
Opinião bem diferente tinha o diplomata soviético sobre Joaquim Chissano.
"Chama a atenção a sua intelectualidade, ponderação, equilíbrio nas palavras e a habilidade de manter o diálogo político e encontrar uma solução satisfatória", considera Evsiukov, e acrescenta: "Se compará-lo com S. Machel, eram pessoas completamente opostas quanto ao temperamento".
"Eu tinha conhecimento que entre J. Chissano e S. Machel surgiam por vezes contradições nas avaliações políticas da situação e do desenvolvimento dos acontecimentos em Moçambique, nomeadamente das posições da Frelimo para com a população portuguesa", continua o diplomata.
"J. Chissano era bastante maleável com os portugueses, encontrava com eles linguagem comum. Neste campo, S. Machel nem sempre estava de acordo com J. Chissano", conclui Evsiukov.

4 comentários:

Inácio Cristiano disse...

Para quem se interessar pela temática da Guerra Colonial Portuguesa 1961/74 deve aceder ao Blogue:

http://www.guerracolonial.org/home

onde existe um perfil descrito de todos os principais "Protagonistas"
do ponto de vista português.

Samora Machel era uma força da natureza que libertava energia e tinha um carisma que contagiava e fazia agir.
Antigo enfermeiro, nascido no Sul de Moçambique, pertence ao primeiro grupo de nacionalistas moçambicanos que rompe com o marasmo da discussão política e decide passar à luta armada. Estará sempre ligado às tarefas da organização militar, porque entende que é através de acções bélicas que tudo o resto virá. E o tudo era não só a independência política formal de Moçambique, mas o estabelecimento de novo poder e de nova sociedade.
Samora foi, no campo da ideologia, o líder de concepções mais revolucionárias, as quais motivaram cisões e conflitos internos com várias personalidades e grupos com diferentes visões dos caminhos para alcançar a independência, das quais resultaram, entre outros, o afastamento de Uria Simango e de Lázaro Kavandame, que se entregou às autoridades portuguesas.
Samora soube reunir à sua volta um grupo coeso, unificador e eficaz para conduzir a manobra político-militar. Ao decidir transferir o esforço da Frelímo do Norte de Moçambique para Tete, centrando a guerra à volta do empreendimento de Cahora Bassa, mesmo à custa de maiores riscos, provocados pela proximidade da África do Sul e da Rodésia e de menores apoios, pela distância às suas bases na Tanzânia, revela uma leitura da situação que os dirigentes políticos portugueses não tiveram ao decidir a construção da barragem. Samora Machel soube aproveitar da melhor forma a oportunidade, que lhe foi oferecida de bandeja, de escolher o lugar e o momento da batalha decisiva e por isso ganhou a guerra.

Aniceto Afonso, Carlos Matos Gomes, “Guerra Colonial”

(Transcrição com a devida vénia do Blogue acima citado)

Anónimo disse...

O "post" do senhor Inácio Cristiano está correctíssimo, assim como, o texto divulgado no bloguecom as memórias do ex-embaixador. O futuro veio a mostrar em Chissano, um dos melhores dirigentes de África.

João Moreira

Jest nas Wielu disse...

Os grupos dinamizadores não eram maus de todo, Samora tinha a razão, pois a China era muito mais parecida com o Moçambique, do que com a URSS.

Anónimo disse...

Salazar estava certo quanto explicou ao embaixador americano em Lisboa, almirante George Anderson, que esses camaradas, Machel e companhia, queriam eram ser dirigentes, isto é, presidentes, ministros , embaixadores, etc.
veja-se a preparação dessa gente: Samora Machel, enfermeiro (ele esteve quase a repetir a tragédia de Pol-Pot, mas em Moçambique) Nino Vieira, electricista, dos Santos, engenheiro (será mesmo, ou será apenas agente técnico ou até simples maquinista, digo torneiro mecânico?).
Tudo gente 5 estrelas, que nada, ou quase nada, tem feitos pelos respectivos países, agora que são independentes há mais de 30 anos.
Nino Vieira teve a morte que merecia (morto e capado, ou, pela ordem inversa, não sei) e apenas lamento que tenhamos gastado tanto dinheiro a ir lá buscá-lo - foram três fragatas - e o tenhamos albergado e sustentado de borla durante tantos anos aquí em Portugal.
Idem idem quanto a Luís Cabral.
Lamento profundamente que, dirigentes de movimentos terroristas (embora pomposamente alcunhados, de libertação) que causaram tantos mortos e mutiladados nas fileiras dos soldados portugueses, tenham sido bem recebidos no Portugal pós 25/4 e até tenham até sido alojados em palácios e dormido em camas que pertenceram a reis portugueses.
Como de costume, Snr, Milhazes, o Snr. tem a ampla liberdade de, dentro do seu esclarecido espírito democrático, apagar esta mensagem.