Recebemos um artigo do leitor António Campos, que publicamos na íntegra.
Quando a conhecida revista GQ (antiga Gentlemen’s Quarterly) solicitou ao correspondente de guerra veterano Scott Anderson que escrevesse uma peça sobre a Rússia, este nunca imaginou que, ao escolher o tema dos atentados bombistas de 1999 em Moscovo, que serviram de pretexto principal para a segunda invasão da Chechénia, estava a despoletar uma polémica que alastraria por todo o meio jornalístico online e offline.
Após a recepção do artigo, os editores da GQ decidiram pela sua publicação, mas apenas na edição americana impressa. Mais nenhuma versão da revista o deveria publicar. Nem sequer a versão online. Segundo a rádio americana NPR, “Jerry Birenz, advogado da Condé Nast, casa editorial proprietária das revistas Vanity Fair e GQ, bem como das edições russas da GQ, Glamour, Tatler e Vogue, enviou um memo para mais de uma dúzia de executivos e editores, onde afirmava que “…a administração da Condé Nast decidiu que a peça […] não deverá ser distribuída na Rússia””.
Em declarações à NPR, Anderson, famoso pelos seus artigos na Harper’s Magazine, New York Times e Vanity Fair, afirmou: “Para mim, é um grande mistério. De repente, ficou claro que eles iriam publicar a história, mas também que iriam tentar enterrá-la tanto quanto possível”.
O artigo de 8 páginas, intitulado “Vladimir Putin’s Dark Rise to Power” contém uma análise crítica à versão oficial dos acontecimentos, apoiando as alegações de Alexander Litvinenko e outros, segundo as quais os atentados foram organizados pelas forças de segurança russas para suscitar apoio público para a eleição de Putin para a presidência e para a intervenção militar na Chechénia. Anderson tentou contactar uma série de familiares de vítimas e outros participantes directos ou indirectos nos acontecimentos de 1999, mas a maioria recusou-se a prestar declarações. Assim, a peça é baseada essencialmente em várias entrevistas à única pessoa sobrevivente das que investigaram os acontecimentos, o antigo agente do KGB Mikhail Trepashkin, assim como em depoimentos de membros da organização Memorial e de alguns advogados da área dos direitos humanos. À excepção de Trepashkin e de um jornalista, todos os entrevistados solicitaram o anonimato, por recearem represálias.
Vários analistas consideram que as motivações da Condé Nast de enterrar a história têm que ver com razões financeiras, uma vez que o volume de negócios das publicações desta empresa na Rússia é considerável. É sabido que as autoridades podem paralisar durante meses a actividade de um jornal ou revista que se atreva a publicar peças críticas das autoridades, através de “inspecções” e “auditorias” surpresa, que resultam normalmente em significativas perdas de receitas em vendas e publicidade.
No entanto, muitos consideram que esta atitude de auto-censura servil foi um tiro no pé, tendo resultado em acusações de “cobardia editorial” pelo meio jornalístico e acabado por gerar muito mais notoriedade para o assunto do que se nada tivesse sido feito. O Gawker, um dos mais visíveis blogs americanos, publicou, à revelia da GQ, uma reprodução digitalizada do artigo, acompanhada de uma tradução para russo, elaborada por voluntários. Estas fontes estão agora a ser citadas e reproduzidas por dezenas de blogs.
O artigo pode ser lido (em russo e em inglês) em:
http://gawker.com/5352827/ "
Quando a conhecida revista GQ (antiga Gentlemen’s Quarterly) solicitou ao correspondente de guerra veterano Scott Anderson que escrevesse uma peça sobre a Rússia, este nunca imaginou que, ao escolher o tema dos atentados bombistas de 1999 em Moscovo, que serviram de pretexto principal para a segunda invasão da Chechénia, estava a despoletar uma polémica que alastraria por todo o meio jornalístico online e offline.
Após a recepção do artigo, os editores da GQ decidiram pela sua publicação, mas apenas na edição americana impressa. Mais nenhuma versão da revista o deveria publicar. Nem sequer a versão online. Segundo a rádio americana NPR, “Jerry Birenz, advogado da Condé Nast, casa editorial proprietária das revistas Vanity Fair e GQ, bem como das edições russas da GQ, Glamour, Tatler e Vogue, enviou um memo para mais de uma dúzia de executivos e editores, onde afirmava que “…a administração da Condé Nast decidiu que a peça […] não deverá ser distribuída na Rússia””.
Em declarações à NPR, Anderson, famoso pelos seus artigos na Harper’s Magazine, New York Times e Vanity Fair, afirmou: “Para mim, é um grande mistério. De repente, ficou claro que eles iriam publicar a história, mas também que iriam tentar enterrá-la tanto quanto possível”.
O artigo de 8 páginas, intitulado “Vladimir Putin’s Dark Rise to Power” contém uma análise crítica à versão oficial dos acontecimentos, apoiando as alegações de Alexander Litvinenko e outros, segundo as quais os atentados foram organizados pelas forças de segurança russas para suscitar apoio público para a eleição de Putin para a presidência e para a intervenção militar na Chechénia. Anderson tentou contactar uma série de familiares de vítimas e outros participantes directos ou indirectos nos acontecimentos de 1999, mas a maioria recusou-se a prestar declarações. Assim, a peça é baseada essencialmente em várias entrevistas à única pessoa sobrevivente das que investigaram os acontecimentos, o antigo agente do KGB Mikhail Trepashkin, assim como em depoimentos de membros da organização Memorial e de alguns advogados da área dos direitos humanos. À excepção de Trepashkin e de um jornalista, todos os entrevistados solicitaram o anonimato, por recearem represálias.
Vários analistas consideram que as motivações da Condé Nast de enterrar a história têm que ver com razões financeiras, uma vez que o volume de negócios das publicações desta empresa na Rússia é considerável. É sabido que as autoridades podem paralisar durante meses a actividade de um jornal ou revista que se atreva a publicar peças críticas das autoridades, através de “inspecções” e “auditorias” surpresa, que resultam normalmente em significativas perdas de receitas em vendas e publicidade.
No entanto, muitos consideram que esta atitude de auto-censura servil foi um tiro no pé, tendo resultado em acusações de “cobardia editorial” pelo meio jornalístico e acabado por gerar muito mais notoriedade para o assunto do que se nada tivesse sido feito. O Gawker, um dos mais visíveis blogs americanos, publicou, à revelia da GQ, uma reprodução digitalizada do artigo, acompanhada de uma tradução para russo, elaborada por voluntários. Estas fontes estão agora a ser citadas e reproduzidas por dezenas de blogs.
O artigo pode ser lido (em russo e em inglês) em:
http://gawker.com/5352827/ "
14 comentários:
Sublinho a "coragem editorial" do José Milhazes ao publicar este post.
Na Rússia de hoje não é fácil ser-se corajoso.
Deus queira que nunca nada de mau aconteça ao autor do blog.
Patético! Foto de Putin, acusações vis. Usando os mesmos critérios quem anda agora a fazer atentados deve querer correr com Putin, não' E depois se algo de mau acontecer ao blog ou ao autor claro que foi Putin, pois não haveria de ser. Quem for burro, que acredite.
E aqui estão os equivalentes russos aos inventores da teoria da conspiração do 11/09.
Fiquem tranquilos
O Blogue do Sr Milhazes não é destinado ao público russo, portanto não há riscos contra a vida dele
C. Eugenio
Sr. Milhazes, esse post é, eufemisticamente, desnecessário....
Acho que o fazes por diversão.
Adoro esta foto. Um super-pão este espião. LINDO!!!
Claro que foi obra dos próprios "ivans". Acredito nisso e também que as celebres torres foram obras dos "amaricados"
Gostei da introdução ao artigo da GQ colocada neste blog.
À primeira vista, esta “autocensura” pareceria exclusiva da sociedade russa ou adaptada a ela.
Não o é.
A título demonstrativo, transcrevo a maior parte de um artigo saído hoje, dia 10 de Setembro de 2009, no Público:
ARRANJAR CHATICES
por Helena Matos, ensaísta
Em poucos dias um livro sobre o percurso académico de José Sócrates teve, em Portugal, sem cartazes nem entrevistas, mais de oito mil downloads. Esse livro chama-se O Dossier Sócrates e o seu autor, António Balbino Caldeira, descreve no seu blogue Do Portugal Profundo, como numa grande editora portuguesa passaram a detgerminado momento de um imenso interesse pelo seu livro para não mais lhe atenderem o telefone. E outras editoras se seguiram com procedimentos bem diversos daqueles que adoptam perante algo que lhes garanta um mínimo de interesse por parte do público.
As peripécias editoriais deste livro, tal como doutros num passado recente, são um bom indicador da disponibilidade das empresas e dos cidadãos para aceitarem um maior controlo das suas vidas por parte do Estado. Não me parece provável que as editoras pelas quais passou O Dossier Sócrates tenham recebido algum recado do gabinete do primeiro-ministro desaconselhando a publicação do livro, quanto mais não seja pela prosaica razão de que tal não é necessário: o país é pequeno, os negócios não vão bem, cada vez mais os empresários vivem à sombra da máquina estatal (e na comunicação social das campanhas publicitárias das várias empresas estatais), o crédito, via BCP e CGD, está nas mãos de quem governa. Mais vale perder um bom negócio do que comprometer outros. Em conclusão, ninguém quer “arranjar chatices”.
Dir-se-á que o livro de António Balbino Caldeira tão mau que a editora resolveu recuar na sua decisão. Certamente que isso pode acontecer, embora o nível lastimoso do que por aí se edita torne essa hipótese pouco verosímil. Mas o que caracteriza o ambiente malsão do “não arranjar chatices” é que não só ninguém assume nada como todos procedemos como se nada tivesse acontecido: até ao dia em que escrevo, quarta-feira, 9 de Setembro, o cancelamento da edição de O Dossier Sócrates não foi objecto de qualquer notícia. Compare-se este opaco silêncio com a indignação gerada pela pública e notória decisão de uma cadeia de supermercados de não comercializar nas suas superfícies A casa dos Budas Ditosos e não se pode deixar de pasmar com tanto silêncio.
(cont.)
(cont.)
Infelizmente, este espírito do ““não querer arranjar chatices” além de legitimar o condicionamento das decisões para agradar a quem governa, tem a perversa consequência de transformar aqueles que não se conformam com este malsão estado de coisas em seres amalucados, pois só uma criatura doida e quezilenta é que anda por aí “à procura de chatices” quando podia levar a vida me bom sossego. Nas ditaduras a coisa é simples: o censor não deixa e já está. Ele fica com o ónus da questão. Nas democracias, as decisões censórias são necessariamente mais subtis. Fazer deconta que não aconteceu nada é uma das estratégias: é cedo para dizer que esse será o destino de O Dossier Sócrates, mas foi esse o percurso de Contos Proibidos, Memória de um PS Desconhecido, de Rui Mateus, ou de vários livros sobre a descolonização. Para consolo das misérias nacionais, temos sempre a possibilidade de recordar as peripécias editoriais experimentadas por um livro de Chris Patten, o último governador britânico de Hong Kong, cujas memórias dessa sua experiência levaram a China a pressionar grupos editoriais da muito livre Grã-Bretanha.
A outra das estratégias censórias, essa comum às ditaduras e às democracias, passa por denegrir quem “arranja chatices”: populismo, ordinarice, crítica destrutiva, pessoa que só chegou aquele cargo por ligações familiares... pode parecer que estou a falar de Manuela Moura Guedes e do Jornal Nacional em 2009, mas por acaso estou a citar alguns dos epítetos que recaíam sobre o semanários Expresso, em 1975. (...). gostamos de acreditar que, passado o PREC, a liberdade de expressão ficou garantida para todo o sempre em Portugal. Como é óbvio, tal não é verdade nem pode ser. A liberdade de expressão implica uma prática quotidiana e sobretudo implica perceber de que lado se está quando o poder, seja ele político, religioso ou económico, interfere com essa liberdade. E nesses casos, em Portugal, a liberdade quase invariavelmente perde e, pior que tudo, perde perante a indiferença geral.
(...)
Segundo se consta o Estoril no tempo da guerra era um ninho de espiões.
Mais um mega cacete e uma nano cenoura para atrair os incautos!
Se o Kasparov falasse português ele iria adorar o Blog do Sr Milhazes!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Caro Pippo, daí a importância da internet e dos blogs no exercício quotidiano da liberdade de expressão.
António Campos
Pippo mais uma vez me arranca aplausos
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