domingo, outubro 18, 2009

URSS quase apoiou FNLA e admitiu apostar em Savimbi

Artigo publicado no Público sobre o meu livro: "Angola: início do fim da URSS"
""URSS quase apoiou FNLA e admitiu apostar em Savimbi"
Por João Manuel Rocha
A ideia de que a União Soviética (URSS) sempre esteve de alma e coração com o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), que assumiu o poder após a independência, é falsa. No início dos anos 1960, Moscovo esteve prestes a reconhecer a rival FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), o que só não aconteceu devido à intervenção do líder comunista português, Álvaro Cunhal.
Já na época de Mikhail Gorbatchov, responsáveis de Moscovo viam com bons olhos Jonas Savimbi e a sua UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e o último líder soviético encorajou o diálogo que o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, estava disposto a iniciar com os adversários políticos. As novidades constam do livroAngola - O princípio do fim da União Soviética, de José Milhazes, editado pela Nova Vega e ontem lançado em Lisboa. Baseado em fontes russas, documentos, artigos e entrevistas, revela episódios inéditos e mostra que não havia unanimidade em Moscovo sobre a intervenção na ex-colónia portuguesa.
O quase reconhecimento da FNLA como "legítimo representante" angolano chegou a ser ordenado pelo então líder soviético Nikita Krutchov, em 1963. O episódio revela "a confusão que reinava em Moscovo em relação à sua política africana". Documentação citada indica que, paralelamente aos contactos com o MPLA, a espionagem soviética procurou estabelecer laços com a UPA (União dos Povos de Angola), antecessora da FNLA, e a UNITA. José Milhazes, ex-correspondente do PÚBLICO em Moscovo, cita as memórias de Piotr Evsiukov, um alto funcionário que, durante 15 anos, dirigiu os contactos com os movimentos de libertação, segundo o qual, sem a intervenção de Cunhal, a URSS teria reconhecido FNLA de Holden Roberto.
O apoio militar que se revelou fundamental para o MPLA em 1975 também não se concretizou sem dúvidas de Moscovo. "Não havia unanimidade face à intervenção das tropas cubanas em Angola e ao envolvimento da URSS", escreveu Milhazes. A partir de testemunhos de responsáveis soviéticos, concluiu que "Cuba decidiu intervir militarmente em Angola com ou sem autorização de Moscovo" e que no terreno havia "sérias divergências" entre o comando das tropas cubanas e os conselheiros soviéticos.
A boa impressão que Savimbi causou, em 1988, ao então ministro de Negócios Estrangeiros de Moscovo, num encontro na ONU, fez com que a URSS tenha estado "próxima de apostar em Jonas Savimbi", revela Milhazes. "Depois do encontro de [Eduard] Chevarnadze com Savimbi, em Nova Iorque, em Moscovo quase surgiram hesitações: em que apostar em Angola?", contou ao autor o então embaixador em Luanda, Vladimir Kazimirov.
No mesmo ano, José Eduardo dos Santos encontrou-se com Gorbatchov e informou-o de que ia conversar sobre a UNITA com o rei Hassan II, de Marrocos, ao qual Savimbi teria admitido afastar-se, se isso contribuísse "para a solução positiva do problema". No diálogo, relatado no livro, o actual Presidente admitiu a integração de elementos da força inimiga no processo político. "Não como militantes da UNITA, mas como particulares. Alguns farão parte do Governo", disse.
Atritos graves
Outra das revelações do livro é o fuzilamento, em 1973, por ordem de Agostinho Neto, de cinco adversários no MPLA, acusados de uma conjura em que também estaria envolvido Daniel Chipenda, "número dois" da organização. O facto desagradou aos soviéticos, tal como o acordo, assinado em 1972, para uma frente MPLA/FNLA onde Agostinho Neto teria aceite ser "número dois". Os documentos citados revelam uma "desconfiança mútua" entre os dirigentes de Moscovo e o primeiro Presidente angolano e "indecisões na direcção política" sobre quem apoiar que se prolongaram até muito perto da independência.
Os "atritos graves" com Neto levaram já diversos estudiosos a considerar que os soviéticos incentivaram o então ministro do Interior, Nito Alves, a liderar a contestação ao rumo do MPLA, numa acção que culminou com milhares de mortos. Milhazes escreve que Neto não só acreditou nessa tese como "foi de propósito a Moscovo pedir explicações" a Brejnev, então secretário-geral soviético, e exigiu o afastamento de dirigentes da representação militar em Luanda. O autor confirma que "os soviéticos depositavam confiança" em Nito Alves, mas não conseguiu ser conclusivo sobre o seu papel nesse episódio devido à dificuldade de acesso aos arquivos soviéticos e ao silêncio e contradições dos entrevistados.
Já sobre os rumores de que Neto foi assassinado durante uma operação, em 1979, Milhazes diz que são "um disparate". "As autoridades soviéticas não queriam que Agostinho Neto fosse operado em Moscovo, pois sabiam do seu real estado de saúde, mas, por outro lado, não podiam recusar, para não afectar a credibilidade do país", escreveu. O autor é também de opinião que, sem esquecer o Afeganistão, a intervenção em Angola ajudou à queda da URSS. "A estrutura soviética fica, do ponto de vista económico e até militar, fortemente abalada.""

6 comentários:

MSantos disse...

Caro José Milhazes

Devo confessar que não era minha intenção inicial ler o seu livro. Embora um interessado pelos temas da guerra fria em geral, posso dizer que os conflitos africanos nunca despertaram em mim grande interesse.

Após folhear algumas páginas na Fnac,chamou-me a atenção dado parecer ser uma narrativa simples, interessante e de agradável leitura. Acabei por o adquirir e até agora, vou no 3º capítulo e não me arrependi e está a corresponder às minhas espectativas. Ainda para mais que adiante há o capítulo da épica batalha de Cuito Cuanavale e as incursões da África do Sul pela Namíbia que é um episódio dos mais relevantes.

No entanto acho um bocadinho forçado afirmar que o conflito angolano ajudou a queda da URSS, dado que neste mesmo conflito o internacionalismo e intervenção cubana contou muito mais. O Afeganistão não terá nada a ver, esse sim contribui muito significativamente dado ter sido uma guerra em larga escala com centenas de milhar de homens envolvidos, emprego massivo de material bélico avançado (tanques, helicópeteros) com perdas insustentáveis.

Angola terá sido um dos muitos conflitos (África, Caraíbas, Médio-oriente, etc) que todos somados aí sim, terão provocado um grande rombo financeiro que levaria entre outtros factores à queda da URSS.

Cumpts
Manuel Santos

MSantos disse...

Relativamente a Savimbi, de certa forma não me surpreende pois do que se conhece da sua personalidade, é facilmente enquadrável numa categoria de líderes da qual fazem parte Castro ou Chavez.

Se formos a ver há alguma semelhança nestas personagens. Inicialmente não existe o factor ideológico, apenas a vontade de afrontar o poder instalado com algum niilismo e uma forma populista de se tornarem líderes históricos mais na classe de pretensos salvadores do povo (este é o seu principal objectivo independentemente da ideologia).

Logicamente que para combater esse poder instalado acabam por fazer alianças com outro contra poder que os apoie no intuito de chegar aos seus objectivos e aí acabam por abraçar a ideologia.

Provavelmente Savimbi se tivesse sido devidamente "namorado" pelos soviéticos, iria tornar-se seu aliado e acabaria a defender o marxismo-leninismo.

Outro exemplo que também menciona no seu livro é Nasser, que enterrou o partido comunista egípcio e acabou, nalgumas fases, aliado dos soviéticos.

Cumpts
Manuel Santos

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro MSAntos, obrigado pela sua mensagem. Apenas gostaria cjhamar a atenção para o facto de o título constitutir uma ideia expressa por um alto funcionário da Secção Internacional do Partido Comunista da URSS. A guerra em Angola deve ter sido um dos conflitos mais caros no Terceiro Mundo para a URSS, prolongou-se por mais de 30 anos.

Inácio Cristiano disse...

Caro J.Milhazes
A guerra civil angolana durante 30 anos inevitavelmente trouxe grandes encargos financeiros à economia dos contribuintes soviéticos.
Mas não é menos verdade que trouxe grande aporte patrimonial aos personagens ao mais alto nivel do conflito, fossem russos, cubanos, ucranianos, iugoslavos...sem esquecer os norte-americanos na "implantada" economia de guerra, assim como na anarquizada economia paralela tão do agrado destas sinistras criaturas que pairam sempre nos ambientes de guerra.
É bom não esquecer que são estas mesmas pessoas que beneficiaram da interminavel guerra angolana, que escreveram diversos e inumeros relatórios, e que agora restam a escrever as...memórias da sua criação.
Que me lembro, só Fidel de Castro prendeu e posteriormente condenou à morte, um dos tais que tinham sempre muito para contar, (pudera, era Chefe do Estado Maior do Exercito Cubano em Angola)mas que nunca disse a ninguem de quantos "karates" era o seu património após o regresso de Angola.

Anónimo disse...

rrererere

Tiago Aboim disse...

Boa Noite meu caro José Milhazes
em primeiro lugar quero felicita-lo por ser uma especie "embaixador português" em terras que outraora pertenceram a czarina Catarina e que desde nasci ,há cerca de 20 anos so conheço um correspondente que teve tanto tempo na ex-urss o senhor.
Mas vamos ao que interessa eu desde muito cedo sou um adepto da historia da URSS ,embora não seja adepto da ideologia que estava expressa nessa antiga potência ,e ao ler este post fiquei deveras impolgado com este seu livro ,confesso que me deixou algo impolgado,mas por motivos de ordem profissional será mt dificil ler livro nesta altura do campeonato.
Sempre tive a noção que os dirigentes da URSS ,tiveram sempre um papel de destaque nas colónias africanas como caso da angolana retratada ,e no caso etiope creio eu , a tentativa de influencia geo-politica da equipa do politburgo sovietico .

Gostaria de lhe pedir um favor .
Gostaria de o adicionar no msn e quem sabe temos um conversa acerca da URSS e ate mesmo da actual Russia ,para uma troca de conhecimentos .

com os melhores cumprimentos

Tiago de Aboim