quarta-feira, novembro 18, 2009

Blog dos leitores (A morte de Sergei Magnitsky e o niilismo legal)


O leitor António Campos enviou-nos o texto que abaixo publicamos:


De acordo com o Wall Street Journal, Sergei Magnitsky um advogado que trabalhava para a empresa Hermitage Capital Management, acaba de morrer numa prisão de Moscovo, após as autoridades lhe terem recusado tratamento médico adequado. De acordo com a publicação, Irina Dudukina, porta-voz da unidade de investigação do Ministério do Interior, afirmou que Magnitski faleceu de “falha cardíaca”, tendo adiantado que não existiam registos de problemas de saúde e que o mesmo, numa audiência na semana passada, não teria feito qualquer referência ao assunto. No entanto, documentos apresentados pelo seu advogado e antigos colegas, demonstram que Magnitsky apresentou numerosos pedidos e queixas relativas a falta de tratamento médico, incluindo na audiência referida, tendo todos sido rejeitados.

Sergei Magnitsky foi preso há cerca de um ano, acusado de evasão fiscal num caso envolvendo a Hermitage Capital Management. Como é do conhecimento geral, esta gestora de fundos está envolvida numa batalha legal contra as autoridades russas, após ter acusado uma série de altos funcionários de envolvimento num esquema criminoso de apropriação dos activos da empresa, seguido de um pedido fraudulento de reembolso fiscal, que foi prontamente aceite pelas autoridades.

As autoridades russas fizeram a assombrosa afirmação de que a complexa fraude fiscal, envolvendo o roubo centenas de milhões de dólares ao tesouro russo, terá sido perpetrada por um antigo trabalhador de uma serração.

Segundo o jornal, Magnitsky foi detido em Novembro de 2008 após ter prestado testemunho sobre as referidas fraudes. Foi-lhe negada fiança com base na alegação de que o mesmo tinha pedido um visto para a Grã-Bretanha. Tal foi posteriormente refutado pelas autoridades consulares britânicas.

O jornal adianta que Jamison Firestone, sócio da Firestone Duncan, antiga consultora jurídica da Hermitage Capital, afirmou : “Prenderam-no durante 11 meses, exigindo-lhe que fabricasse falsos testemunhos contra a Hermitage. Quanto mais ele recusava, mais as condições pioravam”.

Em declarações submetidas ao tribunal, Magnitsky alegou que lhe tinha sido recusado tratamento de problemas no estômago e no pâncreas, diagnosticados na prisão onde anteriormente esteve detido. Nestas declarações, Magnitsky protesta contra as condições da prisão de Butyrskaya, afirmando que uma das celas onde esteve encarcerado não tinha sequer vidros nas janelas. Funcionários da prisão recusaram-se a comentar as alegações. Na semana passada, ocorreu uma audiência num corredor da prisão, onde os investigadores apresentaram a Magnitsky documentos para ler, no contexto de uma moção destinada a alargar o seu período de pré-detenção. Nessa “audiência” no corredor, Magnitsky permaneceu algemado a um radiador. O juiz recusou-lhe tempo adicional para estudar os materiais que lhe foram apresentados.

Os médicos prisionais afirmaram ao advogado de Magnitsky que a causa da morte foi “choque tóxico e necrose pancreática”. Está planeada uma investigação sobre a ocorrência.

Esta trágica notícia escreve volumes acerca do combate presidencial ao niilismo legal, constituindo mais uma evidência sinistra de que a retórica da administração muito dificilmente passará a factos concretos.

8 comentários:

Jest nas Wielu disse...

Geralmente, quando um preso de importância do Magnitsky morre na prisão russa (atenção, não no campo de prisioneiros, na “zona”, em uma região longínqua da Sibéria, por exemplo), mas na prisão, dentro da cidade, isso significa que o regime decidiu silenciar uma testemunha incómoda…

Anónimo disse...

ih... aí tem o dedo do Putin novamente...

Anónimo disse...

Caro Jest, tal é inteiramente correcto. Ademais, esta forma de chantagem através da negação da necessária atenção médica (que é na prática uma execução em câmara lenta) é comum no sistema.

Outro caso notório foi o de Vasily Aleksanyan, antigo executivo da Yukos, ao qual foi negado tratamento para o cancro que lhe foi diagnosticado.

Esta é uma oportunidade dourada para Medvedev demonstrar que as suas palavras acerca da luta contra a corrupção valem alguma coisa. Mas há muitos anos que deixei de acreditar no Pai Natal.

António Campos

Maquiavel disse...

... teräo aprendido na mesma escola dos polícias da OTAN que tratam dos prisioneiros em Haia, que deixaram morrer o Milosevitch por falta de assistência médica antes de ir a julgamento, com medo que ele pusesse a boca no trombone, e incriminasse os alto cargos da mesma OTAN???

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro Maquiavel, uma coisa não justifica outra. A morte deste advogado é uma aberração que desacredita qualquer política. Se os dirigentes russos querem imitar o que de pior se faz no mundo, então essa morte está explicada. Podiam imitar outras coisas mais positivas.

Anónimo disse...

Há teorias da conspiração verdadeiramente hilariantes. Se Milosevic se tivesse entregado voluntariamente ao tribunal de Haia, cheio de vontade de contar umas verdades e incriminar aqueles venenosos da NATO, ainda seria concebível uma conspiração para o impedir de “colocar a boca no trombone”. O melhor para aqueles criminosos americanos e europeus seria mesmo, nesse caso, não o tentar apanhar ou contratar um qualquer mafioso para lhe dar um tiro na tola, não fosse ele fazer revelações bombásticas aos media da EU, que por acaso até publicam histórias incriminatórias dos respectivos governos sem medo de serem “inspeccionados” …

Mas não. O homem ficou verdadeiramente chateado por ser preso e obrigado a ir a tribunal e que a acusação ficou fula da vida porque o seu enfarte do miocárdio negou a devida justiça às suas vítimas. Na verdade, morto, o sujeito só se serviu a ele próprio.

António Campos

MSantos disse...

António Campos

Sobre a questão do pretenso idealismo da intervenção da NATO na guerra dos Balcãs anexo-lhe um texto ilustrativo do livro "Terapia de Choque" de Noami Klein para que se possa rir a bom grado:

" A ideia de que a incapacidade de adoptar o Consenso de Washington podia ser motivo suficiente para provocar uma invasão estrangeira (Iraque) pode parecer rebuscada, mas havia um precedente. Quando a NATO bombardeou Belgrado em 1999, a razão oficial apresentada foram as egrégias violações dos direitos humanos por parte de Slobodan Milosevic que tinham horrorizado o mundo. Mas numa revelação pouco divulgada anos após a guerra do Kosovo, Strob Talbott, vice-secretário de estado da administração Clinton e o principal negociador dos EUA durante a guerra, ofereceu uma explicação bem menos idealista: "À medida que as nações daquela região tentavam reformar as suas economias, mitigar as tentações étnicas e alargar a sociedade civil, Belgrado parecia ter prazer em seguir na direcção oposta. Não é de admirar que a NATO e a Juguslávia tenham acabado em rota de colisão. Foi a resistência da Juguslávia às tendências mais amplas das reformas política e económica - não a desgraça dos albaneses kosovares - que melhor explica a guerra da NATO". A revelação surgiu num livro de 2005 intitulado Collision Course: NATO, Russia and Kosovo de John Norris, antigo director de comunicações de Talbott."

Outros trabalhos igualmente hilariantes poderá também encontrar nos textos de Carlos Santos Pereira esse grande jornalista, sabe-se lá porquê, foi devotado ao completo esquecimento.

Cumpts
Manuel Santos

Anónimo disse...

Pois é. Tenho a mais absoluta certeza de que as viúvas de Srebrenica, que também não devem estar com muita vontade de rir, concordarão com a afirmação de Talbott de que o estilo de Belgrado de "seguir a direcção oposta" não era exactamente a atitude mais saudável.

António Campos