O leitor António Campos enviou-nos este seu artigo que publicamos de bom grado e sem qualquer comentário ou emenda:
"Putin não tem muitas razões para celebrar a queda do muro de Berlim. Quando a vaga da história se desenrolava para lá da janela do seu escritório do KGB em Dresden, o actual primeiro-ministro russo percebeu que o sistema perfeito e rígido do qual era cliente se estava a desmoronar subitamente perante os seus olhos, no que, segundo as suas próprias palavras, foi a “maior catástrofe geopolítica do século”.
Por seu lado, Medvedev, herdeiro de Sobchak, legalista e alheio ao clã dos siloviki, tenta, face às circunstâncias, desempenhar o papel de reformista, apadrinhando a modernização como tema central da sua presidência e definindo estratégias ambiciosas de desenvolvimento para pescar o país do abismo. Mas uma análise cuidada ao orçamento para 2010 revela que a prioridade são os gastos militares e o aumento das pensões, sendo que apenas 1,4% dos financiamentos são destinados à inovação. O presidente, que não se atreve a murmurar uma palavra crítica contra o primeiro-ministro, faz umas afirmações tímidas sobre a criação de equipas de “modernizadores” que possa fazer com que pelo menos alguns desenvolvimentos se materializem e, mais importante, tenta fazer passar a mensagem de que o niilismo legal é coisa do passado e que a história estalinista não deverá, afinal, ser reescrita.
Estes factos, uma espécie de cocktail de “quase-liberalismo” presidencial e tendências nacionalistas e populistas promovidas pelo primeiro-ministro, têm dois efeitos: dão credo à percepção popular de que se vive num período de mudança, e ao mesmo tempo, passam a ideia de que existe uma clivagem quanto ao caminho a seguir para sair da crise. Tal parece estar a gerar uma onda de pânico nas elites do poder. Quererá Medvedev seguir os passos de Gorbachov de remodelar o sistema, mantendo a sua essência inalterada? É esse o grande ponto de interrogação a pairar nas cabeças dos siloviki.
Estes sabem que o ímpeto reformista de Gorbachov, que (tal como Medvedev pretende) quis reduzir a dependência energética e modernizar a decrépita indústria soviética sem mudar o regime, deu origem a um colapso revolucionário que arrasou com o seu poder e privilégios. A promoção do empreendedorismo cria centros de poder que ameaçam a hegemonia estatal e o seu parasitismo sobre as rendas da venda de matérias-primas.
Assim, os poderes vigentes não querem correr o risco de uma nova Perestroika e muito dificilmente Medvedev conseguirá o apoio de cima para os seus devaneios reformistas. Enquanto a conversa não passar de conversa, Medvedev será tolerado.
Mas conseguirão o “duo dinâmico” e os seus clientes manter o status-quo à frente de uma economia cujos problemas vão muito para além da simples dependência energética, tal como demonstra a anémica recuperação da economia, mau grado o aumento dos preços dos hidrocarbonetos, e a incapacidade crónica de resolver os problemas da população em geral? E não será a “abertura liberal” de Medvedev um catalisador de um colapso do sistema vindo não de cima, mas de baixo?
O actual clima social na Rússia, tal como descreve (genialmente, pelo que transcrevo o comentário na íntegra) um comentador anónimo russo de um blog semelhante a este, tem contornos de “pré-revolucionário”. Diz ele: “Nós, que vivemos na Rússia, sentimos a mesma espécie de histeria oficial ocorrida nos anos 80. Assistimos a uma espécie de frenético apertar do cerco com contornos cada vez mais absurdos. Um historiador a estudar o tratamento dos prisioneiros alemães nas décadas de 40 e 50 é preso por violar leis de privacidade. A agência contra os narcóticos publica uma lista de obras clássicas a retirar das bibliotecas por “propagandearem o uso de estupefacientes”. Os deputados querem retirar a cidadania russa ao ministro dos negócios estrangeiros georgiano, ainda que a constituição não o permita. Funcionários governamentais acusam um polícia que usou a internet para condenar a corrupção de estar a soldo da USAID. Uma agência noticiosa escreve que a Ucrânia pediu ajuda à Rússia para combater a gripe suína, citando um comunicado à imprensa do presidente ucraniano (só que esse comunicado não diz uma palavra acerca da Rússia). Famílias de acolhimento devem apresentar recibos de todos os gastos dos subsídios estatais. Os estrangeiros contratados ao abrigo de vistos de trabalho têm agora que apresentar diplomas apostilhados. Uma universidade em São Petersburgo está a obrigar os seus professores a submeter os seus artigos a escrutínio antes de serem enviados para jornais internacionais. Outra universidade tem uma lista de estudantes “extremistas”, que inclui apoiantes do Yabloko.
Vemos acções destas por todo o lado, mas não me parece que obedeçam estritamente a uma ordem de cima. Ficamos com a impressão de que os tipos no poder (a todos os níveis) sentem que o jogo está no fim, que o grandioso contrato social está a desfazer-se e que eles estão a espernear com tentativas de controlar o incontrolável. O resultado é um conjunto surreal de realidades sobrepostas. Uma realidade é a dos grandes desígnios de Medvedev escritos no seu blog e discursos. Há a realidade da TV, encalhada no modelo de Putin de culpar o Ocidente (especialmente os EUA) por tudo e mais alguma coisa, ao mesmo tempo que pinta um quadro que descreve uns poucos problemas locais mas um sistema basicamente sólido, embora as suas acusações sobre a intervenção maligna ocidental comecem a ficar verdadeiramente cómicas. Há a terceira realidade da vida real, na qual a corrupção está totalmente fora de controlo e algumas regiões e cidades estão mergulhadas na mais abjecta pobreza.
Os poderes vigentes não querem mexer no sistema, pois compreendem que a situação mais perigosa para um regime corrupto é tentar repará-lo superficialmente. Mas não me parece que o modelo de Putin venha a funcionar por muito mais tempo. Tal como todos os governos corruptos, este não soube quando parar, e a paciência da população está a esgotar-se. Por enquanto, assistimos a pequenas repressões aqui e acolá. Mas não vai resultar por muito tempo, pelo que eles terão ou que reprimir em grande ou sofrer mudanças profundas. Seja qual for o caso, será o seu fim. Daí que não admira que lá em cima reine o pânico.”
Aconteça o que acontecer, o futuro imediato da Rússia promete ser interessante."
26 comentários:
Artigo bastante interessante e oportuno. Apenas gostaria de perguntar ao autor, como e que ve a tomada de posicao da populacao em geral, alias fundamental para qualquer mudanca, nesta encruzilhada?
Esta pergunta tem a ver com o facto de que na Russia actual, palavras como liberalismo e democracia rimam com instabilidade (reminiscencias da era Ieltsin) e a "democracia controlada" de Putin com estabilidade, talvez aquilo a que os Russos dao mais importancia neste momento.
Nuno.
Caro Nuno,
É verdade que os russos dão mais valor à estabilidade do que ao pluralismo político, especialmente porque pensam que democracia é o que se viu nos tempos de Yeltsin. Mas muito mais do que um sistema político ou outro, a questão central que pode fazer a balança pender para um dos lados é claramente o nível de prosperidade material e a qualidade de vida em geral. Pode aguentar-se muito, mas há sempre um limite abaixo do qual as pessoas simplesmente não aguentam e explodem. Com democracia ou sem ela, o que as pessoas querem é ter uma boa qualidade de vida, boas estradas, escolas, hospitais e perspectivas de futuro.
Nestes últimos 10 anos, os russos deram o benefício da dúvida a Putin, trocando liberdades por estabilidade, e este conseguiu manter a ilusão de prosperidade, à boleia dos preços astronómicos dos hidrocarbonetos. Mas agora, apesar dos media estarem totalmente controlados e a oposição estar atomizada e impedida de se fazer ouvir, começam a perceber (na pele) que a oportunidade foi desperdiçada e que nada mudou significativamente. E muitas coisas estão ainda piores. A situação nas centenas de “mono-cidades”, cidades desenvolvidas em torno de uma só indústria ou empresa, é especialmente dramática. O número de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza aumentou significativamente, e a Rússia foi um dos países mais afectados pela crise, o que demonstrou da pior forma o estado frágil e decrépito da economia, após mais de 10 anos de “progresso” putinista.
As pessoas estão desiludidas, mas por enquanto andam demasiado preocupadas em simplesmente sobreviver, sentem que protestar não adianta e não acreditam nos políticos. Mas agora imagine que o presidente, num gesto de candura (genuína ou cínica…não se percebe bem ainda) admite os falhanços e fala em mais abertura social e na construção de uma verdadeira sociedade civil. E imagine também que o preço do petróleo não sobe tão rapidamente quanto o necessário para permitir ao regime manter a ilusão de progresso. Isto é equivalente a abrir uma racha no sistema e certamente encorajará muita gente a tentar fazer-se ouvir. Veja o exemplo do major da polícia Alexei Dymovsky, que está a tornar-se num caso de sucesso viral de um protesto (que até já está a penetrar o manto da censura dos media oficiais), que, quem sabe, talvez não se tivesse feito ouvir se Medvedev não tivesse iniciado a sua perestroika pessoal. Acredito que muitos destes protestos se seguirão, o que deixará o regime em muitos maus lençóis, tal como afirmou o comentador anónimo que citei. Dymovsky faz parte do rastilho dum barril de pólvora de frustração colectiva e não me surpreenderia muito se assistíssemos, mais dia menos dia, a uma espécie de revolução laranja na Rússia que o regime teria dificuldade em controlar.
A haver uma “revolução”, acredito que terá origem nas bases e não no topo. O que se seguiria? Não faço a menor ideia. E é isso que torna a situação interessante.
António Campos
Artigo muito interessante que li com toda a atenção. Permita-me apenas discordar quando afirma que pode vir a haver uma "revolução laranja" na Rússia. Tal não creio que acontecerá, não só porque a Rússia actual foi capaz de (re)centralizar o poder no Kremlin de tal forma que tornará essa possibilidade muito improvável, como pelo facto de próprio sistema político russo ser muito diferente do ucraniano ou do georgiano.
Creio também que, no seu texto, se esqueceu de referir que talvez a maior ameaça ao estado russo tal e qual como o conecemos hoje é (para além dos factores económicos como referiu e muito bem) a demografia e o alastramento de dinâmicas de poder regional que podem levar a médio/longo prazo à própria desintegração do estado. Claro que o factor demográfico não deixa de estar intimamente relacionado com este perigo.
Em suma, há pânico no Kremlin (sem dúvida) não só pelo que referiu mas por outras razões também.
De resto, gostei muito do seu texto. Os meus cumprimentos.
Como sempre, muito bem dito!
Caro João Gil,
É efectivamente muito difícil assistir na Rússia a protestos maciços organizados, uma vez que o mecanismo de repressão (que eu chamaria uma espécie de “micro-intimidação”) é muito eficaz. Ainda que há 20 anos atrás tenham havido muito mais activismo político, com milhões a manifestarem-se nas ruas e a permanecerem em filas intermináveis para exercer o seu direito de voto, nessa altura não tinham muito a perder e sentiam que a sua voz poderia fazer diferença. Hoje, os russos não têm muito , mas (especialmente os que vivem próximo dos centros de poder) muitos deles têm algo a perder. Têm apartamentos, empregos com alguma estabilidade, filhos na universidade. As tais manobras de “micro-intimidação”, que poderão pôr em risco o pouco que têm através de processos administrativos arbitrários, tais como a nulificação da compra da sua casa, acusações policiais falsas de posse de drogas dos filhos universitários, ameaças de despedimento e as notórias “inspecções surpresa” aos estabelecimentos comerciais, são um forte desincentivo ao protesto aberto.
Na Bielorrússia, este processo é também muito eficaz. São conhecidas dezenas de casos em que activistas universitários são subitamente chamados a prestar o serviço militar e a minha própria mulher foi vítima de uma intimidação deste tipo, quando viu o seu emprego ameaçado por se recusar a dar uma contribuição “facultativa” para um qualquer projecto governamental sem pés nem cabeça.
Seja como for, o meu ponto é que uma “revolução” vinda do topo, tal como “sugerida” por Medvedev nos seus discursos progressivos (e temos que chamar à postura de Medvedev “revolucionária”, uma vez que ataca todas as áreas fundamentais da sociedade russa) muito mais dificilmente acontecerá. Quer aconteça quer não, a mudança está nas mãos da população, na minha opinião.
Já agora aproveito a oportunidade para enviar um link com um debate interessante baseado em recortes da imprensa russa, relativamente aos possíveis efeitos do caso Dymovsky na sociedade russa.
http://windowoneurasia.blogspot.com/2009/11/window-on-eurasia-dymovskys-youtube.html
António Campos
Caro António
Artigo muito interessante, sem dúvida.Eu própria já me tinha apercebido da enorme diferença que existe entre o discurso televisivo e a realidade concreta. Também se volta a confirmar (no discurso de ontem do presidente) que Medvedev e Putin "não são farinha do mesmo saco". O primeiro tem de facto ideias muito diferentes do segundo. A questão é que não consegue pô-las em prática, ao contrário de Putin.
Há no entanto um aspecto que o leitor João Gil referiu, o perigo da desintegração da federação, caso o poder central enfranqueça.
Sendo a democratização desejável, na Rússia nem sempre a liberdade tem sido utilizada de forma responsável, ou seja, esta pode rapidamente conduzir a excessos e a uma situação de anarquia. Como dizem os russos,"Bunt, bezcmyslnyi i bezpochadnyi". Se, de facto, estivermos perante uma nova "perestroika" (que o discurso de ontem de Medvedev parece teoricamente anunciar) muita coisa de bom e de mau poderá acontecer. Não esqueçamos que as mudanças de fundo na Rússia costumam sempre ser dramáticas, especialmente para a população.
Cristina Mestre
Que devaneio, hein!
Mas o que me interessa é saber se o sr. Antonio Campos terá coragem de se calar e não pronunciar mais tolíces, pelo menos neste blog, quando ficar evidente que nada daquilo que ele "profetizou" aconteceu. Caro sr. Campos, eu sei que você vive na Belorússia e, talvez, tenha certas dificuldades. Mas você sabia que a Rússia é outro estado? Que a Rússia não é Belarússia. Ler média russos e vizitar Moscovo e Smolensk de vez em quando, como se vê, não permite a um estrangeiro perceber bem a ralidade russa. Se tiver tempo hoje, vou tentar explicar o que precisamente o sr. entende errado.
Caro António Campos,
Antes de mais, peco desculpa por estar a escrever sem alguns acentos mas estou em Oslo e nem sempre tenho acesso a um teclado "portugues".
Relativamente ao ponto que vinca no seu ultimo comentário, sou também forcado a nao concordar completamente. De facto, a retórica de Medvedev - político com um CV muito distinto de Putin - é mais uma retórica voltada para a "modernizacao" do que para a "liberalizacao". As propostas de cariz político que ele tem feito nos seus discursos, sao propostas que, além de limitadas, serao muito facilmente aniquiladas pelo Rússia Unida se este partido assim o entender.
Há, efectivamente, algo de diferente no discurso de Medvedev. Isso parece-me inquestionável. Mas acho que nao estamos perante um cenário revolucionário como diz.
E se tivermos em atencao a política externa russa, aliada à prioridade dada à exploracao dos recursos naturais, verificamos que o espaco de Medvedev ainda é mais limitado, pois estas sao estratégias que provem directamente do tempo de Putin e que nao objecto de modificacao. O papel que a Rússia tem hoje no mundo deriva exclusivamente do papel de Putin, bem como a situacao interna. O caminho de Medvedev será, isso sim acredito, o de iniciar o processo de transformacao da Rússia num país como uma economia moderna e mais diversificada. Mas isso, como sabemos, nao é sinónimo de democratizacao ou de liberalizacao.
A experiencia recente tem demonstrado o desvio autocrático da Rússia, e nada ainda provou que Medvedev pretenda (ou possa) colocar a Rússia num caminho mais desejável.
Caro António, estou de acordo com muitas das suas ideias, mas acho exagerado esperar uma revolução ou movimento de bases na Rússia . Neste país, as coisas resolvem-se nos corredores do poder. Como dizia Churchill, a política na Rússia faz lembrar uma luta de buldogues por debaixo de um tapete.
1. "Putin não tem muitas razões para celebrar a queda do muro de Berlim. Quando a vaga da história se desenrolava para lá da janela do seu escritório do KGB em Dresden, o actual primeiro-ministro russo percebeu que o sistema perfeito e rígido do qual era cliente se estava a desmoronar subitamente perante os seus olhos, no que, segundo as suas próprias palavras, foi a “maior catástrofe geopolítica do século”.
" A maior catástrofe geopolítica do século" são as palavras, pronunciadas há uns dois anos, no máximo e, parece, que não têm muito a ver com o sistema sovietico, mas , em primeiro lugar, com a separação das alguns das repúblicas da ex-URSS. Pelo menos, para mim, que li, entre outras coisas, o livro auto-biografico de Putin há uns 10 anos, parece, que ele não era um grande defensor do modelo comunista do estado, da economia e da sociedade. Talvez precisamente porque viveu por algum tempo na Alemanhá. Mas não sou um advogado de Pútin, é apenas a minha opinião.
Sria interessante saber, se o sr. Campos, como uma pessoa que ousa comentar de uma maneira tão atrevida sobre a Rússia, tambem leu este livro. Confesso, que não posso recordar o nome do livro, mas, o que é mais importante, eu lembro-me da esséncia deste.
O problema em a Rússia não envredar pela democratização e liberalização tem a ver com as expriências traumáticas dos 90s.
Cada vez estou mais convencido que não chega instaurar a democracia, pois se não se estiver preparado para ela isso não servirá de nada e agravará a situação política e económica de um país.
É necessário haver uma classe política adulta e responsável o mais imune possível a interesses alheios sejam económicos ou externos (ou ambos).
A Suécia, o Canadá ou a Austrália são países exemplo desta "infraestrutura" humana.
Implante-se a democracia no Iraque, Afeganistão, a maioria dos países africanos e veja-se o resultado.
A própria Rússia também não está preparada e mesmo os críticos habituais que conhecem o país sabem que isto é verdade.
Pelo lado económico e para suster a liberalização, a economia tem de ser forte e estar preparada para competir caso contrário será completamente absorvida e neutralizada em mercados abertos por empresas e concorrentes externos.
Mais uma vez, a Suécia, o Canadá ou a Austrália têm economias capazes de suster e singrar na abertura. A Rússia, ainda não.
Por muito maus que sejam, os líderes russos já perceberam isto e o desafio será establecer essa modernização prévia antes de abrir as empresas e mercados russos à economia mundial de modo a não cairem na vassalagem e miséria que tiveram nos anos 90.
E já repararam que a Rússia insiste em parcerias/aquisições/vendas com parceiros europeus ou asiáticos mas muito relutante aos doutro lado do Atlântico?
Porque será?
Cumpts
Manuel Santos
2. "Por seu lado, Medvedev, herdeiro de Sobchak, legalista e alheio ao clã dos siloviki, tenta, face às circunstâncias, desempenhar o papel de reformista, apadrinhando a modernização como tema central da sua presidência e definindo estratégias ambiciosas de desenvolvimento para pescar o país do abismo. Mas uma análise cuidada ao orçamento para 2010 revela que a prioridade são os gastos militares e o aumento das pensões, sendo que apenas 1,4% dos financiamentos são destinados à inovação."
Se ouviu a mensagem do Medvedev, deve saber que ele disse que os meios para inovações deviam ser procurados, em primeiro lugar. pelas próprias empresas. Tambem seria interessante saber, quanto gastam os chamados "estados desenvolvidos" do seu orçamento para esses fins. E, finalmete, seria preciso lembrar o quanto gasta o estado mais progressivo do mundo com os armamentos e as guerras no exterior. Sem dúvida, a Rússia é um demónio.
P.S. Se não sabe, foi exatamente Putin quem foi um dos mais próximos ao Sobtchak.
"O presidente, que não se atreve a murmurar uma palavra crítica contra o primeiro-ministro"
Alguns aqui dizem (dos símples usuários da Internet) que Obama "não resolve nada", "é um menino para ser batido" (não sei como isso se transcreve para português). Seria interessante saber, se os lusófonos tambem acreditam nisso e naquilo que foi dito neste "artigo".
"Estes factos, uma espécie de cocktail de “quase-liberalismo” presidencial e tendências nacionalistas e populistas promovidas pelo primeiro-ministro, têm dois efeitos"
Seria interessante saber, onde se baseia o sr. para fazer tais declarações. Porque distingue tanto o presidente e o primeiro-ministro? È que, nos últimos meses, se não anos, Putin tornou se uma figura não muito pública, pelo menos em comparação àquilo que era antes. È que agora pertense ao presidente o direito de exprimir a sua posição, enquanto Putin está na sombra neste aspecto. Por isso não compreendo, onde o sr. viu tanto "nacionalismo e populismo, promovidos pelo primeiro-ministro", pelo menos nos´últimos 2 anos. Ou Putin já anda a dar entrevistas pessoais ao sr. Campos?
3. "Quererá Medvedev seguir os passos de Gorbachov de remodelar o sistema, mantendo a sua essência inalterada? É esse o grande ponto de interrogação a pairar nas cabeças dos siloviki."
O sr. Campos é mesmo uma pessoa extraordinária. Até penetrou nas cabelas destes misteriosos "siloviki" (na verdade, um cliche para designar apenas ministro da defesa, nomeado por Medvedev, ministro dos negócios internos e o diretor do SFS,nomeados já não me lembro por quem)
Caro José, talvez não seja muito provável e eu esteja a ser demasiado optimista. Mas quem sabe, um dia a paciência esgota-se e para tal basta que as coisas batam mesmo no fundo.
A paciência esgotou-se em 1905 e em Fevereiro de 1917 (a verdadeira revolução popular espontânea - não confundir com o golpe de estado de Outubro). E também se esgotou em Agosto de 1991, em reacção à tentativa de golpe anti-Gorbachov.
A minha pergunta é: será que a retórica "liberal" de Medvedev não servirá de catalisador/encorajador de um maior ímpeto de protesto espontâneo com potencial de se transformar numa bola de neve incontrolável?
Talvez a lógica seja: se o presidente critica abertamente o sistema, porque não nós?
Quanto aos comentários do João Gil: a retórica de Medvedev não coloca uma tónica demasiado grande no conceito de “liberalização” provavelmente porque os poderes vigentes entendem (ou pelo menos querem passar a ideia de) que o sistema político russo é “democrático”, ainda que precise de uns “ajustes” aqui e acolá. Há eleições, não há? E elas são “adequadas”, não são? Então?
Mas não há dúvida de que, mesmo no seu primeiro discurso do estado da nação, Medvedev mencinou iniciativas destinadas a promover as liberdades e a fortalecer a democracia: por exemplo, propôs que os mesmo que os partidos não atingissem o limiar dos 7% pudessem assim mesmo eleger deputados para a assembleia; Propôs igualmente um maior papel das ONGs na elaboração de peças legislativas.
E o que dizer da famosa frase do “Avante Rússia”: “o sistema político será renovado e melhorado através da competição livre de associações políticas abertas. Existirá um consenso partidário transversal em questões de política externa estratégicas, estabilidade social, segurança nacional, no que toca às fundações da ordem constitucional, protecção da soberania nacional, direitos e liberdades dos cidadãos, protecção dos direitos de propriedade, rejeição do extremismo, apoio à sociedade civil e a todas as formas de auto-organização e auto-governação. Um consenso similar existe em todas as democracias modernas”.
Quem tem alma política sentir-se-á decerto encorajado por estas palavras a levantar-se e a falar.
António Campos
Anônimo russo ,
Seus argumentos são pífios....
rs.
Ninguém se atreve é a dizer quem foi que provocou as desgraças por que a Rússia e o povo estão passando.
Isso não, porque era falar verdade!
Mas repare caro António Campos: mesmo que Medvedev possa ter (ou pelo menos fazer passar que tem) alguns propósitos liberalizantes, é extremamente dúbio que as medidas que ele referiu possam vir a ter algum impacto ou mesmo chegar a ser objecto de adopção. Foi opinião mais ou menos consensual entre os analistas que Medvedev ficou muito aquém das expectativas nos seus últimos discursos, e este em concreto não foi excepção.
Agora se me perguntar: "Mas acha que Putin teria o mesmo discurso?" Não sei. Mas por isso mesmo acho que Medvedev é mais um complemento de Putin do que um (ainda que pretenso) "adversário". Medvedev está a entrar numa fase crucial da sua presidência: a fase de clarificar mais concretamente qual o seu papel e qual o seu poder efectivo no seio da estrutura de poder na Rússia. Isso, por agora, ainda não é claro para ninguém - mas não pode demorar muito tempo a sê-lo, até porque é comummente sabido que um poder bicéfalo na Rússia nunca resultou.
4.
"Estes factos, uma espécie de cocktail de “quase-liberalismo” presidencial e tendências nacionalistas e populistas promovidas pelo primeiro-ministro, têm dois efeitos: dão credo à percepção popular de que se vive num período de mudança, e ao mesmo tempo, passam a ideia de que existe uma clivagem quanto ao caminho a seguir para sair da crise. Tal parece estar a gerar uma onda de pânico nas elites do poder. Quererá Medvedev seguir os passos de Gorbachov de remodelar o sistema, mantendo a sua essência inalterada? É esse o grande ponto de interrogação a pairar nas cabeças dos siloviki.
Estes sabem que o ímpeto reformista de Gorbachov, que (tal como Medvedev pretende) quis reduzir a dependência energética e modernizar a decrépita indústria soviética sem mudar o regime, deu origem a um colapso revolucionário que arrasou com o seu poder e privilégios."
De maneira nenhuma se pode comparar Medvedev a Gorbatchov. O sistema conómíco da União Sovietica, com o sem matérias-primas, não era efetivo e não era viavel. Era um sistema utópico que não podia funcionar na realidade por muito tempo. O clima social nos tempos de Gorbatchov era tatalmente diferente. As pessóas estavam cansadas com os 70 de totalitarismo, acompanhado por um bixo nível da vida. Hoge o quadro é totalmente diferente. Temos um sistema capitalista e apesar de quaisquer crises as pessoas têm um nível de vida, nunca antes visto na Rússia (pelo menos, a parte mais economicamente ativa da população.
Quanto aos miticos "siloviki", nem na União Soviética o poder pertencia a eles, mas ao partido comunista. Eles eram, como tambem são agora, apenas funcionários do estado.
Sim, o sr. Campos pronunciou muitas palavras bonitas e sublimes, mas será que essas palavras descrevem o estado das coisas real?
5.
"A promoção do empreendedorismo cria centros de poder que ameaçam a hegemonia estatal e o seu parasitismo sobre as rendas da venda de matérias-primas."
Mais uma vez são apenas palavras. O objetivo, anunciado por Medvedev, foi, em primeiro lugar, a modernização da economia, isto é, o desenvolvimento das áreas, não ligadas às matérias-primas. Por isso não vejo sentido na frase citada acima.
6.
"Mas conseguirão o “duo dinâmico” e os seus clientes manter o status-quo à frente de uma economia cujos problemas vão muito para além da simples dependência energética, tal como demonstra a anémica recuperação da economia, mau grado o aumento dos preços dos hidrocarbonetos, e a incapacidade crónica de resolver os problemas da população em geral? E não será a “abertura liberal” de Medvedev um catalisador de um colapso do sistema vindo não de cima, mas de baixo?"
a)
"uma economia cujos problemas vão muito para além da simples dependência energética, tal como demonstra a anémica recuperação da economia, mau grado o aumento dos preços dos hidrocarbonetos"
Aínda é cedo demais para qualquer conclusões, por mais que o sr. Campos o queira.
b)
"a incapacidade crónica de resolver os problemas da população em geral"
Seria bom ouvir alguns factos aqui, e de que problemas tão graves se fala.
c)
"E não será a “abertura liberal” de Medvedev um catalisador de um colapso do sistema vindo não de cima, mas de baixo?"
Não há nenhuma razão para isso, nem económica, nem politicamente. O periodo que o país está a atravessar, não se pode chamar de crítico.
7.
"O actual clima social na Rússia, tal como descreve (genialmente, pelo que transcrevo o comentário na íntegra) um comentador anónimo russo de um blog semelhante a este, tem contornos de “pré-revolucionário”. Diz ele: “Nós, que vivemos na Rússia, sentimos a mesma espécie de histeria oficial ocorrida nos anos 80"
O "comentador anónimo russo de um blog semelhante a este" pode escrever genialmente o que quiser, mas:
a.) como já disse, a situação atual na Rússia de maneira nenhuma pode ser comparada com a dos anos 80 da União Soviética pelas razões que referi;
b) uns 70 % da população não partilham a opinião dele, por isso ninguem vai sair para as ruas. E por sinal, não há nenhum motivo para isso: a Rússia tem coisas para serem reformadas e melhoradas, mas isso muito bem pode ser feito sem destruir qualquer coisa e sem quaisquer revoluções, absolutamente desnecessárias hoje, e parece, todos compreendem isso, bem como os poderes (que, ao meu ver, não sentem nenhum pánico), tanto a população.
P.S. Sobre as palavras do tal comentador genial, o que posso dizer? São frases comuns de um radical, com muito exagero e, posso afirmar com toda a responsabilidade, algumas mentiras (sobre os lívros proibidos, por exemplo). Podia dizer muito aqui a este respeito, mas não vou gastar o meu tempo, porque o caso não o merece.
Caro João Gil, as tais medidas que Medvedev anuncia muito dificilmente serão mais do que palavras. Aliás, o paleio da “modernização” já vem dos tempos em que Putin era presidente e nada mudou. E basta analisar o orçamento de estado para o ano que vem para perceber que a retórica não vai passar muito disso.
A questão aqui são as fissuras que, pelas suas palavras, Medvedev poderá abrir no sistema e encorajar as bases a serem mais vocais do que até agora têm vindo a ser. Do topo, nunca virão mudanças enquanto a situação social (por outras palavras, o nível de protesto e revolta das bases) estiver controlada. Ou seja, enquanto o regime conseguir colocar nas ruas mais polícias do que manifestantes. Por outro lado, um inquérito conduzido em Setembro pelo centro Levada demonstrou que as elites estão bastante satisfeitas com o estado das coisas.
A comparação com Gorbachov serviu apenas como um paralelo para demonstrar como um tímido esforço de “modernização” e “abertura” pode, em última análise, fazer implodir o sistema com uma avalanche vinda de baixo.
Improvável neste momento? Talvez. Mas seguramente desejável. A ver vamos.
No outro dia, saiu um artigo de opinião de Vladimir Ryzhkov, com umas estatísticas de opinião pública interessantes (http://www.themoscowtimes.com/opinion/article/modernization-from-below/388218.html). Sobre o mesmo, surge um cartoon que representa um urso com ar bastante zangado montado por Medvedev, que o atiça com uma cenoura pendurada num pau. Na verdade, foi este cartoon que me inspirou a escrever aquele artigo. Se o urso se atirar raivosamente à cenoura, as consequências são difíceis de prever.
António Campos
"Por outro lado, um inquérito conduzido em Setembro pelo centro Levada demonstrou que as elites estão bastante satisfeitas com o estado das coisas."
"No outro dia, saiu um artigo de opinião de Vladimir Ryzhkov, com umas estatísticas de opinião pública interessantes (http://www.themoscowtimes.com/opinion/article/modernization-from-below/388218.html)"
Eu não domino inglês muito bem, por isso decidi pessoalmente encontrar os dados a que se referia no artigo, e vi os resultados das pesquisas, mas, perdão, no cite do centro Levada, com o arquivo íntegro das pesquisas, encontrei dados, semelhantes aos do artigo, mas foi um inquerito feito SEM DESTINGUIR a população para as classes ou camadas sociais.
As coisas no país seguem rumo correto - 49%
seguem rumo errado - 33%
tiveram dificuldades em responder - 18%
aprovam a atividade de Medvedev como presidente da Rússia - 75%
não aprovam - 23%
sem resposta - 3%
aprovam a attividade de Putin no cargo de primeiro-ministro - 81%
não aprovam - 18%
sem resposta - 1%
setembro de 2009.
http://www.levada.ru/press/2009092801.html
Confesso que, com todos os gritos que costumo ver na internet, não pensava que os dirigentes atuais tivessem tanto apoio da população. Mas conhecendo a realidade fora da internet, sei que isso é provavel. Assim, surge a pergunta - será que não existem realmente tentativas de desestabilizar a situação na Rússia via internet? Depois de tudo que acabo de ver, inclusive o artigo do jornal que parece ter manipulado um pouco os dados reais, já não sei.
Por via das dúvidas, o arquivo de todas as pesquisas do centro Levada:
http://www.levada.ru/press.html
P.S. E mais uma coisa. Não quero ofender ninguem, mas cabe exclusivamente à população da Rússia o direito de decidir o que seria desejável ou não para o país. Eles, quer dizer, nós, entendemos melhor.
É de facto um artigo interessante. Mas vem de encontro ao que defendi. É bastante dúbio que Medvedev venha a desempenhar um papel determinante na liberalização do sistema político russo, ainda que possa dar início ao processo (inevitável) de modernização da economia e de alguns sectores produtivos do país.
Acho que, no final de contas, os nossos pontos de vistas não diferem assim tanto. Eu entendi o que quis dizer quando se refeiu a Gorbatchev, apenas talvez não tenha sido a melhor forma de demonstrar o seu ponto de vista pois falamos de tempos completamente diferentes.
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