Este conflito entre o católico português e o anglicano teve consequências trágicas para o primeiro. Quando a embaixada chegou a Moscovo, Nicolau de Melo não ficou a viver com os restantes membros, mas foi instalar-se na casa de Paolo Citadini, médico de Milão que prestava serviços na corte russa . Aí, ele não só rezava diariamente missa, mas baptizou mesmo uma menina recém-nascida segundo o rito católico, o que era considerado um crime pelas autoridades civis e religiosas da Rússia.
Boris Godunov(na foto), que então ocupava o trono russo, informado pelo inglês Anthony Sherley, ordena uma busca na casa onde Nicolau de Melo se hospedara e, tendo sido encontradas mensagens do xã Abbâs I para o Papa de Roma e o Rei de Espanha e Portugal, vê nele um espião e desterra-o para o Mosteiro de Solovka, situado numa das ilhas remotas do Mar Branco, no Norte da Rússia. Em 1921, nesse mosteiro foi organizado o primeiro campo de concentração comunista, por iniciativa de Vladimir Lénine.
Durante os seis anos que passou no cativeiro, Nicolau de Melo não foi esquecido por Roma, que desenvolveu grandes esforços para o libertar, o que só foi conseguido em 1606, graças à intervenção do Papa Clemente VIII junto do Dmitri I, o Impostor, discípulo dos jesuítas, que se apoderára do trono russo depois da morte de Godunov.
Porém, no mesmo ano, o trono do czar é conquistado pelo ortodoxo Vassili Chuiskii e, novamente devido às intrigas dos ingleses, o frade português é desterrado, desta vez para o Convento Borissoglevski, situado a sensivelmente 200 quilómetros a Nordeste de Moscovo.
Em 1612, Nicolau de Melo é libertado graças à intervenção de Marina Mniszech, filha de um nobre polaco católico que se casou com Dmitri I, o Impostor, e, depois, com o Dmitri II, o Impostor, também católico.
Quanto ao posterior destino do padre português, as versões são divergentes. Segundo a literatura católica da época, Nicolau de Melo teria caído novamente nas mãos dos ortodoxos e pressionado a renunciar à sua fé.
Porém, V. Lestvitzin, historiador russo do séc. XIX, dá-nos uma versão completamente diferente. Sem citar as fontes a que recorreu, desenha um cenário completamente fantástico e pouco provável: “a pedido do filho de um rajá indiano, que veio com ele [Melo] para a Rússia e ficara em Moscovo, foi libertado depois por Chuiskii da prisão e regressou a Moscovo, onde faleceu pouco tempo depois e foi sepultado. O seu antigo companheiro de viagem [refere-se ao frade japonês Nicolau] partiu para a Polónia”.
9 comentários:
"V. Lestvitzin, historiador russo do séc. XIX, dá-nos uma versão completamente diferente. Sem citar as fontes a que recorreu, desenha um cenário completamente fantástico e pouco provável: “a pedido do filho de um rajá indiano, que veio com ele [Melo] para a Rússia e ficara em Moscovo, foi libertado depois por Chuiskii da prisão e regressou a Moscovo, onde faleceu pouco tempo depois e foi sepultado. O seu antigo companheiro de viagem [refere-se ao frade japonês Nicolau] partiu para a Polónia”."
Na verdade, não seria assim tão fantasioso se tivermos em conta que havia gente fantástica nessa época.
Exemplos: dois aventureiros portugueses, Salvador Ribeiro de Sousa e Filipe de Brito Nicote, assenhoraram-ser do Pegu (Birmânia) em princípios do séc. XVII;
Também no séc. XVII um antigo samurai, tanto quanto sei cristão, tornou-se comandante da guarda real do rei do Sião;
Temos também Maria Guiomar, luso-japonesa, viúva de um grego, que viveu no Sião e ensinou cozinha portuguesa aos tailandeses;
E lembremo-nos ainda da Embaixada dos jovens nobres japoneses que viera, no final do séc. XVI, conhecer o Rei de Portugal, D. Filipe I, e o Papa.
Se atendermos às datas verificamos também que na Índia estaria a reinar o Xá Akbar, famoso pela sua política de tolerância religiosa. Ele convidou jesuítas de Goa para a sua corte.
Por isso, não seria de estranhar se um qualquer indiano estivesse incluído na comitiva do padre Nicolau. Porque não? Se nessa mesma época havia gregos casados com luso-japonesas a viver na Tailândia...
O slogan do campo de concentração de Solovki (SLON – Campo Especial de Solovki) era: “Hoje em Solovki, amanha em toda a Rússia”...
http://www.solovki.ca/english/camp.php
http://www.anatol.org/projects/
travel/russia/solovki-archipelago.html
Oi, José, passando aqui para te parabenizar por este blog maravilhoso, do qual já há muito sou fã. Eu, que adoro a Rússia e Portugal, ver um blog sobre a Rússia feito por um Português! Isto é tudo de bom! Parabéns e continue firme, sempre.
Milu Duarte
Um livro interessante sobre a história da Ucrânia "Os cossacos e os monarcas".
Da autoria do historiador ucraniano Taras Chukhlib: “Os cossacos e os monarcas. As relações internacionais do Estado ucraniano da época de 1648-1721, 3ª edição corrigida e aumentada – Kyiv, 2009, Editora Olena Teliha (616 paginas, pode ser descarregue gratuitamente, “peso” em PDF 4,9 Mb). O livro foi disponibilizado ao público pelo Instituto de Historia da Academia das Ciências da Ucrânia (em ucraniano).
Link directo para descarregar o livro em PDF:
http://history.org.ua/bigpdf/
978-966-355-041-1.pdf
Os ingleses...esses nossos velhos "aliados".
Cumpts
Manuel Santos
Eles faziam pela vidinha, MSantos, tal como nós o fazíamos. É sempre igual em todo e lado e em todas as épocas.
Caro Pippo
Acho que é mais do que isso.
Embora os meus interesses a nível de história sejam mais da antiguidade e primeiras civilizações não tendo muito presentes os acontecimentos posteriores, a sensação que tenho é que nessa velha aliança, Portugal saiu sempre prejudicado, tendo os ingleses levado sempre a sua avante em detrimento dos interesses portugueses.
Mas posso estar enganado.
Numa aliança, ambas as partes ganham ou quando muito há soluções de compromisso.
Cumpts
Manuel Santos
É uma aliança um bocado dúbia, MSantos, mas serviu os interesses de ambas as partes. A primeira vez que foi accionada foi ainda antes de ser acordada (!), no reinado de D. Fernando, na época em que os ingleses tentavam conquistar Castela (D. Pedro, o Cruel, era sogro do Duque de Lencastre, e os ingleses reclamavam os seus direitos herditários). A Aliança serviu-nos uma série de vezes contra os espanhóis e franceses mas, claro, só era accionada quando isso ia de encontro aos desejos dos ingleses.
O nosso imaginário que de a Aliança nos foi prejudicial, ou de que os ingleses beneficiaram mais com ela do que nós, deriva sobretudo da questão do Mapa Côr de Rosa. Aliás, muitas das nossas percepções sobre a História derivam de ideias feitas que nos foram transmitidas com o fim da Monarquia e a 1ª República: a causa da nossa decadência assenta na Inquisição; os ingleses foram uns malandros; por causa da Espanha nós perdemos a nossa esquadra e o nosso Império; a Monarquia deixou o país na bancarrota; etc.
Enfim, quanto à Aliança, apesar de tudo, não me parece que tenhamos feito um mau negócio.
Sobre esse assunto, David Landes explica de uma forma magistral na sua "A Riqueza e Pobreza das Nações" em que a Europa do sul ficou à mercê da religião católica, opressiva e inquisidora que restringia o livre pensamento. As colónias eram establecidas segundo os princípios evangelizadores mesmo que dessem prejuízo.
O norte da Europa seguiu a via do cristianismo protestante mais libertária, que instigava a dúvida e o questionamento abrindo os horizontes da ciência e do conhecimento e promovendo as colónias como forma de negócio e lucro.
Hoje temos o resultado dessas duas vias.
Cumpts
Manuel Santos
Enviar um comentário