Recordo-me como se fosse hoje, o 25 de Abril de 1974 foi um bonito dia de Primavera. Estava eu na aula de História, no Seminário Comboniano da Maia, quando alguém veio chamar o Dr. Cunha para ir ao telefone. Não era muito comum que esse excelente professor deixasse as aulas para ir atender telefones, mas a turma não ficou surpreendida, aproveitando o intervalo para “desopilar”.
O Professor Cunha voltou com um ar muito sério, concentrado, e pediu silêncio para anunciar: “Está a ter lugar um golpe de Estado, o regime está a ser derrubado”. E, com lágrimas nos olhos, pediu-nos novamente contensão e silêncio para continuar a aula.
Sim, criou-se um silêncio profundo, mas durou pouco tempo, porque não conseguimos conter a nossa alegria: o regime opressor tinha caído.
Naquela altura, eu tinha quase 16 anos, mas já tinha tido a oportunidade de ver a actuação da PIDE/DGS contra as pessoas que tinham outros ideiais. A polícia tinha acabado de expulsar alguns missionários combonianos de Moçambique e, no seminário, esse era um dos principais temas das conversas.
Além disso, tive professores brilhantes como o Professor Cunha que ousavam falar-nos a verdade.
Foi um momento de enorme alegria e euforia. À noite, até foi aberta uma excepção na disciplina para que pudessemos acompanhar os acontecimentos pela televisão.
Recordo também um caso curioso ocorrido logo a seguir, no dia 1 de Maio. O seminário tinha adquirido bilhetes para irmos ao Porto ver o filme “Jesus Christ Superstar”. Chegamos à porta do cinema (não me recordo o nome) e deparamos com um papel onde se lia algo como “a sessão foi suspensa devido às começorações do 1º de Maio”.
Por razões de segurança, tinham-nos dito para não irmos para a Avenida dos Aliados, onde se realizava a manifestação, mas, nessa dia, todos os seminaristas desobedeceram às ordens dos superiores, ou seja, pecaram, tal era o desejo de ver a primeira grande manifestação livre em Portugal.
E qual não foi o nosso espanto encontrar na manifestação alguns dos nossos superiores! Certamente estavamos perdoados.
Foi dos dias mais lindos da minha vida, quando se acredita que a felicidade, a irnandade está a um passo de distância. Mas, depois da festa, veio a ressaca, que continua ainda hoje. Portugal transformou-se, melhorou muito, mas muito mais ficou por fazer.
Depois, durante a vida de jornalista, tive a oportunidade de assistir a outras festas bonitas: a queda do comunismo na Europa do Leste e, depois, na URSS; a reconquista da independência da Estónia em 1991; a “revolução laranja” de 2004 na Ucrânia, etc., etc. Quanta alegria e esperança se sentia nas pessoas, quantas lágrimas de felicidade derramadas, mas sempre uma ressaca dolorosa e, às vezes, até sangrenta.
A ressaca não surge porque se conclui que esses acontecimentos não valeram a pena, mas porque, quando a festa termina, os líricos são substituídos por cínicos. Na linguagem destes últimos, chamam-se “pragmáticos”.
12 comentários:
Eu tinha 6 anos. Costumava à noite ver as notícias com os meus pais, num grande "machibombo" a preto e branco até dar "os meninos prá cama".
Recordo-me que as notícias mostravam os vários conflitos no mundo com soldados, tanques, etc.
Via aquilo com distanciamento apenas ansiando pelos bonecos.
Nesse dia fiquei muito assustado pois aqueles cenários de tanques e soldados que até então se passavam em terras distantes estavam a acontecer quase na soleira da minha porta.
Cumpts
Manuel Santos
com o 25 de Abril teve inicio o principio do fim de Portugal...
Se tiver tempo e paciência, convido-o a ver o meu blogue diário que tem o seguinte endereço:
jvacondeus.blogspot.com
Cumpromenta
José Vacondeus
antigo jornalista deste País
«Sei que está em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim(...)»
Letra que seria proibida pela ditadura militar no Brasil.
Anos depois, quando liberada, a Revolução Portuguesa já tinha mudado de rumo. Então, Chico achou que não tinha mais sentido a antiga letra e se viu obrigado a mudá-la.
E assim ficou:
«Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
E ainda guardo, renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto do jardim(...)»
E é isso.
O que importa é que de cada revolução sempre fica uma semente em algum canto de jardim.
Parabéns aos queridos patrícios portugueses! Um abraço brasileiro desde Moscou!
Gilberto Mucio
Revolução Laranja, na Ucrania, foi um evento "feliz"???
Com licença, essa revolução destruiu a Ucrania!!!
@Sérgio 20:40
...Pensei que tinha sido a 5 de Outubro de 1910...
Quanto é dita "revolução", convenhamos que melhorou muita coisa, terá piorado outras mas enfim...
Só temos o que merecemos :)
V.
Gilberto Múcio, quando é que o Chico vai deixar de ser um cínico e passar a apoiar a liberdade independentemente da ideologia?
Que adulador de Fidel, hein?
Excelente texto e testemunho!
Que não seria o mesmo sem a conclusão que extrai.
Questão secundária: Nunca mais voltarei a passar pelo edifício dos Combonianos, na Maia, com a mesma indiferença, quando vou ali ao Lar do Comércio.
Cumprimentos.
A REvolução Laranja?O tal de cara favada por comer "sushi"estragado foi abandonado pelo seu patrão bush.
Sr.José Milhazes "comunista"arrependido continua a cuspir no prato da sopa.
O meu cão ladra quando houve na rádio ou na TV a sua voz.
Eu pelo contrário temo não chegar a tempo à casa de banho para vomitar.
O "senhor" é um nojo de senhor.
Vª.Exª preovoca-me asco.
La Pasionaria, tanto ódio, tanto fel, agora compreendo como é possível cometer-se os piores crimes contra a humanidade, é com gente conivente do seu tipo.
E depois, apropriar-se de La Pasionaria é uma vergonha.
Caro Múrcio,
O "princípio do fim" da revolução do 25 de Abril de 1974 ocorreu em 25 de Novembro de 1975. O actor principal, - e, no meu modesto entender, o coveiro do 25 de Abril - foi o, mais tarde, general, Eanes, posteriormente, eleito presidente da república. O fim do 25 de Abril não foi porém, uma coisa abrupta, mas sim gradual, pois que demorou vários anos a desmontagem dos chamados "direitos adquiridos pelos trabalhadores", hoje praticamente todos extintos. Ocorreu muita resistência popular ao longo doa anos. Mas o 25 de Novembro de 1975, marcou, efectivamente, o fim da revolução. A partir daí, começou-se a falar em "normalização democrática" e dos "excessos cometidos". Os tais "excessos cometidos" eram - no entender, claro, dos vencedores de 1975, - coisas "incompreensíveis", tal como, os detentores da hierarquia do poder, darem ordens aos militares para reprimirem o povo, e serem prontamente desobedecidos. Isso durou ainda muito tempo (os militares sempre ao lado do Povo recusando-se a reprimir). Mas a pouco e pouco a coisa foi piorando e os militares democratas, afastados uma a um. Por exemplo, com a aquiescência do malfadado Mário Soares (que, entre outras asnices, meteu o socialismo na gaveta) foi criada uma polícia de choque com a missão específica de reprimir a luta popular (coisa que os militares sempre se recusaram a fazer após o 25 de Abril). Essa Polícia de Intervenção pós-25 de Abril, se comparada com a Polícia de Choque do tempo do Salazar, faz destes últimos, gordos e mal-treinados polícias, parecerem uns meninos do coro. Basta dizer que, numa das suas primeiras actuações, elementos dessa nova Polícia de Intervenção, mataram à paulada (mais precisamente, bastou uma bastonada na cabeça) o operário Luís Caracol, da UDP (União Democrática Popular). E já muito mais tarde, na década de oitenta, haveriam de matar na cidade do Porto, durante a comemoração do 1º de maio, dois manifestantes comunistas e um garoto que espreitava atrás dum muro - este morto com bala - tendo alegado que ele estava a atirar pedras.
(continua)
(continuação)
Só a título de curiosidade, aquando do 16 de Março, data em que o Regimento de Infantaria nº 6 baseado nas Caldas da Raínha, se sublevou e marchou sob Lisboa, eu estava no regimento de Artilharia Ligeira nº 5, em Leiria, muito perto. Soube do levantamento militar pela rádio (BBC). Chegamos a estar com uma bateria de canhões pronta para sair (obsoletas peças de museu alemãs do tempo da Segunda Guerra Mundial) e com a missão de, bombardear o Regimento das Caldas da Rainha, se necessário. Tal regimento tinha já regressado ao quartel, nas Caldas.
Claro que caso saíssemos em direcção às Caldas da rainha, não iríamos bombardear coisíssima nenhuma, pelo contrário, quando lá chegássemos, juntava-mo-nos a eles. Passado dois dias, fui transferido de noite, para o Regimento de Artilharia Ligeira nº 4, em Penafiel, que estava de prevenção rigorosa. Lá conhecí o célebre capitão Diniz de Almeida (mais tarde popularizado pela direita, como o Fittipaldi dos Chaimites) que era um militar justo com os soldados e muito exigente para com os sargentos profissionais do quadro permanente (por exemplo, rasgou-lhes os pedidos de licença para irem para casa durante a prevenção rigorosa que durou 15 dias, alegando, e bem, que se os soldados, que eram recrutados à força, tinham que ficar no quartel, por maioria de razão, eles, que eram militares de profissão, também teriam de ficar). O comandante do RAL 4, coronel Cyrne, tinha um medo pavoroso dele e evitava-o. Aquando do 25 de Abril, eu estava no regimento de Infantaria nº 6, no Porto. Esta unidade ocupou a sede da polícia política na cidade e evacuou os polícias, que foram metidos em camiões e libertados numa estrada, tendo fugido a correr pelos campos. Outra curiosidade do 25 de Abril foi o facto de a primeira unidade a ter saído e a ocupar um objectivo militar, foi o então (depois extinto) o CICAP - Centro de Instrução de Condução Auto do Porto, que ocupou o quartel-General na cidade, pelas 4 horas da manhã, sob as ordens do coronel Carlos Azeredo. Quando de Lisboa, pelas 6 horas da manhã, um general telefonou a dar ordens para saírem tropas em direcção a Lisboa, para defender o regime, recebeu como resposta "só recebo ordens do general Spínola". O general em Lisboa, deu uma risada de desdém, e o coronel Azeredo ripostou "ria-se, ria-se, que quem rí por último, rí melhor". Era um homem com um notável sentido de humor. Quando foi nomeado comandante militar na Ilha da Madeira, logo após o 25 de Abril de 1974, num magnífico dia de sol, tendo assomado à varanda, deparou que uma sueca, exibia os seios nús na praia (coisa não autorizada naquele tempo e nunca vista). Dirigiu-se a um furriel e disse-lhe " ó nosso furriel, vá lá abaixo e diga àquela senhora para meter "as munições" dentro da "cartucheira" :-D
Bons tempos !
A chamada "normalização democrática" sob a desastrada batuta partidária descambou nesta triste situação em que nos encontramos presentemente. Um país profundamente injusto, desequilibrado, sem qualquer esperança, e à beira da bancarrota ...
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