sexta-feira, abril 09, 2010

Rússia dá por consumada a derrota de Bakiev no Quirguistão



Texto enviado pela leitora Cristina Mestre:

"A Rússia deu por consumado o derrube do presidente Kurmanbek Bakiev no Quirguistão e manifestou apoio ao novo Governo quirguise, enquanto outras potências ligadas à Ásia Central (a China e os EUA) se limitam a expressar preocupação pelos distúrbios e apelam a evitar a violência, escreve hoje o diário Kommersant.

Segundo os dados mais recentes, os distúrbios já provocaram 75 mortos e 1.500 feridos.

Rosa Otumbáeva, que encabeça o Governo provisório do Quirguistão, afirmou que o primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, prometeu às novas autoridades assistência económica por parte de Moscovo. O porta-voz do primeiro-ministro, Dmitry Peskov, precisou que Putin tratou Otumbáeva como “chefe de um Governo de confiança popular” e que a conversa telefónica entre ambos teve lugar por iniciativa da parte russa.

O derrube do presidente quirguise, Kurmanbek Bakiev, a quem os protestos de rua obrigaram a procurar refúgio no sul do país, recusa entretanto admitir a sua derrota e proclama-se vítima de uma campanha orquestrada a partir do estrangeiro. “Não vou mencionar o país concreto mas, sem forças externas, seria praticamente impossível conduzir uma operação tão bem coordenada”, declarou numa entrevista à rádio Eco de Moscovo.

Uma fonte da Administração Presidencial da Rússia disse ao Kommersant que Bakiev recebeu múltiplas advertências de que não devia comportar-se dessa maneira e apoderar-se de tudo mas, mais uma vez, não cumpriu as promessas que deu à parte russa, somente por avidez”.

Um alto funcionário do Governo recordou que “Bakiev faltou à sua promessa de encerrar a base (aérea) norte-americana de Manás”. “No Quirguistão deve haver só uma base militar, a russa”, disse.

Outra promessa não cumprida, segundo o Kommersant, foi a passagem de Dastan, a única empresa quirguise do sector militar que ainda produz componentes para os torpedos navais russos Shkval. No ano passado, foi acordado que Moscovo perdoaria a dívida externa do país, de 180 milhões de dólares, e obteria em troca 50% da Dastan, assim como um polígono experimental que esta empresa possui nas margens do lago Issyk-Kul.

A Rússia perdoou a dívida do Quirguistão, após o qual o Governo quirguise anunciou que controlava na realidade apenas 37% da fábrica, ao passo que o resto estava em mãos privadas, pertencendo, ao que se soube depois, a empresas ligadas a Maxim Bakiev, filho menor do presidente.

Em Julho passado, Moscovo e Bichkek acordaram criar no sul do Quirguistão um centro de instrução militar que se deveria converter na segunda base russa no território do país, depois da base de Kant.

Também seria, na opinião de analistas, uma espécie de recompensa pelas tentativas falhadas de expulsar os americanos de Manás.

Não foi assinado qualquer acordo formal a este respeito, apesar do anteprojecto já estar preparado para assinatura a 1 de Novembro de 2009.

Pelo contrário, Bakiev teria autorizado a construção de outro centro de instrução militar – norte-americano, não russo – na região de Batken.

É compreensível, portanto, que Moscovo não lamente a queda de Bakiev.

Um alto responsável do MNE russo disse que os acontecimentos neste país centro-asiático não foram uma total surpresa para a Rússia. “Tudo se desenvolvia nesse sentido, a única coisa que surpreendeu foi a velocidade dos acontecimentos”. "







14 comentários:

Anónimo disse...

"enquanto outras potências ligadas à Ásia Central (a China e os EUA)"

Esta é para rir!

Os EUA ligados à ásia central.

Deve ser alguma fronteira com o Alaska.

HAVOC disse...

Parabéns ao povo do Quirguistão!! Desejo todo sucesso e prosperidade á este país pobre, mais estratégico, encravado no meio da Ásia.

E desejo que este tipo de ação, por parte da força popular, seja executada agora na Geórgia, para derrubar aquele governo fantoche da América. A Geórgia tem que se libertar daquele presidente, que só está trazendo dores e sofrimentos ao povo georgiano. O futuro da Geórgia depende totalmente deste tipo de ação, e este presidente precisa ser deposto e morto!!!

Jest nas Wielu disse...

Altamente cínico e bastante elucitativo, as revoluções populares só são maus (envolvem a CIA-Mossad), se não favorecem Moscovo (Geórgia e Ucrânia), caso contrário, a "vontade popular" é perfeitamente legítima, legal e até bem vinda.

PortugueseMan disse...

Dá por consumada não sei...

No ano passado, também pensaram que a base americana iria ser fechada e acabou por não ser.

Dada a importância desta base para os EUA e estes sabendo que saindo este presidente as hipóteses de manterem a base são praticamente nulas, os EUA precisam de fazer algo.

Interrogo-me se não irá aparecer apoiantes do actual presidente e se as forças militares/policiais não estejam ainda a ponderar que lado apoiar (ou quem é que dá mais dinheiro...)

Da Rússia, de Portugal e do Mundo disse...

Caro PM, as novas autoridades irão chegar rapidamente a acordo com os norte-americanos e já anunciaram publicamente que irão cumprir os acordos. O Quirguistão é uma prova à nova política entre Estados Unidos e Rússia. Ou sabem cooperar para impedir a desestabilização na Ásia Central, ou irão ter ambos graves problemas no futuro.
A China é que parece pouco preocupada com os problemas da região, mas vai ter de se envolver mais.

PortugueseMan disse...

Caro JM,

Estou bem mais pessimista quanto a um entendimento entre a Rússia e os EUA.

E confesso achar ainda muito prematuro as declarações deste novo governo(será que temos mesmo novo governo?).

A haver novo governo duvido que a base se mantenha lá, numa perspectiva russa ela tem que ser fechada e se este novo governo está mais inclinado para a Rússia...

P.S. Como você tinha dito, o tratado foi assinado sem se falar no sistema antí-míssil. O que muito me surpreende e acho que algo não nos foi dito em relação ao acordo.

Jorge Almeida disse...

As elites daquele país parecem-me que adoram demasiado o dinheiro.

Depuseram Akaev (claramente alinhado com Moscovo), e meteram lá este Bakiev na altura em que os EUA estavam ansiosos por meter lá a base de Manás, e estavam dispostos a tudo para isso.

Logo que conseguiram, desinteressaram-se de Bakiev e do Quirguistão, obrigando este Bakiev a aproximar-se de Moscovo, e a prometer fechar a base norte-americana.

Os norte-americanos lá deram mais algum, a base continuou aberta, e Bakiev e a sua clique a "mamar" de ambos os lados.

Claro que só podia dar raia.

Mas quem confia em tipos como este Bakiev para governar um país, é isto que arranja ...

E este novo governo não promete melhor. Esta de querer estar de bem com Moscovo e com Washington, mais parece que querem ocupar o lugar de Bakiev no "esquema" ...

Caro Doutor Milhazes, claro que a China vai ter de envolver-se mais na politica quirguiz, até por que este país faz fronteira com a China, e tem uma importante comunidade de muçulmanos uígures, que são problemáticos para os chineses.

Que raio de país este, dominado pelas máfias, com o fundamentalismo islâmico a crescer dentro das suas fronteiras, com os casos de SIDA a aumentarem assustadoramente, situado na rota dos narcóticos produzidos no Afeganistão e que vão parar à Europa Central, com tradição popular de raptar noivas, e governado por cliques deste calibre ...

Cristina disse...

Caro anónimo das 14.08

A palavra "ligadas" foi empregue não no sentido literal mas no sentido "com interesses na Ásia Central".
Reconheço, no entanto, que a palavra empregue não foi a mais adequada.

Pippo disse...

Duvido que a China ande pouco preocupada com os acontecimentos, JM. O Quirguistão é um corredor muito importante entre a AC e o Turquestão chinês (não é por acaso que os imperialismos sínico e árabo-muçulmano se defrontaram, precisamente, em Talas, no actual Quirguistão). A importanância do país deriva, portanto, da sua localização estratégica (e das suas águias!).


O derrube de Bakiyev é também uma demonstração das consequências do não cumprimento de acordos internacionais. A Rússia largou mão de milhões de contos e cumpriu vários compromissos, e qual foi a resposta dos dirigentes quirguizes? Cuspiram na cara dos moscovitas. A resposta consubstanciou-se no apoio a uma revolta contra o nepotismo descarado do presidente e contra a escandalosa redução do nível de vida. Na sua essência, foi uma revolta tão ou mais legítima do que as "revoluções coloridas" que levaram ao poder líderes nacionalistas de índole bem perigosa. E tal como aconteceu posteriormente na Geórgia, o dirigente "democrático" do Quirguistão rapidamente atacou a oposição, a imprensa, e apoderou-se de todo o aparelho estatal e produtivo. A própria "democracia" tornou-se uma palavra vazia de sentido.

Em termos de prospectiva, seria interessante se o novo governo assumisse os compromissos firmados com a Rússia, quer ao nível económico, quer ao nível estratgégico-militar. Contudo, não vejo um novo governo a cortar simplesmente os laços mantidos com os EUA. Não é do interesse do Quirguistão ficar dependente de um só país quando pode dialogar vantajosamente com dois ou três. Mas, como forma de agradar a russos e chineses, poderá haver uma redução da presença norte-amercana do país e no prazo de arrendamento de Manas.

Jest nas Wielu disse...

off top:

Mais de 650 moradores da cidade de Ivangorod (província de Leningrad) assianram a petição que pede a entrega da cidade sob a jurisdição da Estónia! (650 pessoas = cerca de 6,5% da sua população).
http://grani.ru/Politics/
Russia/m.176898.html

E essa, ehm !

Anónimo disse...

Por que razão os EUA terão de ter interesses na ásia central?
Mas escandalizam-se quando a Rússia aborda países da América latina.

PortugueseMan disse...

Caro Pippo,

Também é importante não esquecer que foi inaugurado no final do ano passado o pipeline Turquemenistão-China:

(uma perspectiva minha)
http://portugueseman.blogspot.com/2010/01/china-imparavel-acelera-o-seu.html

http://en.wikipedia.org/wiki/Central_Asia_%E2%80%93_China_gas_pipeline

O gás que era suposto alimentar o Nabucco, está a ser desviado para a China e é urgente (numa perspectiva chinesa/russa) tirar a influência americana da zona.

Pippo disse...

Boa!

Ou seja, confirma-se a nossa persectiva acerca deste assunto: China e Rússia a recuperar influência, EUA apanhados de surpresa e a ver no que isto vai dar.
É interessante esta extensão da cooperação ao Irão. Isto parece inserir-se que nem uma luva na teoria "continental" euroasiana, na qual a Rússia e o Irão seriam parceiros estratégicos, com o Cáucaso e a Ásia Central funcionando como elo de ligação entre os dois.

Ora, o que aconteceria se, por milagre, estalasse uma revolta no Irão e subiss ao poder uma direcção mais moderada, que não desejasse a nuclearização do país e que não fosse anti-americana?

Anónimo disse...

Os Yanques interessa-lhes a Ásia Central, porque a única fronteira que lhes falta transpor é a Chinesa. A entrada possível é por esta zona bastante conturbada. Estão ali latentes todo o tipo de conflitos, étnicos, fronteiriços, hídricos, vias de comunicação.

Mas as invasões do Afeganistão e do Iraque foram feitas com que sentido? Para ensanduichar o Irão, substituir um governo hostil por um pró Ocidental sem necessidade do confronto directo. E assim controlar os recursos energéticos de toda a região. Privando a China e a Índia de se abastecerem livremente.
O petróleo já atingiu o pico de Hubbert. O futuro está no gás, naqueles países existem reservas estimadas para mais de 300 anos.
Portanto se se fizer uma analise detalhada de qual o valor estratégico daquela zona, chega-se facilmente à conclusão que dominando os recursos energéticos do Golfo Arábico à Bacia do Cáspio os Americanos são os “senhores” absolutos de toda a economia mundial.

No entanto a Rússia encontra-se num dilema bastante complexo em relação aos principais actores que estão em cena.
Esforça-se a todo o custo para ter o papel principal , por razões históricas e da sua própria segurança. Mas não tem força nem dispõe de capacidades financeiras para se impor.
Interessa-lhe um Irão aliado, mas fraco, (obediente) que não lhe faça concorrência nos fornecimentos de combustíveis aos seus vizinhos.
Quanto á China era bem bom que só servisse para comprar todo o petróleo que a Rússia pudesse extrair. Só que a China vai tornar-se um perigo com o tempo para a Rússia. Por muitas razões.
Sobre os Americanos era desejável que fizessem aquilo que os Russos não têm capacidade de fazer na Ásia Central e depois saíssem.
Mas não é isso que vai acontecer. E a permissão do grande aumento na produção de drogas no Afeganistão por parte das forças ocupantes já está a alcançar os objectivos pretendidos em todos os países limítrofes. Incluindo a Rússia.
Por isso não se pode isolar o Quirguistão desta complexa teia de interesses estratégicos.